1 mês atrás 14

Startup cria IA e já vende juiz de direito robô: 'Superar o judiciário'

Segundo os criadores, a plataforma não apresenta "alucinações" - o termo é usado para definir erros dos modelos de linguagem de IA, especificamente quando eles apresentam fatos falsos ou distorcidos como informação. Ela está abastecida por uma base de dados que, segundo os criadores, contém "todos os casos legais dos EUA".

O Arbitrus já está disponível no mercado norte-americano, e se apresenta como uma solução mais rápida e mais barata do que o judiciário. Os valores cobrados começam em 25 dólares por contrato mediado ou 500 dólares por disputa, caso já haja litígio, e podem chegar a mais de 10 mil dólares, crescendo de acordo com o valor da causa.

"Superar o judiciário"

Em um artigo acadêmico publicado no dia 28 de janeiro, entitulado "Construímos o Juiz IA, e você deveria comprá-lo", os criadores do Arbitrus explicam o funcionamento da ferramenta e detalham a missão do produto. Ela inclui competir com o judiciário e superá-lo, e contribuir para a construção de um ambiente no qual ferramentas privadas assumam parte maior das resoluções de disputas jurídicas.

"Previsível, eficiente e muito barato, o Arbitrus funciona atualmente tão bem quanto arbitragem humana, reduzindo custos de resolução de disputas de 100 mil dólares para 10 mil dólares", diz o artigo.

"Com a ajuda de um mercado de tecnologia livre e desregulado, e de legislação permissiva, ele estabelece as bases para o estado de arbitragem - um ambiente de disputas legais privadas em massa que vai gradualmente superar o sistema judiciário tradicional e reduzir a relevância de governos centralizados".

Continua após a publicidade

A plataforma foi testada com casos de diferentes áreas, incluindo contratos, seguros, propriedade intelectual, direito do trabalho, direito imobiliário e direito empresarial. Além disso, já está sendo introduzida na América Latina, através de um convênio com a Ordem dos Advogados de Lima, capital do Peru.

Ferramenta poderia ter problemas e resistência do judiciário no Brasil

Uma ferramenta como o Arbitrus poderia ter problemas de implementação no Brasil e esbarrar em obstáculos previstos na Constituição Federal, de acordo com Fernanda Lage, professora e pesquisadora em Direito e Inteligência Artificial da Universidade de Brasilia.

"Há o princípio do juiz natural, é um princípio constitucional, que diz que todos têm o direito de terem seus casos julgados por um juiz. Então, para uma parte dos processualistas, isso não seria possível, pelo nosso modelo constitucional. O princípio implica um julgamento humano".

Print de tela inicial do Arbitrus, o juiz IA
Print de tela inicial do Arbitrus, o juiz IA Imagem: Reprodução

Hoje, decisões arbitrais - proferidas por juízes privados, humanos, acordados e contratados pelas partes - já são comuns no Brasil, e, legalmente, tem valor de decisão judicial. A professora explica, entretanto, que caso essas decisões fossem tomadas por robôs, existira o argumento legal para que perdessem esse status.

Continua após a publicidade

"Seria possível construir que essa decisão, proferida pela tecnologia, poderia ser rediscutida no âmbito judicial, que ela não teria força de título executivo como uma sentença arbitral proferida por um ser humano".

Fernanda ainda acrescenta que, para além da discussão em torno do direito, os limites que ainda existem para as tecnologias de IA fazem com que elas não sejam capazes, por enquanto, de substituir um juiz humano.

"Há o limite cognitivo da ferramenta, da IA generativa, ela tem limitação, não consegue compreender todas as complexidades do cenário, das pessoas, do contexto em que elas se inserem. Ela não conseguiria compreender as hipossuficiências (quando uma das partes fica em situação de grande fragilidade em relação à outra por diferenças econômicas, sociais ou culturais)".

Colunista do UOL, professor e desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo Wálter Maierovitch avalia que ferramentas de IA têm potencial para auxiliar e agilizar a atuação do judiciário, mas podem enfrentar resistência no país.

"Você vai encontrar uma linha de que a magistratura é indispensável. Você tem um judiciário no país que cada vez vai se politizando mais, isso pode fazer com que as pessoas possam ter através dessas ferramentas um custo-benefício melhor", afirma. "Mas há o risco de um sistema não perceber certos elementos que um juiz percebe, pelo contato com partes, um olhar, sinais".

Maierovitch avalia que, de forma geral, o judiciário brasileiro deveria encarar isso como algo positivo.

Continua após a publicidade

"Sempre vai haver uma discussão em cima de uma reserva de mercado, de um corporativismo. Acho que um judiciário sábio tem que olhar positivamente para essa ideia. Se vai funcionar, se não vai, são outras discussões, mas um olhar positivo, principalmente aqui no Brasil, que você tem um judiciário desprestigiado".

CNJ mapeia modelos, mas desde já estabelece restrições

O Conselho Nacional de Justiça já mapeia 140 projetos de inteligência artificial pelo mundo voltados para potencial uso no judiciário. Dentro dessa conta, estão projetos já avançados ou desenvolvidos, e outros em estágios mais iniciais de desenvolvimento. Todas elas são voltadas para auxílio a juízes, nenhuma para substituição do trabalho humano na tomada de decisões.

Na última quinta-feira, um grupo de trabalho organizado pelo CNJ concluiu a produção da primeira minuta de regulamentação do uso de inteligência artificial pelo poder judiciário. O documento, que será votado pelo plenário do órgão ainda neste mês, proíbe expressamente a substituição de juízes humanos na produção de decisões judiciais.

"O uso dessas ferramentas será de caráter auxiliar e complementar, consistindo em mecanismos de apoio à decisão, vedada a utilização como instrumento autônomo de tomada de decisões judiciais sem a devida orientação, interpretação, verificação e revisão por parte do magistrado, que permanecerá integralmente responsável pelas decisões tomadas", diz trecho da resolução.

Leia o artigo inteiro

Do Twitter

Comentários

Aproveite ao máximo as notícias fazendo login
Entrar Registro