- Author, André Bernardo
- Role, Do Rio de Janeiro para a BBC News Brasil
Há 28 minutos
No dia 22 de maio de 1930, o governador de Pernambuco, Estácio Coimbra, decretou feriado municipal. Naquela quinta-feira, cerca de 15 mil pessoas correram até o Campo do Jiquiá, na Zona Oeste do Recife, para assistir à chegada do LZ 127 Graf Zeppelin – o nome da aeronave era uma homenagem a Ferdinand Adolf August Heinrich Graf von Zeppelin (1838-1917), o Conde Zeppelin.
O dirigível de 236,6 metros de comprimento por 30,5 metros de largura saiu da Alemanha no dia 18, fez escala na Espanha e, quatro dias depois, chegou ao Brasil, por volta das sete e meia da noite. Para se ter uma ideia do tamanho do zepelim, o Boeing 747-8, um dos maiores aviões de passageiros do mundo, tem “apenas” 77 metros de comprimento. Ou seja: o Graf Zeppelin era três vezes maior!
Tudo o que diz respeito ao zepelim é gigante. O governador de Pernambuco mandou construir uma torre de atracação de 16,5 metros de altura e um galpão de 315 metros quadrados, com sala de embarque, despacho de bagagem, posto médico, estação de rádio, cozinha, refeitório e dormitório para a tripulação. De quebra, contratou banda de música para animar a festa e montou arquibancada para receber os convidados.
Durante o pouso, os tripulantes esqueceram de colocar a bandeira com os procedimentos da atracação. Resultado: os soldados do Exército, responsáveis por segurar as cordas lançadas pelo dirigível, não sabiam o que fazer. “Uma senhora amarrou uma das cordas em uma palmeira”, conta o historiador Cristiano Rocha Affonso da Costa, autor de Os Zeppelins Nos Céus do Brasil (2021).
“A árvore foi arrancada com raiz e tudo”.
Passado o susto inicial, o capitão Hugo Eckener (1868-1954) recebeu as boas-vindas do antropólogo Gilberto Freyre (1900-1987), representante do governo pernambucano. Depois de ser reabastecido de gás hidrogênio, o dirigível seguiu viagem rumo ao Rio de Janeiro. Na então capital federal do país, o zepelim atracou, três dias depois, no Campo dos Afonsos, na Zona Oeste da cidade.
Em 1936, os pousos e as decolagens foram transferidos para a Base Aérea de Santa Cruz. Lá, foi construído o aeroporto Bartolomeu de Gusmão. Se o Recife ergueu uma torre de atracação, o Rio construiu um hangar de 274 metros de comprimento por 58 metros de largura.
“O Graf Zeppelin chegou ao Brasil no mesmo dia em que saiu o resultado das eleições para presidente. E simplesmente ‘roubou a cena’. Ler sobre o ‘charuto voador’ despertava mais atenção do que sobre a vitória de Júlio Prestes”, compara Charles Narloch, doutor em Museologia e Patrimônio pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e tecnologista do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST).
A torre de atracação no Recife foi restaurada em 2013 pelo artista plástico Jobson Figueiredo. Já o hangar na Base Aérea de Santa Cruz, no Rio, foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e, atualmente, é propriedade da Força Aérea Brasileira (FAB).
Na cultura popular
A passagem do Graf Zeppelin pelos céus do Recife foi mostrada no filme Retratos Fantasmas (2023), dirigido e roteirizado por Kleber Mendonça Filho. O documentário foi escolhido para representar o Brasil na busca por uma indicação ao Oscar de Melhor Filme Internacional.
O dirigível alemão serviu de inspiração, também, para O Crime do Bom Nazista (Todavia, 2023), escrito por Samir Machado de Machado. O romance policial é ambientado no interior de um zepelim alemão.
“Durante meu mestrado, tive aulas de Filosofia e Literatura onde se analisavam a linguagem de regimes totalitários, e seus paralelos com o bolsonarismo. Daí, nasceu a ideia do mistério que move o enredo: um assassinato onde a vítima é um judem homossexual e todos a bordo são nazistas”, explica o autor.
No livro Os Zeppelins nos Céus do Brasil, Cristiano Rocha Affonso da Costa recorda que, na década de 1930, os dirigíveis ajudavam a vender os mais variados produtos, de refrigerantes, como o guaraná Antarctica, até cigarros, como Lucky Strike, passando por sapato, óleo de motor e leite em pó.
Ao longo das décadas, os zepelins inspiraram artistas dos mais diferentes gêneros – tanto na hora de compor, caso do cantor e compositor Chico Buarque, autor de Geni e o Zepelim, da peça Ópera do Malandro (1979), quanto na hora de escolher um nome para sua banda de rock, como a britânica Led Zeppelin – a ideia, no caso, teria partido do integrante de outro supergrupo: o baterista Keith Moon, do The Who.
