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Perícia do MPF diz que data center de R$ 200 bi do TikTok no CE omite danos

Segundo o perito, o RAS (Relatório Ambiental Simplificado) apresentado pelo data center é superficial e tem dados subestimados ou incorretos no uso de água e produção de energia, por exemplo. A obra deve ser feita em uma área de 700 mil m² no Complexo Industrial e Portuário do Pecém, em Caucaia, na Grande Fortaleza.

Em nota enviada à coluna, o TikTok afirmou que "o licenciamento ambiental do data center vem sendo conduzido em estrita conformidade com a legislação vigente, com as determinações da SEMACE e com as melhores práticas aplicáveis."

Excesso de água

O projeto apresentado afirma que o data center deverá usar 30 mil litros de água por dia, sendo 18 mil litros destinados ao sistema de resfriamento —que funcionaria em circuito fechado, reduzindo esse consumo.

Entretanto, o laudo questiona esse dado e cita um dado da condicionante imposta, que é a comprovação de disponibilidade hídrica do manancial subterrâneo em volume estimado de 2,6 milhões de litros por mês, ou 88 mil litros por dia —quase três vezes o valor informado no RAS.

A licença prévia foi emitida com fundamento em valor sem correspondência com o projeto licenciado. [Houve] ausência de demonstração de viabilidade hídrica do empreendimento sem comprometer os usos dos mananciais subterrâneos por múltiplos agentes, especialmente as comunidades próximas. Trecho do laudo da Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise

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Escritório do TikTok em Culver City, na Califórnia (EUA)
Escritório do TikTok em Culver City, na Califórnia (EUA) Imagem: Mike Blake/Reuters

O documento afirma ainda que não há indicação precisa da fonte do recurso hídrico, que deveria ser apresentada ao órgão licenciador ainda como requisito para a fase de licenciamento prévio. Por isso, o laudo sugere que é necessária uma autorização da Secretaria dos Recursos Hídricos para saber a influência sobre o fornecimento de água em localidades próximas.

Termelétrica dentro do data center

Segundo o projeto, o data center terá consumo estimado de energia elétrica de 210 MW na fase inicial, com expansão prevista para 300 MW. Isso seria equivalente a energia para abastecer 2,2 milhões de pessoas. Para a perícia, trata-se de "elevadíssima demanda energética para armazenamento e processamento de dados".

O documento questiona o argumento de que o data center seria abastecido por energia de fonte 100% renovável. "Isso não constitui uma verdade", afirma a perícia, ao apontar que o projeto prevê a instalação de um sistema redundante —para uso em momentos de queda de energia— composto por baterias e geradores a diesel.

O projeto aponta que serão instalados seis geradores para operação em cada um dos 20 "data halls" da obra. "A previsão é de 120 geradores a diesel, que teoricamente devem ser capazes de suprir 200 MW de energia. Isso é uma verdadeira termelétrica!", alerta.

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Por conta desse sistema energético paralelo, a perícia defende a exigência expressa de um EIA (Estudo de Impacto Ambiental) para o licenciamento da obra, conforme a resolução do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente).

Laudo questiona outras inconsistências

Outro ponto citado é que a operação do data center não estima os ruídos dos equipamentos de armazenamento e processamento de dados, dos sistemas de refrigeração e do sistema de redundância de energia.

Indígenas Anacé na seda da Semace protestam contra data center
Indígenas Anacé na seda da Semace protestam contra data center Imagem: Arquivo pessoal

O laudo adverte ainda que as áreas de influência apresentadas no RAS foram "definidas arbitrariamente". No caso, há questionamento do povo indígena Anacé, que possui aldeias próximas à área do data center e que pede para ser ouvido no processo.

Nesse ponto, o laudo aponta a necessidade de análise específica pela Assessoria Nacional de Perícia em Antropologia.

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O documento afirma, por fim, que a Semace (Secretaria de Meio Ambiente do Ceará) teria errado ao dispensar o rito completo de licenciamento ambiental, com exigência de audiência pública e de EIA, exigindo apenas um RAS.

