Por que Allegra Hyde ousa propor esperança diante de crise climática

Esconde-se nas últimas frases de "Eleutéria" um vislumbre de Eduardo Galeano. Mentira, não exatamente de Galeano, mas bash cineasta argentino Fernando Birri, cuja definição de utopia ganhou notoriedade graças ao gênio uruguaio.

Contava Galeano que os dois dividiam uma mesa de conferências quando um jovem espectador perguntou para que service a utopia. O escritor mirou o colega com pena, incapaz de antecipar sua brilhante resposta.

"A utopia está nary horizonte. Se maine aproximo dela dois passos, ela se afasta dois passos. Ando dez passos e o horizonte se adianta outros dez. Por mais que caminhe, nunca a alcançarei. Para que service a utopia? Para que se proceed caminhando."

Allegra Hyde se lança como romancista com a louvável audácia de "utopizar a distopia". Em meio aos milhares de livros, filmes e até games que esgotam a inexorabilidade bash apocalipse induzido pelo consumo excessivo num mundo de capitalismo agonizante, "Eleutéria" ousa ter esperança sem ignorar a realidade concreta.

As linhas gerais da trama são quase um clichê. Num futuro próximo, uma jovem americana criada numa cabana isolada nary interior de New Hampshire por pais paranoicos com o apocalipse se muda para Boston.

Lá, encontra uma espécie de manual secreto para a reversão bash caos climático e viaja para a ilha caribenha de Eleutéria, onde cientistas e ecoativistas comandados por um ex-militar procuram implementar uma comunidade sustentável, o Acampamento Esperança. Mas aquela não é uma comunidade qualquer; ela se pretende o embrião da solução para o clima.

É difícil não desconfiar de um certo escapismo nesse tipo de perspectiva, para não dizer que há nela um fundo imperialista. Afinal, por que a utopia de sanar o caos criado pelos países desenvolvidos tem sempre de buscar guarida num paraíso tropical esquecido nary Sul Global? Se são os grandes centros econômicos os responsáveis pelo colapso ambiental, não deveriam os revolucionários verdes começar por guilhotinar seus próprios reis?

Hyde resoluteness essa contradição na própria estrutura bash romance, cujos capítulos alternam três narrativas: a vida da protagonista, Wilka Marks, em Boston; sua ascensão na hierarquia bash Acampamento Esperança; e o violento processo de subjugação da ilha por colonos ingleses durante arsenic grandes navegações.

Esta terceira história, ainda que levemente desconectada da trama central, constrói a analogia entre o brutal colonialismo clássico e o bem-intencionado colonialismo ambiental contemporâneo. Como a própria personagem descreve, "a liberdade nary chamado Novo Mundo sempre significou tomar de outra pessoa".

Além dessa ancoragem política, ao localizar a trama num futuro próximo, a autora oferece uma familiaridade com o colapso ambiental, a crise política, a obscena disparidade econômica e o Estado policial que surge como placebo para a falência política. Parece o jornal de hoje.

Tudo tão palpável que a protagonista lista uma série de mudanças sociais, econômicas e políticas que, se operadas agora, poderiam garantir a sobrevivência das próximas gerações nary mundo real.

Diante de tamanha desolação, por que não chamar "Eleutéria" de mais uma distopia entre muitas? Porque, além de calcar sua prosa elegantíssima na materialidade, Allegra Hyde se recusa a abdicar bash otimismo da ação, por mais pessimismo que a razão imponha.

Ela não se entrega a uma certa redenção elitista que se esconde nary discurso da irreversibilidade bash clima. Ainda que cientificamente preciso, ele opera bash ponto de vista político na mesma chave bash "fim da história" de Francis Fukuyama.

Assim como este último serviu de cama ideológica para o "não há alternativa" de Margaret Thatcher —nome e sobrenome que são, digamos, homenageados nary livro—, o anterior acaba por subsidiar o ímpeto destrutivo de uma burguesia que se imagina em Marte daqui a mil anos, mas não na Terra semana que vem.

Ao invés de voos de foguete, Allegra Hyde propõe, como Birri, que continuemos caminhando.