Quem não gostou nem um pouco do nome (“zepelim de chumbo”, em livre tradução) foi Eva von Zeppelin, a neta do Conde Zeppelin. Menos ainda da capa do primeiro álbum do Led Zeppelin, lançado em 1969, que reproduzia o exato momento da explosão do dirigível Hindenburg, em 1937.
Final infeliz
Ainda em Retratos Fantasmas, o cineasta Kleber Mendonça Filho lembra do tempo em que, estudante de Jornalismo, conheceu Alexandre Moura, que trabalhava na cabine de projeção do antigo Art-Palácio, do Recife. O cineasta comparou a sala de cinema a “um navio prestes a ser afundado”.
Considerado um dos maiores estúdios cinematográficos da Alemanha, a Universum Film AG, mais conhecida pela sigla UFA, foi fundada em 18 de dezembro de 1917 e produziu, entre outros, o clássico Metropolis (1927), dirigido por Fritz Lang (1890-1976).
“Desde sua origem, o cinema foi visto como forte ferramenta de propaganda política e doutrinária. Neste contexto, a UFA tornou-se aliada do governo nazista na representação de uma boa reputação da Alemanha no exterior. A produtora ganhou tanta popularidade no país que qualquer filme alemão era taxado de filme da UFA”, explica o historiador Arthur Gustavo Lira do Nascimento, doutor em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
“Ao mesmo tempo em que, na Alemanha, a UFA se alinhava ao nazismo, a produtora se expandia em nosso país”.
No Brasil, a UFA inaugurou duas salas de cinema: UFA-Palácio, em São Paulo, no dia 13 de novembro de 1936, depois rebatizada de Art-Palácio, e Art-Palácio, no Recife, no dia 10 de março de 1940. Os dois cinemas foram projetados pelo arquiteto brasileiro Rino Levi (1901-1965).
Segundo o historiador Flaviano Bugatti Isolan, professor de História Contemporânea na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e autor do artigo Cinema Alemão no Brasil nos Anos 1920 e 1930: Percursos de uma Política Cultural Exterior, havia planos de inaugurar uma terceira sala em Campinas (SP).
Ter uma sala de cinema para chamar de sua e, principalmente, para exibir os próprios filmes não era um privilégio da UFA. Outros estúdios cinematográficos, como a Metro-Goldwyn-Mayer (MGM) e a Paramount Pictures, também tiveram.
“Filmes de propaganda nazista nunca tiveram grande circulação no Brasil”, afirma o historiador Flaviano Isolan. “Logo, os produtores notaram que, para atrair público, a propaganda tinha que ser menos escancarada e mais sutil. E começaram a produzir comédias, romances e musicais de viés nazista. Ao contrário dos filmes de Hollywood, fantasiosos e romantizados, os alemães eram realistas e defendiam valores patrióticos”.
Como exemplo, cita Heróis Sem Pátria (1933), O Velho E O Novo Rei (1934) e Juventude Ardente (1937).
O Art-Palácio do Recife fechou suas portas em 1993 e o Art-Palácio de São Paulo em 2009.
Propaganda nazista
O Graf Zeppelin é, nas palavras de Cristiano Rocha Affonso da Costa, “o dirigível de maior sucesso da história”. Ao todo, realizou 590 voos – 68 deles para o Brasil – e transportou cerca de 13 mil passageiros.
Entre outras proezas, deu a volta ao mundo em 1929 – a viagem, de 21 dias, foi patrocinada pelo magnata William Randolph Hearst (1863-1951) – e levou cientistas até o Ártico em 1931. Podia alcançar a velocidade de 128 km/h e transportar até 40 passageiros.
Se um navio levava de 15 a 21 dias para cruzar o Atlântico, um dirigível percorria o mesmo trajeto em apenas três dias e meio. Mas, se, por um lado, o tempo de travessia era menor; o preço da passagem, por outro, era maior, bem maior – correspondia a uma primeira classe em navio de luxo.
Tripulantes e passageiros viajavam em um compartimento chamado “gôndola”, onde funcionava, além das cabines de comando e de controle, a cozinha, o refeitório, os dormitórios e os banheiros.
No filme Indiana Jones e a Última Cruzada (1989), o intrépido arqueólogo é perseguido por um oficial nazista na gôndola de um zepelim. Disfarçado de bilheteiro, dá um soco no sujeito e o atira janela abaixo.
O que transportava a gôndola era o “invólucro” ou “envelope”, nome dado à parte superior do dirigível.
“Vamos supor que o corpo do dirigível seja um pacote de biscoito – ou de bolacha, dependendo de onde você mora. Dentro dele, há vários biscoitos. Cada um equivale a um balão (ou célula de gás). No caso do Graf Zeppelin, eram 17, todos inflados com gás mais leve que o ar”, explica Cristiano Rocha Affonso da Costa.
Os gases de elevação mais usados eram o hidrogênio e o hélio. Se o primeiro é barato e de fácil obtenção, o segundo é caro e de difícil produção. Outra diferença importante: o hidrogênio é altamente inflamável.