[A pasta] desconsiderou fundamentos básicos da avaliação de impacto ambiental, que considera a vulnerabilidade do sítio em que se localizará a atividade e a pressão ambiental sobre o ambiente por meio do consumo de recursos necessários à sua instalação e operação. Conclui-se que o licenciamento via RAS possui vício significativo, em face da inadequação do estudo e do desatendimento à formalidade constitucionalmente devida.
Trecho do laudo

Entidades alertaram

Em nota, o Idec —uma das entidades que assina representação ao MPF pedindo apuração dos impactos— afirma que o laudo confirma os questionamentos apresentados.

"Essas falhas, segundo o próprio MPF, não afetam apenas os territórios diretamente impactados, mas também geram prejuízos ao consumidor brasileiro, ao agravar a escassez hídrica, intensificar a vulnerabilidade climática e pressionar sistemas essenciais como água e energia", diz.

A manifestação que pediu apuração foi apresentada, além do Idec, por lideranças do povo indígena Anacé, pelo Instituto Terramar, Lapin (Laboratório de Políticas Públicas e Internet), Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar e Ip.rec (Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife).

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Em um cenário de fragilidade hídrica na região, a instalação de um empreendimento altamente intensivo em recursos naturais, sem estudos técnicos adequados, pode ampliar riscos de insegurança alimentar, encarecer serviços essenciais e aprofundar desigualdades no acesso a bens básicos.
Idec

Outro lado

O UOL procurou a Semace para comentar a perícia, na tarde de ontem, mas não obteve retorno.

O TikTok afirmou em nota que "o Ministério Público Federal recebeu informações sobre o empreendimento tanto em reunião realizada com as empresas, a SEMACE e representantes do Estado do Ceará, quanto por meio de documentos formalmente apresentados". A empresa disse não houve tempo hábil para analisar o laudo enviado pelo MPF, e recebido ontem.

"De todo modo, conforme reiteradamente esclarecido pelas empresas, o empreendimento apresenta baixíssimo impacto hídrico, equivalente a um empreendimento de característica residencial. Além disso, está localizado em área industrial do CIPP, previamente submetida a EIA-RIMA quando de sua criação, o que afasta qualquer alegação de irregularidade ambiental ou de omissão no processo de licenciamento", diz em nota, o TikTok.

Em comunicado à imprensa no dia 3, o TikTok confirmou o empreendimento em parceria com a Omnia e a Casa dos Ventos e prometeu investir mais de R$ 200 bilhões, sendo R$ 108 bilhões em equipamentos de alta tecnologia até 2035 e investimentos adicionais em aprimoramentos na década seguinte.

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No mesmo dia, em Fortaleza, o presidente Lula celebrou a construção do data center, ao lado da diretora de políticas públicas do TikTok Brasil, Mônica Guise.

A empresa tem o compromisso, e como confio no governador [Elmano de Freitas-PT], no Camilo [Santana, ministro da Educação] e no povo cearense, na capacidade de vocês de cobrar deles, eu estou convencido de que esse data center vai ser uma coisa extraordinária para o desenvolvimento tecnológico desse país.
Lula

Lula falou sobre o data center do TikTok durante cerimônia no Centro de Eventos do Ceará
Lula falou sobre o data center do TikTok durante cerimônia no Centro de Eventos do Ceará Imagem: Ricardo Stuckert /Presidência da República

O TikTok disse no comunicado que o data center seria alimentado exclusivamente por energia 100% renovável, proveniente de novos parques eólicos dedicados ao projeto. "Isso significa que a instalação não utilizará energia da rede elétrica já existente, evitando impactos no abastecimento local e adicionando capacidade limpa, reforçando o compromisso com a transformação energética e a descarbonização da economia global".

Sobre o uso de água, cita que o projeto incorpora tecnologia global de resfriamento com circuito fechado de reuso de água, "que minimiza o uso desse recurso nos processos de gerenciamento térmico". "A instalação utilizará sistemas baseados em recirculação de água, refrigerada por ar, e equipamentos de alta eficiência energética, reduzindo significativamente o impacto ambiental".

Outro diferencial é o uso da tecnologia PG25, que permite a operação dos servidores em temperaturas mais elevadas sem comprometer sua performance. Isso reduz de forma expressiva a energia necessária para resfriamento e aumenta o nível de eficiência operacional da instalação.
TikTok

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A empresa ainda promete a criação de mais de 4 mil postos de trabalho, entre temporários e permanentes, entre construção e operação.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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