
Crédito, Metropolitan Police
- Author, Tony Han
- Role, Global China Unit
Há 25 minutos
Uma mulher chinesa, que foi acusada de ter comprado criptomoedas que valem bilhões de dólares usando recursos desviados principalmente de aposentados chineses, deve receber sua sentença judicial nesta semana no Reino Unido. O caso está ligado a uma das maiores apreensões individuais de criptomoedas do mundo.
Mais de 100 mil chineses investiram na empresa de Qian Zhimin, que dizia desenvolver produtos de saúde de alta tecnologia e minerar criptomoedas. Na prática, o dinheiro foi desviado, segundo as autoridades britânicas.
Enquanto ela aguarda a sentença, investidores disseram à BBC esperar receber de volta das autoridades do Reino Unido ao menos parte do dinheiro investido e desviado. O dinheiro não reclamado normalmente é transferido ao governo britânico, o que levantou especulações de que o Tesouro possa se beneficiar da apreensão.
"Se conseguirmos reunir todas as provas, esperamos que o governo britânico, o Serviço de Promotoria da Coroa e a Alta Corte tenham compaixão", disse uma das vítimas, identificada como Yu, que afirma ter perdido o casamento após a fraude. "Agora, só aquele montante de Bitcoin [criptomoeda] pode nos devolver uma pequena parte do que perdemos."
Qian Zhimin, 47, chegou ao Reino Unido com passaporte falso em setembro de 2017, depois que a polícia chinesa iniciou uma investigação.
Ela se mudou para uma mansão nos arredores de Hampstead Heath, no norte de Londres, pagando mais de 17 mil libras (cerca de R$ 120 mil) por mês de aluguel. Para custear o imóvel, precisou converter parte de suas criptomoedas em dinheiro.
Ela se passou por uma rica herdeira de antiguidades e diamantes e contratou como assistente pessoal uma ex-funcionária de restaurante, a quem pediu que convertesse suas criptomoedas em outros bens, como dinheiro e imóveis.

Crédito, Metropolitan Police
Com a disparada do valor do Bitcoin, Qian conseguiria realizar o que sua empresa prometera aos investidores: que eles poderiam "ficar ricos sem levantar da cama".
Em seu julgamento, no ano passado, que terminou com uma pena de seis anos de prisão por lavagem de dinheiro, a assistente Wen Jian afirmou que Qian passava a maior parte dos dias deitada na cama, jogando videogame e fazendo compras pela internet.
Mas Qian também elaborava um ambicioso plano de seis anos para novos golpes, segundo seu diário. As anotações descrevem a intenção de fundar um banco internacional, comprar um castelo na Suécia e até conquistar a amizade de um duque britânico.
O objetivo declarado de Qian era se tornar rainha de Liberland, um microestado não reconhecido na fronteira entre Croácia e Sérvia, até 2022.
Enquanto isso, ela pediu à assistente que procurasse casas para comprar em Londres. Mas a tentativa de adquirir uma propriedade de grande porte em Totteridge Common, área conhecida por suas residências amplas e isoladas, levou a polícia a abrir uma investigação, depois que Jian não conseguiu explicar a origem da fortuna da chefe.

