Nos últimos dias fomos confrontados com a cena chocante de um homem arrastando, com o carro, uma mulher com quem teve um relacionamento. A imagem é tão brutal que chega a ser difícil acreditar no que vemos. O desfecho é sombrio: a mulher teve as duas pernas amputadas e permanece internada em estado grave. Trata-se de mais um caso que eleva as estatísticas de violência contra as mulheres. De acordo com o Atlas da Violência 2025, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), entre os registros de violência contra mulheres e meninas perpetrada por familiares, parceiros, ex-parceiros ou cuidadores, em 2023, 64,3% foram classificados como violência doméstica.
Esta é a minha segunda coluna sobre esse tema (a anterior foi "Dormindo com o inimigo", publicada na Folha em 3 de setembro de 2024). Não quis mudar o título porque ele traz uma informação essencial: a maioria dos casos de violência contra as mulheres ocorre em casa, e o perpetrador mora com a vítima. No domingo, ao ler a coluna de Giovana Madalosso ("A casa é o lugar mais perigoso para uma mulher"), chamou-me a atenção a forma como ela descreve a perda de autonomia que sofreu no próprio lar. Ela fugia do agressor, escondendo-se nos cômodos da casa, até que, um dia, conseguiu que ele fosse removido e então pôde se apropriar novamente de todo o espaço. Eu diria mais: ela se apropriou novamente dos rumos da própria vida e da própria liberdade.
No último sábado (6), participei do workshop organizado pelos colegas Giovanna Úbida e Eduardo Mendes na Fundação Getúlio Vargas. As palestras que assisti apresentaram dados, resultados e novos relatos sobre essa questão endêmica que envergonha a nossa sociedade. Diversos pontos me chamaram a atenção. Como falar da família, base da sociedade, quando a violência muitas vezes ocorre em casa? Será que essa instituição tão antiga fracassou? Eu diria que não. Porém, não podemos usar a família, qualquer que seja sua configuração, para proteger o agressor. Se ela estiver vulnerável ou disfuncional, é necessário proteger seus integrantes e intervir para pôr fim às agressões.
A Constituição brasileira de 1988 deu um passo importante no reconhecimento do problema e na proteção das vítimas ao incluir a proteção da entidade familiar: "A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado." (art. 226). Ainda nesse artigo, estabelece-se que o Estado assegurará assistência à família e garantirá a cada um de seus integrantes mecanismos para inibir a violência em suas relações. Naquele momento, a lei evoluiu e, com ela, evoluiu também, de certa forma, a própria definição de família como um núcleo a ser protegido e a viver livre de violência.
Por outro lado, a prática jurídica distorceu, por muitos anos, a noção de legítima defesa, convertendo a chamada "tese da legítima defesa da honra" em um instrumento para vitimizar o agressor e culpabilizar a vítima. Segundo a palestra da professora Luciana Ramos (FGV Direito SP), até meados do século passado a interpretação jurídica acabava por proteger mais a honra masculina do agressor do que a integridade da vítima. A tese da legítima defesa da honra continuou a ser utilizada e foi gradualmente rejeitada pelos tribunais ao longo do final do século 20 e, em 2023, foi declarada definitivamente inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
A Lei Maria da Penha entrou em vigor em 2006, após muita luta e pressão para que houvesse uma punição mais rigorosa aos agressores. E, muito diferente de décadas atrás, a Lei do Feminicídio, de 2015, colocou de vez uma pedra sobre os tempos de legislação branda no caso de homicídio quando a vítima é alvo por ser mulher.
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Discussões, notícias e reflexões pensadas para mulheres
Ainda há um longo caminho a ser trilhado. Esse tipo de violência não pode ser aceitável nem acobertado pela sociedade. Fortalecer a prevenção e a proteção é fundamental. O trabalho preventivo deve estar presente nas escolas para conscientizar os jovens sobre o que é violência doméstica, seus tipos e suas consequências, além de abordar questões relacionadas à masculinidade. Além da responsabilização criminal, é importante, ao mesmo tempo, criar grupos reflexivos para trabalhar com homens que cometeram algum tipo de violência, buscando a conscientização sobre seus atos e a prevenção de novos crimes, como faz a juíza Teresa Cabral.

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