A retirada da tributação sobre as exportações do agronegócio – as chamadas retenciones –, uma forte bandeira do presidente eleito da Argentina, Javier Milei, não deve ser tão simples quanto prometido. Mergulhado em uma dívida externa de US$ 276 bilhões, com reservas negativa de US% 15,3 bilhões e uma inflação que pode chegar a quase 190% até o final de 2023, o governo local tem nesses impostos uma importante fonte de receita. E o impasse na solução desse imbróglio econômico já faz balançar o mercado internacional de grãos.
A avaliação é do diretor da Brasoja Agro Corretora, Antonio Sartori. “A situação no país vizinho é caótica. E Javier Milei venceu com um discurso de zerar a alíquota das retenciones em cinco anos. E de, nesse mesmo intervalo, dobrar a produção agrícola. Mas cada grão de soja embarcado reverte 33% do valor para os cofres públicos. Outras culturas têm allíquotas menores. Mas é difícil o governo abrir mão desse recurso”, analisa.
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A medida seria importante para o agronegócio argentino, que poderia ganhar em tecnologia e produtividade com o aumento da renda dos produtores rurais e o investimento nas propriedades. Mas as entidades do agro estão apreensivas com o que pode, de fato, se tornar a política econômica do futuro governo. “Todos querem uma única cotação para o dólar. Mas hoje há nove cepas para a moeda americana: para a soja, para o turismo, o dólar blue (uma cotação paralela do peso negociada por cambistas dentro do país), o oficial, entre outras. O futuro é uma caixa de surpresas”, acrescenta o dirigente da Brasoja.
Sartori vê a alta de quase 25 pontos na Bolsa de Chicago na tarde desta segunda-feira (20) como mais um reflexo das incertezas quanto à oferta mundial de soja, comodity que tem na Argentina um dos maiores produtores do mundo. Segundo ele, questões políticas, geopolíticas e especulativas já estão estabelecendo um ambiente de retenção da soja nas mãos dos produtores na Argentina e no Brasil.
“Os efeitos exacerbados do El Niño na América Latina criam um cenário de incertezas no campo. Calor extremo em algumas regiões, matando as plantas queimadas, e chuvas excessivas em outras, impedindo a semeadura ou afogando as mudas. O mercado está em alta e, nessa situação, ninguém quer vender”, completa.
Darlan Palharini, secretário executivo do Sindilat, acredita que Milei não deverá manter o subsídio aos locais – medida que, segundo ele, teria sido usada com fins eleitoreiros para potencializar a campanha do candidato derrotado Sergio Massa. “Essa retirada já traria um certo equilíbrio na relação de preços entre o produto nacional e o argentino, que vem sendo derramado em enorme volume no País, desafogando nossos produtores. Queremos acreditar que seja um governo que respeita as regras do Mercosul e que subsídios só possam ser concedidos em comum acordo entre os países do bloco”.
Palharini lembra, porém, das dificuldades econômicas da Argentina e a escassez de dólares. E que isso pode pesar na hora de o novo comando da Casa Rosada definir como tratar o tema.
Já para o presidente da Câmara Empresarial Argentino-Brasileira do Rio Grande do Sul, Fabio Ciocca, a fala de Javier Milei após a confirmação da vitória nas urnas já foi mais ponderada e pragmática, mostrando preocupação com o que ele próprio chamou de “uma nova Argentina”. De acordo com o d dirigente, com um discurso efusivo, Milei demonstrou a necessidade de um trabalho conjunto entre as lideranças políticas e o setor privado.
Ciocca avalia que ocorrerá o enxugamento da máquina, com cortes importantes nos gastos públicos, para retomar o equilíbrio fiscal, a fim de restaurar décadas de deterioração econômica. E que questões que gravitam em torno da dolarização, do fechamento do Banco Central, da saída da Argentina do Mercosul, serão bastante complexas para o futuro presidente, pois necessitam do aval do Congresso, onde ele não terá maioria. Ele espera uma política de governo menos intervencionista, impulsionada à abertura de mercado, sem barreiras tarifarias e não tarifárias, o que fortalecerá as negociações com os principais parceiros comerciais”.
Segundo o dirigente, mesmo com fatores conjunturais adversos, Brasil e Argentina têm características tradicionais que podem oportunizar vantagem comparativa no intercambio comercial. “Ambos podem ser atores importantes na cadeia global, pois são grandes produtores de alimentos e necessitam trabalhar em conjunto questões relacionadas à segurança alimentar, assim como necessitam figurar como atores na segurança energética e na transição para uma economia verde”.
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