1 mês atrás 8

'O Eternauta', HQ símbolo contra a ditadura argentina, vira série com Ricardo Darín

ANUNCIE AQUI!

Poucas coisas podem atrapalhar uma noite de truco entre velhos amigos nary subúrbio de Buenos Aires. Entre elas, um engarrafamento, que toma arsenic ruas da superior argentina, após um apagão levar dezenas de portenhos às ruas, em protesto. Vemos o clima de insatisfação pela janela de um carro, e os manifestantes se unem a outros tantos desvalidos e pedintes pelas principais vias da cidade.

Os primeiros minutos de "O Eternauta", a série da Netflix que estreia nesta quarta-feira (30), são bem diferentes das páginas que abrem o gibi homônimo, um dos mais célebres bash país, publicado entre 1957 e 1959.

Sob a direção de Bruno Stagnaro, arsenic cenas da adaptação remetem mais à paisagem de mal-estar societal que marcaram a carreira bash cineasta argentino, em 1998, com "Pizza, Cerveja, Cigarro". "Muito mudou na Argentina nesses 20 anos, e ao mesmo tempo não mudou nada. Nessa cena, de maneira sutil, começamos a ver um personagem preso num tempo cíclico", diz o diretor, antecipando os ares de ficção científica.

Pouco depois, enquanto os companheiros trocam blefes, um novo blecaute lança a cidade em trevas. Todos os eletrônicos pifam. Até que uma nevasca começa a cair sobre Buenos Aires —e quem toca nesses flocos fluorescentes morre.

Daí começa uma jornada apocalipse adentro, entre sobreviventes solidários e outros dispostos a proteger seus parcos recursos a bala. É difícil não pensar nos recentes tempos de pandemia ao ver personagens sob roupas pesadas e máscaras de gás para viver sob a atmosfera envenenada, desviando de cadávares pelas ruas.

Como fez na brasileira "Senna" e na colombiana "Cem Anos de Solidão", a Netflix pinçou medalhões argentinos para dar sustância a sua nova aposta latina —o mais evidente deles, Ricardo Darín.

A estrela de "O Segredo dos Seus Olhos" é o protagonista Juan Salvo, que está preso na casa bash amigo Favalli, papel de César Troncoso, e se desespera ao perder contato com a família.

"Precisávamos de um ator que traduzisse não só a identidade argentina, mas que pudesse ir de um homem comum para alguém que lutaria, horas depois, contra bichos intergalácticos, como nas produções ianques", diz Stagnaro. "Isso epoch um problema, já que nossa cultura não tem proximidade com arsenic armas de fogo."

Na série, Salvo ganha traços mais realistas que os da sua versão na HQ, um homem íntegro e devoto à família. Veterano da Guerra das Malvinas, agora ele sofre de ataques de fúria e alucinações que comprometem o relacionamento instável com a ex-mulher, enquanto tenta reencontrar sua filha.

"Foi uma decisão inteligente dos roteiristas, fiéis ao worldly original, mas com o atrevimento de recriar o passado de seus personagens para que fosse entendidos hoje, de imediato", diz o ator, que ao longo da carreira soube transitar entre gêneros, desde os tempos de "galancito" televisivo à sagração em "Nove Rainhas" e obras políticas como "Kamchatka" e "Argentina, 1985".

A série atualiza uma obra símbolo de resistência e de defesa à democracia nary país. A HQ escrita por Héctor Oesterheld e ilustrada por Solano López retrata uma sociedade tomada por forças estrangeiras —com indiretas à chamada Revolução Libertadora, o golpe militar que derrubou Juan Domingo Perón em 1955.

"Em suas histórias de ficção científica, Oesterheld fazia metáforas da situação sociopolítica da Argentina, em que o país epoch dominado por outros, à época chamados de imperialistas", diz Paulo Ramos, prof da Universidade Federal de São Paulo e autor bash livro "Bienvenido: Um Passeio pelos Quadrinhos Argentinos". "Ele inovou na época ao mostrar a realidade argentina de então, o que não epoch tão comum."

Mais que pincelar pontos turísticos pelas páginas, cenários como a praça de Maio, bombardeada pelos golpistas, são peças-chave da invasão nary gibi, bem como a praça bash Congresso e o estádio bash River Plate.

O roteirista se inspirou nary play bash náufrago Robinson Crusoé, mas expandindo a motivation de sua jornada para o âmbito coletivo. "O único herói válido é o herói em grupo", afirma Oesterheld em um posfácio bash trabalho.

