Montagem de fotos mostra os candidatos à presidência do Chile, José Antonio Kast, do Partido Republicano, e Jeannette Jara, da Coalizão Progressista de Centro-Esquerda

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Legenda da foto, José Antonio Kast e Jeannette Jara disputarão o segundo turno no Chile em 14 de dezembro, sugerem resultados parciais
    • Author, Daniel García Marco
    • Role, Da BBC News Mundo
  • 16 novembro 2025, 20:15 -03

    Atualizado Há 10 minutos

A comunista Jeannette Jara e o conservador José Antonio Kast emergem como os favoritos para o segundo turno das eleições presidenciais chilenas, marcado para 14 de dezembro.

Com 40% dos votos do primeiro turno apurados neste domingo (16/11), Jara tem 26% dos votos e Kast, 24%.

Como nenhum dos candidatos obteve mais de 50%, a presidência deverá ser decidida no próximo mês em um confronto direto entre dois candidatos de lados opostos do espectro político, caso esses resultados se confirmem.

Oito candidatos disputaram as eleições presidenciais chilenas em 2025, com três deles disputando voto a voto a vaga da direita contra Jara no segundo turno.

Além de Kast, eram considerados favoritos Evelyn Matthei, da coligação Chile Vamos, que reunia a centro-direita tradicional; e Johannes Kaiser, do Partido Libertário Nacional, que se posicionava ainda mais à direita de Kast.

Kaiser e Kast não aceitaram disputar as eleições primárias oficiais contra Matthei em junho passado — diferentemente do que fez a esquerda, que elegeu Jeannette Jara como sua candidata única.

Segundo a maioria das pesquisas, o candidato da direita que disputará o segundo turno contra Jara, em meados de dezembro, tem grandes probabilidades de vencer as eleições.

As pesquisas indicam que, conjuntamente, as diferentes vertentes da direita superam hoje os 50% das intenções de voto no Chile, enquanto a candidata do governo não conseguiria ultrapassar os 30%.

O pleito deste domingo foi marcado pelo retorno do voto obrigatório nas eleições presidenciais, pela primeira vez desde o retorno à democracia, em 1990. Na última eleição presidencial, há quatro anos, a abstenção foi de 53%.

"Este é um cenário sem precedentes em uma eleição presidencial. É particularmente importante", disse à Reuters Guillermo Holzmann, analista político da Universidade de Valparaíso.

Segundo o analista, os novos eleitores "não pensam em termos de esquerda, direita e centro. Eles pensam em termos das mudanças que devem acontecer e que devem ser para o seu benefício".

Kast se mira em Trump, Milei, Bukele e Bolsonaro

Que José Antonio Kast aspirasse à presidência do Chile era algo imprevisível até mesmo para seus amigos mais próximos alguns anos atrás.

"Não era fácil imaginar que ele seria candidato", disse Rodrigo Pérez Stiepovic à BBC News Mundo (serviços de notícias em espanhol da BBC), relembrando quando ele e Kast começaram a estudar Direito juntos em 1984 e se tornaram grandes amigos, um laço que perdura até hoje.

O próprio Kast contou que, na primeira vez em que cogitou se candidatar à presidência, perguntou a um amigo se conseguiria e recebeu uma resposta desencorajadora: "Não, você enlouqueceu".

Kast concorreu pela primeira vez à presidência em 2017, terminando em quarto lugar com apenas 8% dos votos.

Ele tentou novamente em 2021 e venceu o primeiro turno, mas perdeu o segundo turno com 44% dos votos para o atual presidente de esquerda, Gabriel Boric, que obteve 56%.

Resta saber se, no caso de Kast, "a terceira vez é a da sorte", como ele mesmo declarou ao final de sua campanha no primeiro turno, na terça-feira (11/11), ou se "as coisas não acontecem sem uma terceira".

Mas uma coisa parece certa: este advogado católico e conservador já contribuiu para transformar a direita tradicional chilena, com uma plataforma que evoca comparações com líderes de outros países, como Donald Trump, Javier Milei, Nayib Bukele e o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro (PL).

 José Antonio Kast

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Legenda da foto, Aos 59 anos e com uma agenda focada em questões de segurança, José Antonio Kast busca chegar ao poder no Chile

Nascido há 59 anos em Paine, uma comuna na região metropolitana de Santiago, Kast é o caçula de dez filhos de um casal alemão que emigrou para o Chile após a Segunda Guerra Mundial.

