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Nem todo gênio foi prodígio: ciência desmonta o culto ao talento precoce

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Nem todo gênio foi uma criança prodígio
Nem todo gênio foi uma criança prodígio Imagem: Getty Images

Pense em uma pessoa com um desempenho excepcional. Um atleta, um escritor, um cientista ou um artista. É fácil supor que essa pessoa é boa porque provavelmente começou desde cedo, uma crença reforçada por muitas histórias de famosos que têm suas vidas reviradas em documentários ou programas de TV.

Basta uma fita antiga, um vídeo em VHS, uma foto amarelada para encontrar a prova do pianista mirim, do prodígio da matemática ou do atleta imbatível no time da escola. São registros que se acumulam e sustentam o ideário coletivo de que os grandes gênios adultos já eram gênios quando crianças.

Mas todas essas histórias que conhecemos estão mais para a exceção do que para a regra. E um novo estudo publicado na prestigiada revista Science mostrou que a realidade não é mesmo bem assim.

A partir de uma revisão analítica da literatura, os pesquisadores estudaram mais de 34 mil adultos de desempenho internacional, de ganhadores do Nobel a medalhistas olímpicos, para concluir algo até então contraintuitivo: os melhores jovens e os melhores adultos quase nunca são as mesmas pessoas.

Vamos pegar o caso do xadrez. Os jovens que aparecem entre os dez melhores do mundo raramente são os mesmos que, anos depois, ocupam essas mesmas posições na fase adulta. Em cerca de 90% dos casos, são pessoas diferentes.

O mesmo acontece na educação. Os melhores alunos do ensino médio raramente são as mesmas pessoas que se destacam na universidade. E no esporte, os atletas de alto rendimento na juventude dificilmente são os que se consagram na vida adulta. É só lembrar de tantas promessas no futebol.

Quando olhamos para o topo do desempenho adulto, o que aparece é quase o oposto do senso comum: quanto maior o pico alcançado quando mais velhos, menor tende a ter sido o destaque no início da carreira.

O mais interessante (e surpreendente) é que muitos dos nomes que hoje conhecemos por seu desempenho máximo, como vencedores do Nobel, músicos, atletas e enxadristas de elite, apresentaram desempenho inferior aos seus colegas no começo de suas jornadas.

Para entender melhor o que acontece, podemos pensar em dois grupos: aqueles que dominam uma área quando jovens e aqueles que se destacam quando adultos. Em ambos os casos, o estudo mostra que os fatores que explicam o sucesso de cada um não são os mesmos.

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O sucesso na juventude costuma vir de muita prática em uma única área, pouca experimentação e avanço rápido. Só que entre os adultos, o padrão se inverte. As pessoas mais velhas que se destacam são aquelas com menos especialização precoce, mais experiências diversas e um progresso mais gradual ao longo do tempo.

Os resultados desse estudo condizem com uma outra pesquisa publicada há alguns anos na Nature, mostrando que grandes talentos experimentaram muitas coisas antes de se firmarem como destaque de suas áreas. Roger Federer jogou basquete e críquete e só depois virou sucesso no tênis. Peter Jackson produziu horror e comédias antes de ficar conhecido pelo O Senhor dos Anéis. Os exemplos são incontáveis.

Alison Gopnik, professora de Berkeley e especialista em infância, argumenta que essa é uma fase decisiva por funcionar como um período de exploração. A infância é quando os humanos podem prospectar o mundo sem se preocupar com recompensas imediatas, já que há uma rede de cuidado que garante a sobrevivência.

Essas evidências desafiam alguns modelos educacionais, esportivos e artísticos que incentivam a especialização precoce. Este é o momento para debatermos políticas e programas que valorizem a exploração e diversidade de longo prazo para formarmos talentos realmente excepcionais, especialmente para um mundo novo em que a IA muda a nossa relação com a informação e o conhecimento.

A lógica também vale para repensarmos as estratégias das nossas próprias vidas, mesmo depois de adultos. No início de qualquer jornada, deveríamos explorar possibilidades, experimentar, coletar informações, antes de decidir aprofundar em uma única opção. A interdisciplinaridade, ao que tudo indica, ajuda a criar diferentes caminhos para encontrarmos o sucesso.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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