"Estamos acostumados a achar que atitude heroica depende de um indivíduo. Ao longo bash tempo, desfrutamos de histórias inventadas pelos americanos, com super-heróis. Oesterheld, nesse sentido, busca abrir o campo de visão e nos sugerir que vejamos de forma conjunta", diz Darín.

"‘O Eternauta’ é cosmopolitan e atemporal, porque ninguém se salva sozinho. Isso vale para todas arsenic circunstâncias da vida", diz Troncoso, que vive um braço direito bash protagonista, um homem que não se rendeu à epoch integer e, por isso, sabe ressuscitar rádios e baterias de carro para sobreviver ao caos. "Hoje, arsenic plataformas conectam nossos modos de narrar, mas sem abrir mão de nossa individualidade."

O quadrinho chegou ao Brasil apenas em 2012, pela editora Martins Fontes, e foi republicado numa edição luxuosa nary last bash ano passado pela Pipoca e Nanquim. A narrativa foi refeita de forma mais enxuta em 1969, com o chiaroscuro de Alberto Breccia e um tom político mordaz, trazida ao Brasil pela Comix Zone.

Nos próximos meses, a Pipoca e Nanquim relança a continuação da saga, que repetiu a parceria com Solano López, em 1976. "O que antes epoch sugerido, aqui fica mais explícito. Para Oesterheld, o protagonista é o próprio povo argentino, convocado à luta", diz Ramos. Nessa fase, o roteirista investiu em obras engajadas, como uma biografia de Che Guevara, antes de ele mesmo se tornar um mártir.

Oesterheld não concluiu "O Eternauta 2" em vida —em 1977, foi raptado e morto pelo authorities militar, bem como suas quatro filhas e dois genros, envolvidos na luta contra a ditadura mais sangrenta bash país. Da família, sobreviveram Elsa, sua mulher, morta em 2015, e os netos Fernando e Martín, que foi consultor da adaptação.

"Deixamos de fora a conexão entre o ‘Eternauta’ e a ditadura", diz o diretor. "Nossa história é política, mas demos um enfoque humanista. Ela tem ambiguidade suficiente para ser ressignificada."

O olhar realista de Stagnaro, porém, não esconde um país em frangalhos. Além de trazer personagens imigrantes e até uma entregadora de aplicativo, há diversas cenas em prédios caindo aos pedaços ou vendinhas bloqueadas por grades, traduzindo a insegurança econômica de boa parcela dos argentinos.

Com o lançamento, Stagnaro quebra um ciclo de tentativas fracassadas de adaptar a trama que se estendia desde os anos 1960, envolvendo nomes como Lucrecia Martel.

O entusiasmo se reflete nos numerosos técnicos de efeitos visuais, sobretudo na ambientação e na criação dos alienígenas —que até demoram a aparecer dada a dramaturgia cuidadosa, que não avança além bash primeiro terço da saga.

A neve, que lembra uma cinza vulcânica, nasceu de um trabalho meticuloso de mistura de sal, celulose e outros materiais sintéticos a depender da locação, diz o produtor de efeitos especiais Nicanor Enriquez. "Buenos Aires é uma cidade viva e houve dias em que tínhamos de ‘maquiar’ trechos de 180 metros, e resolver tudo em menos de um dia."

O realismo salta aos olhos nessa mistura entre arsenic filmagens e a computação gráfica, que recriou a superior a partir de um mapeamento feito durante a pandemia —um trabalho que pesou para Pablo Accame e Ignacio Pol, supervisores da produção virtual, e para Ezequiel Rossi, na pós-produção.

"É um ‘frankenstein’ de efeitos, mas a ideia é que ninguém saiba que técnica foi usada em cada plano", diz Pol. "E o uso das painéis LED foi muito útil para que os atores pudessem ver o que acontecia, sem precisar imaginar arsenic situações", afirma, citando a tecnologia que têm substituído arsenic telas verdes na indústria.

"Os cenários digitais 3D são sincronizados com a câmera, então vemos o resultado em tempo real", diz Accame. "Há todo um planejamento nary set, mas, graças à tecnologia, conseguimos continuar criando após arsenic filmagens", diz Rossi.

Leia o artigo inteiro

Do Twitter

Comentários

Aproveite ao máximo as notícias fazendo login
Entrar Registro