O passado de seu pai, Michael Kast, durante aquela guerra tem sido motivo de controvérsia.

Kast afirmou que seu pai foi forçado a se alistar no exército alemão para evitar um possível julgamento militar e execução.

"Nossa história familiar está tão distante do nazismo quanto qualquer um possa imaginar", declarou ele durante a campanha de 2021.

No entanto, investigações jornalísticas posteriores indicaram que Michael Kast foi membro do partido nazista de Adolf Hitler aos 18 anos, de acordo com um documento de 1942 dos Arquivos Federais da Alemanha.

Embora haja dúvidas se é a mesma pessoa, o local e a data de nascimento coincidem com os do pai do candidato chileno.

Casado com a advogada María Pía Adriasola, com quem tem nove filhos, e próximo ao movimento católico conservador de Schoenstatt, Kast também rejeita o rótulo de "direita radical" que frequentemente lhe é atribuído.

Ainda assim, ele defende o regime militar de Augusto Pinochet (1973-1990) e chegou a dizer que, se Pinochet estivesse vivo, teria votado nele.

Uma caneca com a imagem de Augusto Pinochet está sobreposta a outra com o rosto de José Antonio Kast em uma loja em Santiago, Chile

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Legenda da foto, Ao longo de sua carreira política, Kast demonstrou apreço pelo regime militar de Augusto Pinochet

A carreira política de Kast começou quando ele era estudante na Universidade Católica, onde participou do Movimento Guild, fundado por Jaime Guzmán, colaborador de Pinochet e redator da Constituição em vigor desde 1980.

Mais tarde, atuou como vereador e deputado federal pela União Democrática Independente (UDI), partido de direita também fundado por Guzmán, que foi assassinado enquanto exercia o cargo de senador em 1991.

Kast se distanciou da UDI, argumentando que precisava abandonar o "politicamente correto", e fundou o Partido Republicano do Chile, pelo qual foi candidato nas duas últimas eleições.

Embora tenha perdido para Boric em 2021, em decorrência da agitação social no país, e sofrido outra derrota eleitoral com a rejeição da proposta de reforma constitucional que defendia em 2023, sua classificação para o segundo turno das eleições gerais em 14 de dezembro demonstra a relevância duradoura de seu movimento político.

"Kast tenta representar uma 'nova' direita, o que eu chamo de direita nacionalista populista", disse Robert Funk, cientista político da Universidade do Chile, à BBC Mundo.

Ele acrescenta que o candidato "tentou, ao longo dos anos, se alinhar a outros modelos que vimos em diferentes partes do mundo", como Trump, Milei, Bukele, e o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán.

E em setembro, quando Jair Bolsonaro foi condenado por tentativa de golpe, Kast disse que existem juízes no Brasil "que agem com base em ideologia política", referindo-se ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Bukele e Milei

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Legenda da foto, Kast expressou admiração a presidentes da região, como Bukele e Milei

Kast propõe liderar um "governo de emergência", com medidas focadas em migração e segurança pública, um tema que, segundo pesquisas, encabeça a lista de preocupações dos chilenos, apesar dos índices de violência mais baixos do país em comparação com outros da região.

Uma de suas promessas é instalar cercas ou valas ao longo das fronteiras do Chile com a Bolívia e o Peru para impedir a entrada de imigrantes sem documentos, proposta semelhante ao que o presidente dos EUA fez na fronteira com o México.

Ele também declarou sua intenção de gerar mais autodeportações de imigrantes sem documentos do que Trump.

Kast também endossa a abordagem de "mão de ferro" de Bukele, tendo visitado sua megaprisão em El Salvador no ano passado para conhecer seu funcionamento, apesar dos relatos de violações de direitos humanos no local.

"Precisamos de mais Bukele e menos Boric", declarou ele durante sua campanha.

Na frente econômica, as propostas de Kast apresentam semelhanças com as de Milei: ele propõe um drástico ajuste fiscal de US$ 6 bilhões (quase R$ 32 bilhões) ao longo de 18 meses sob o lema de "cortar gastos políticos", apesar das dúvidas sobre sua viabilidade.

Jeannette Jara, a comunista pragmática

Jeannette Jara nasceu em 23 de abril de 1974, em Conchalí, um bairro de baixa renda na zona norte de Santiago. Seu pai era mecânico e líder sindical.

Jara é a mais velha de cinco irmãos, a quem ajudou a criar. Ela é a única entre eles que fez faculdade. Ela costuma dizer: "Eu não conhecia ninguém que tivesse ido para a faculdade até eu mesma ir."