A polícia fez uma operação na casa alugada por Qian em Hampstead e encontrou discos rígidos e laptops carregados com dezenas de milhares de Bitcoins — apreensão considerada a maior já feita no Reino Unido e uma das maiores do mundo.
Qian havia criado a empresa por meio da qual desviou o dinheiro apenas quatro anos antes, em seu país natal, a China. A Lantian Gerui, ou Bluesky Greet, em inglês, afirmava usar o dinheiro dos investidores para minerar, ou gerar, novos Bitcoins e investir em uma série de dispositivos tecnológicos inovadores.
Mas, segundo a polícia britânica, tratava-se de uma fraude elaborada. A empresa de Qian usava promessas de altos lucros apenas para atrair cada vez mais investidores ao esquema.
"À medida que reunimos mais informações sobre sua participação, de que ela era de fato a líder da fraude, e não apenas uma integrante de nível inferior, ficou claro que ela é muito inteligente, persuasiva e manipuladora, capaz de convencer muita gente", disse o detetive Joe Ryan, da Polícia Metropolitana, à BBC.
Um dos investidores, o senhor Yu, afirmou que nunca desconfiou de nada porque a empresa lhe enviava diariamente uma pequena parte dos supostos rendimentos — pouco mais de 100 iuanes (cerca de R$ 80).
"Isso fazia todo mundo se sentir bem, até nos dava confiança para pegar mais dinheiro emprestado e investir na empresa", disse ele.
Ele e a mulher haviam investido inicialmente 60 mil iuanes cada um (cerca de R$ 48 mil). Segundo ele, o casal foi informado de que teria um lucro de 200% em dois anos e meio. Pouco depois, passaram a contrair empréstimos equivalentes a milhares de libras, com juros de até 8%, para aplicar ainda mais dinheiro.
Além disso, Yu reinvestia os rendimentos diários na empresa assim que os recebia.
"Não havia regra obrigando a reinvestir os lucros, mas acho que fomos fracos demais para resistir. Eles inflaram nossos sonhos... até perdermos todo o autocontrole e o senso crítico."

Crédito, Chinese social media
Os investidores recebiam bônus diários cada vez que conseguiam atrair novos participantes. Isso ajudou o golpe a alcançar cerca de 120 mil pessoas, em todas as províncias da China, segundo documentos de julgamentos de promotores oficiais da empresa no país.
De acordo com o Serviço de Promotoria da Coroa (o Ministério Público do Reino Unido), os depósitos somaram mais de 40 bilhões de iuanes (o equivalente a R$ 31,6 bilhões).
Uma ex-funcionária da empresa testemunhou depois que o dinheiro usado para pagar os rendimentos diários vinha de novos investidores, e não de lucros com mineração de criptomoedas.
A Lantian Gerui explorava o isolamento de muitos chineses de meia-idade e idosos. Qian escrevia poemas sobre responsabilidade social, com versos como: "Devemos amar os idosos com o encantamento de um primeiro amor."
A empresa também organizava viagens e banquetes coletivos para investidores atuais e potenciais, usados para divulgar novas oportunidades de investimento, com apresentações em slides e máquinas de cartão à disposição.
A Lantian Gerui também exaltava o amor à pátria, outro artifício pensado para atrair o público mais velho.
"Nosso patriotismo foi nosso calcanhar de Aquiles, e foi isso que eles exploraram", disse o senhor Yu, que tem cerca de 60 anos. "Eles diziam que queriam tornar a China o país número um do mundo."
Segundo ele, vários palestrantes endossavam a empresa, entre eles o genro do falecido presidente Mao Tsé-tung, fundador da República Popular da China.
"Nossa geração admirava o presidente Mao. Então, se até o genro dele estava garantindo a credibilidade da empresa, como poderíamos duvidar?", afirmou.
A empresa chegou a realizar um evento no Grande Salão do Povo, sede do Legislativo chinês, segundo um investidor que participou e outras duas pessoas ouvidas pela reportagem.
"Aquele grupo de [promotores] era capaz de pegar algo vermelho e convencer você de que era branco, pegar algo preto e fazer parecer vermelho", disse o senhor Yu.
Apesar de comandar um negócio de grande visibilidade, Qian era conhecida por seu sigilo extremo. Usava apenas os apelidos Huahua ou Pequena Flor e se comunicava com os clientes principalmente por meio dos poemas que publicava em seu blog.
Mas ela aparecia pessoalmente para os maiores investidores — aqueles que aplicavam pelo menos 6 milhões de iuanes (cerca de R$ 47 milhões) —, convidando-os para eventos mais restritos, segundo um desses clientes, o senhor Li.
"Quem estava lá pode dizer que ficou deslumbrado", lembra ele. "Todos a víamos como nossa Deusa da Fortuna."
"Ela começou a nos incentivar a sonhar grande... dizia que, em três anos, nos daria riqueza suficiente para sustentar nossas famílias por três gerações."
O senhor Li, a mulher e o irmão investiram juntos cerca de 10 milhões de iuanes (cerca de R$ 78 milhões).

