A maré vermelha que inundou neste domingo (27) o território democrata de raízes profundas presenciou um festival de barbaridades racistas e xenófobas, que excederam os limites já normalizados pela torcida republicana.
O discurso de uma hora e 20 minutos do ex-presidente foi ofuscado por um de seus convidados, o comediante e podcaster Tony Hinchcliffe, que aquecia a plateia e, com um bombardeio de estereótipos, buscou ser mais realista do que o rei. Descreveu Porto Rico, lar de 3,2 milhões de cidadãos americanos, como “uma ilha de lixo flutuante”, zombou dos hispânicos, “que adoram fazer bebês”, dos judeus, que são mesquinhos, e dos palestinos, que gostam de atirar pedras.
A vice-presidente dos EUA havia visitado redutos da comunidade em Filadélfia, anunciou uma força-tarefa e incentivos para Porto Rico e criticou o adversário pela má gestão dos estragos causados pelo furacão Maria, em 2017, que deixou três mil mortos.
Candidato republicano Donald Trump durante comício no Madison Square Garden, em Nova York, em 27 de outubro de 2024. — Foto: REUTERS/Brendan McDermid
O domingo transcorria como um rotineiro dia de campanha democrata até Hinchcliffe torpedear o território americano, que não vota para presidente, mas dá a seus cidadãos residentes num dos 50 estados americanos o direito de fazê-lo. O périplo de Kamala passou a fazer sentido.
Celebridades porto-riquenhas reagiram com fúria, enquanto Trump discursava na arena do Madison Square Garden. Com 18 milhões de seguidores, o cantor Ricky Martin escreveu: “É isso que eles pensam de nós. Vote em @kamalaharris.”
A reação negativa veio também de líderes republicanos, especialmente os vinculados à comunidade latina, que tentaram reparar o estrago do comediante. O senador Rick Scott disse que a “piada” de Hinchcliffe fracassou por um motivo. “Não é verdade, não é engraçada. Os porto-riquenhos são pessoas incríveis e americanos incríveis”.
A congressista Maria Salazar, da Flórida, se declarou enojada: “Essa retórica não reflete os valores do Partido Republicano. Porto Rico enviou mais de 48.000 soldados para o Vietnã, com mais de 345 Purple Hearts concedidos. Essa bravura merece respeito. Eduque-se!”
Assim como o comediante, outros oradores no Madison Square Garden reforçaram a retórica de ofensas misóginas e racistas contra Kamala Harris, chamada de anticristo e comparada a uma prostituta. O apresentador de extrema direita Tucker Carlson inventou uma identidade racial para a candidata, chamando-a de “a primeira ex-promotora da Califórnia samoana-malaia e de baixo QI a ser eleita presidente.”
Lotar o Madison Square Garden era uma questão de honra para Trump, que perdeu em seu estado natal em 2016 e 2020 e, na atual campanha, está 15 pontos atrás de Kamala.
Quando o ex-presidente subiu ao palco, seus convidados já tinham feito o trabalho sujo, embora, desta vez o efeito tenha sido o de um bumerangue. Reverberou em um terreno sensível, o da Pensilvânia. A oito dias do dia eleição, conforme resumiu o estrategista David Plouffe, um dos principais conselheiros da vice-presidente, “o momento certo é tudo”.
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