Ela estudou administração pública na Universidade de Santiago, no Chile, e, posteriormente, direito na Universidade Central. Financiou seus estudos com trabalhos informais e temporários.

Aos 19 anos, casou-se com Gonzalo Garrido, um líder estudantil e engenheiro eletricista que cometeu suicídio dois anos depois, em meio a uma profunda depressão.

"Ficar viúva aos 21 anos foi um golpe muito duro", disse ela em entrevista à Teletrece. "Aprendi o que é resiliência, a sempre ver o copo meio cheio."

Jara afirma que usou o ativismo para lidar com o luto.

Jeannette Jara

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Legenda da foto, Jeannette Jara foi parte do governo durante o segundo mandato de Michelle Bachelet (2014-2018), hoje sua amiga

No início da década de 1990, o regime de Pinochet estava chegando ao fim. A transição democrática negociada gerou ceticismo entre os jovens de esquerda, que esperavam uma mudança de modelo mais clara e menos gradual.

O Partido Comunista, devido à sua firme crítica ao neoliberalismo, foi o único movimento de esquerda que permaneceu fora da coalizão governista conhecida como Concertación.

Jara, como líder estudantil, propôs que "a universidade deveria estar a serviço do país, e não a serviço do mercado".

Em sua visão, o momento político exigia coesão e resistência dos movimentos estudantis. Ela se candidatou à presidência da Federação Universitária de Estudantes e venceu.

Em 1997, foi presa durante um protesto e, após sua libertação, organizou um evento com Silvio Rodríguez para comemorar o 30º aniversário da morte de Che Guevara.

Embora Jara tenha matizado sua posição sobre a Revolução Cubana — assim como sobre a Revolução Bolivariana — durante a campanha, naquela época ela era muito mais do que uma simpatizante.

Após se formar em sua primeira graduação, Jara ingressou na Receita Federal e se envolveu no movimento sindical, onde gradualmente ganhou influência ao vencer eleições internas e se especializar em direito tributário e trabalhista.

Jeannette Jara cercada de apoiadores durante a campanha

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Legenda da foto, Boric nomeou Jara para chefiar o Ministério do Trabalho

Uma década depois, já casada pela segunda vez e mãe, ela entrou para a política, primeiro como assessora do Ministro do Desenvolvimento Social e depois na Subsecretaria de Segurança Social durante o segundo mandato de Michelle Bachelet (2014-2018), hoje sua amiga e, para muitos, uma espécie de predecessora política.

Era a primeira vez que o Partido Comunista, que havia se consolidado gradualmente no sistema político como uma força poderosa, porém marginal, detinha uma parcela real do poder.

"O Partido Comunista do Chile combina flexibilidade com ortodoxia, e é isso que lhe permite ganhar relevância, e é exatamente isso que Jara personifica", diz Rolando Álvarez, historiador especializado no partido.

"Ela faz parte da estrutura da base social do partido e se consolidou como líder da ala menos sectária e mais reformista. (...) Ela também tem origem operária; é uma ativista dedicada que soa familiar para muitas pessoas", acrescenta.

Apoiadores de Jara

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Legenda da foto, Jara terá agora a tarefa de conquistar votos da centro-direita e atenuar, com seu perfil pragmático, o medo do comunismo fomentado pela oposição

Em 2018, a direita retornou à presidência e Jara passou a atuar como consultora. Durante os protestos sociais de 2018 e 2019, ela representou manifestantes acusados.

Essa onda de protestos levou à eleição de Gabriel Boric em 2021.

Um ano depois, a coalizão governista se viu encurralada pela derrota no referendo constitucional. Boric teve que reformular seu gabinete e nomeou Jara para chefiar o Ministério do Trabalho.

Lá, a então candidata promoveu reformas ambiciosas que se tornaram parte fundamental de sua plataforma de campanha: ela interveio no sistema previdenciário, reduziu a jornada de trabalho para 40 horas semanais e aumentou o salário mínimo.

Muitos consideram essas as conquistas mais evidentes do governo anterior. E ela as alcançou por meio do diálogo e da conexão com a população.

No segundo turno, Jara terá agora a tarefa de aplicar essas virtudes para conquistar votos da centro-direita e atenuar, com seu perfil pragmático, o medo do comunismo fomentado pela oposição.

Com reportagens de Daniel Pardo e Gerardo Lissardy, da BBC News Mundo