“Num primeiro momento, os dirigíveis funcionavam como meio de transporte. Mas, com a chegada de Hitler ao poder, se tornaram instrumentos de propaganda nazista”, afirma o historiador Dirceu Marroquim, doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), e coautor do livro Zeppelin no Recife (2015), em parceria com Jobson Figueiredo.
“Muitos deles, inclusive, passaram a ostentar uma suástica no leme”.
Gigante dos ares
Além do Graf Zeppelin, outro dirigível, de fabricação alemã, também fazia a rota Europa-América do Sul: era o LZ 129 Hindenburg. Seu primeiro voo para o Brasil aconteceu no dia 31 de março de 1936 e conduzia, entre os passageiros, o maestro Heitor Villa-Lobos (1887-1959).
Comparado ao Graf Zeppelin, o Hindenburg era um pouco maior: tinha 245 metros de comprimento – quase o tamanho do transatlântico britânico Titanic, que tinha 269 metros – e 41,2 metros de largura. Atingia a velocidade de 135 km/h e transportava até 72 passageiros.
Cada passageiro podia transportar até 20 quilos de bagagem. Mais do que isso, as malas tinham que ser despachadas por navio, sem custo adicional.
Maior e mais moderno: o Hindenburg tinha “piloto automático”, sistema de aquecimento e sala de fumantes – no Graf Zeppelin, fumar era proibido.
A tripulação era dividida entre equipe técnica e geral: o capitão coordenava o primeiro grupo, que incluía engenheiros, maquinistas e operadores de leme, e o comissário de bordo, o segundo, de cozinheiro a médico.
Acidente ou sabotagem?
Se o Graf Zeppelin realizou, entre 1930 e 1937, 68 viagens para o Brasil, o Hindenburg realizou, entre 1936 e 1937, apenas oito. Dessas oito, duas foram estratégicas: uma experimental para Buenos Aires, na Argentina, em 1934, e outra em homenagem à colônia alemã no Paraná e Santa Catarina, em 1936.
Nas duas ocasiões, o dirigível sobrevoou cidades como Porto Alegre, Joinville e Pelotas. Em Blumenau, a passagem do Hindenburg foi saudada por buzinas de carros, sirenes de fábricas e sinos de igrejas.
“A maioria das pessoas sabia que os dirigíveis sobrevoariam suas cidades. A notícia chegava com dias de antecedência, através das rádios ou dos jornais”, explica o roteirista Saulo Adami, um dos diretores do documentário O Dirigível (2019), ao lado de Alessandro Vieira e Carlos Alexandre Martins. “Mesmo assim, muitos se surpreenderam com o tamanho dos zepelins. Disseram que eram assombrosos”.
O LZ 129 Hindenburg teve vida curta: no dia 6 de maio de 1937, pegou fogo em Lakehurst, em Nova Jersey (EUA). A tragédia durou inacreditáveis 34 segundos. Morreram 13 dos 36 passageiros e 22 dos 61 tripulantes.
“O que aconteceu naquele dia foi uma fatalidade”, lamenta o historiador Cristiano Rocha Affonso da Costa. “Duas comissões, uma da Alemanha e outra dos EUA, investigaram a explosão e descartaram a hipótese de sabotagem. O que houve foi vazamento de gás aliado à eletricidade estática”.
Já Charles Narloch, do MAST, compara a tragédia de Hindenburg ao naufrágio do Titanic, em 1912. “Além de serem os maiores do mundo, eram tidos como ‘infalíveis’. A tragédia do Hindenburg comoveu o mundo. Para o Brasil, ficou o gosto amargo de uma promessa que não se cumpriu”, lamenta.
O LZ Graf Zeppelin foi desmontado em 1940. Sua carcaça foi usada na construção de aviões de guerra.
Máquina mortífera
O Conde Zeppelin entrou para a história da aviação por emprestar seu sobrenome à empresa que fundou em 1908, a Companhia Zeppelin. O primeiro modelo que inventou, o LZ 1, tinha 137 metros de comprimento, chegou a 390 metros de altura e caiu depois de voar por 18 minutos.
Durante a Primeira Guerra, seus zepelins foram transformados em naves militares. No dia 31 de maio de 1915, o LZ 38 bombardeou a cidade de Londres e deixou um saldo de 28 mortos e 60 feridos.
Ao todo, os 109 dirigíveis fabricados durante a guerra, 89 deles pela Companhia Zeppelin, mataram 557 pessoas e feriram outras 1.358. Não por acaso, foram apelidados de “Baby Killers”.
Curiosamente, o primeiro piloto a realizar um voo totalmente controlado de dirigível foi um brasileiro: Alberto Santos-Dumont (1873-1932). Foi no dia 20 de setembro de 1898. Seu invento tinha 25 metros de comprimento, era equipado com motor de 12 cavalos e chegou a uma altitude de 400 metros.
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