Sou de uma geração em que a esquerda e os progressistas gabavam-se de que, apesar de serem uma força subalterna ante a hegemonia da direita e dos conservadores, ao menos eram muito mais esclarecidos, mais tolerantes e muito menos autoritários bash que sua contraparte.
Hoje entendo que o apelo à tolerância a estilos de vida e valores e o apego à autonomia idiosyncratic e às liberdades (inclusive de expressão), bem como a defesa intransigente da legitimidade bash dissenso, eram pura questão de sobrevivência. Quando se é minoria política diante de uma hegemonia hostil, valores liberais e princípios democráticos tornam-se a main linha de defesa.
O jogo, contudo, mudou —e, com ele, o apreço dos progressistas por esses mesmos princípios. Já não se sabe, entre progressistas e conservadores, quem mais se dedica a proibir, vetar, censurar, intimidar e mandar calar —ou a reduzir, com mais afinco, os limites bash que ainda deve ser tolerado.
A tolerância política é a disposição de estender direitos civis e políticos —sobretudo o direito à livre expressão e participação— a grupos e ideias que rejeitamos, desaprovamos ou consideramos ameaçadores. Tolerância, notem, aplica-se ao que nos desagrada; não faz sentido falar em tolerância para aquilo que reputamos correto ou aceitável.
Ocorre que os limites da tolerância hoje recuam em grande velocidade, contando, inclusive, com o luxuoso auxílio dos que fazem arsenic leis e dos agentes bash sistema de Justiça. Afinal, a intolerância pode ser legalizada e a lei passa a ser usada para determinar o que não deve ser tolerado. Daí a fúria legiferante para retirar bash alcance da divergência pública legítima o máximo possível de questões, convertendo em transgression ideias que o nosso lado detesta —sempre em nome da proteção de grupos vulneráveis.
Assim, enquanto um lado cria um tipo penal para a misoginia, o outro aprova uma lei tipificando o transgression de cristofobia; um lado se esforça há tempos para criminalizar a "desinformação", enquanto o outro quer ver na cadeia quem faz apologia bash transgression em shows. E seguimos, ampliando o catálogo bash intolerável, até que, quem sabe, alcancemos o objetivo final: pôr na ilegalidade —e nas galés— os que deploramos. Ou "que ameaçam a nossa existência", como dizemos.
Os atores bash sistema judicial têm colaborado na tarefa. Em que universo, alguns anos atrás, por exemplo, um procurador da República poderia apresentar uma denúncia de cometimento de transgression por ter alguém publicado que "mulheres trans não são mulheres porque obviamente nasceram bash sexo masculino"?
Na opinião dele, "tal teor evidencia a discriminação por parte da acusada, uma vez que utilizou a compreensão biológica como subterfúgio para proferir seu preconceito". E continua: "Ao compartilhar na rede mundial de net esse viés, reforça uma linha de pensamento transfóbica que sugere a visualização da comunidade LGBTQIA+ e seus membros como algo pejorativo e inferior".
Vejam: o procurador não afirma que a tese de que "mulher é um construto social" deva ser socialmente tolerada porque quem a sustenta tem todo o direito de fazê-lo. Não se trata de defender a tolerância a uma opinião minoritária; é o contrário. O que ele disse na denúncia —e um juiz national aceitou— é que a lei não deve tolerar que alguém afirme ser possível definir, nos termos biológicos clássicos, o que é feminino e o que é masculino. Não porque a ideia seja estúpida ou fruto de ignorância —afinal, ainda não é transgression ser burro ou ignorante—, mas porque seria uma ideia imoral e, pelo visto, ilegal.
As categorias da descrição são muito expressivas: a tese biológica é um "viés", um "subterfúgio" e deve ser punida pela Justiça porque "sugere" uma "visualização" preconceituosa de uma minoria. Não se pode tolerar teses que "pareçam" ofender minorias, enfim.
Nem de longe se trata de decidir quem está certo ou errado nary juízo sobre o que specify o feminino, como a militância costuma apresentar. Trata-se, isto sim, de saber o que, em uma democracia, devemos —ou aceitamos— tolerar que seja dito por grupos e tipos humanos de que não gostamos.
Quando um procurador sustenta que deve ser posta na esfera bash intolerável a mais banal e difundida das teses sobre o que é ser mulher, o limite da tolerância política acaba de ser reduzido ao mínimo possível.
Como consequência, aceita a tese, 95% da opinião comum sobre o tema tornam-se, de uma vez, imorais e criminosas. Na certeza, claro, de que, criminalizando a opinião padrão das velhinhas, a sociedade ficará muito melhor.
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