Crédito, Alamy
A investigação da polícia chinesa sobre a Lantian Gerui, iniciada em meados de 2017, marcou o começo do fim do esquema de Qian.
"Os pagamentos pararam de repente", lembrou o senhor Yu. "A empresa disse que a polícia estava fazendo algumas verificações... mas prometeram que os repasses voltariam em breve."
O que ajudou os investidores a se manterem calmos, segundo ele, foram as garantias dadas pelos gerentes de que se tratava apenas de uma interrupção temporária e de que não deveriam procurar as autoridades.
Mais tarde, o senhor Yu descobriu, por meio de processos judiciais na China, que Qian havia subornado esses gerentes para acalmar os investidores, enquanto fugia para o Reino Unido com o dinheiro.
Qian não era totalmente alheia à situação de seus investidores — em seu diário, escreveu que planejava quitar as dívidas na China quando o preço do Bitcoin atingisse £ 50 mil (R$ 350 mil) por unidade. As anotações, porém, deixam claro que sua prioridade era governar e desenvolver Liberland, para o que reservava milhões de libras.
Quando foi finalmente presa em York, no norte da Inglaterra, em abril do ano passado, a polícia encontrou outras quatro pessoas na casa, segundo informou o Tribunal da Coroa de Southwark no início da audiência de sentença, nesta segunda-feira (10/11). Todos haviam sido levados ao Reino Unido para trabalhar para Qian, em funções como compras, limpeza e segurança, e estavam empregados ilegalmente, de acordo com o tribunal.
No momento da prisão, Qian negou todas as acusações, alegando que apenas fugia de uma repressão do governo chinês a empresários do setor de criptomoedas e contestando as provas apresentadas pela polícia chinesa. No entanto, em seu julgamento em setembro, surpreendeu ao se declarar culpada por adquirir e possuir criptomoedas de forma ilegal.
O senhor Li disse à BBC que a confissão deu às vítimas "um vislumbre de luz".
Desde a chegada de Qian ao Reino Unido, o valor das criptomoedas que ela levou para o país multiplicou-se mais de 20 vezes. O destino desse dinheiro será decidido em um processo civil sobre "produto de crime", que deve avançar no início do próximo ano.
Advogados de dois escritórios que representam vítimas afirmam que milhares de investidores chineses planejam apresentar reivindicações no caso. Mas o caminho não será fácil, disse um advogado chinês que pediu anonimato. As vítimas precisarão comprovar as perdas e, em muitos casos, o dinheiro não foi transferido diretamente para a empresa de Qian, mas para contas de intermediários locais que depois repassaram os valores.
Ainda não está claro se, em caso de vitória, os investidores receberão apenas o valor original aplicado ou uma quantia ajustada para refletir a valorização posterior do Bitcoin.
Como em outros casos de "produto de crime", qualquer valor remanescente após o processo normalmente é transferido ao governo britânico. A BBC perguntou ao Tesouro do Reino Unido o que pretende fazer com o dinheiro que sobrar, mas não obteve resposta.
Separadamente, no mês passado, a Promotoria britânica informou que estuda criar um esquema de compensação para quem não tiver representação no processo civil.
A BBC questionou o órgão sobre o nível de provas que esse programa exigiria, mas recebeu a resposta de que ainda não há detalhes disponíveis.
O impacto sobre o senhor Yu, cuja esposa também investiu, não foi apenas financeiro, mas pessoal. Ele contou à BBC que o episódio culminou em divórcio e em pouco contato com o filho.
Ainda assim, considera-se relativamente sortudo. Um advogado ouvido pela reportagem disse que muitos dos investidores de Qian ficaram sem dinheiro até para comprar comida ou remédios.
O senhor Yu conheceu uma dessas pessoas — uma mulher de Tianjin, no norte da China —, que morreu de câncer de mama após deixar o hospital por não poder pagar o tratamento.
"Ela estava à beira da morte e sabia que eu escrevia. Pediu que, se o pior acontecesse, eu fizesse um poema em homenagem a ela."
O senhor Yu cumpriu o pedido e publicou o texto na internet. O poema termina com os versos:
"Sejamos pilares, sustentando o céu / Em vez de ovelhas, guiadas e enganadas / Aos que sobrevivem — lutem mais / Para que possamos reparar esta grave injustiça."

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