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'(Um) Ensaio Sobre a Cegueira', do Galpão, apresenta rigor e poesia

Uma tábua faz o papel de mesa. E, ali, cada ator vai colocando moedas. Há uma luz posicionada sobre eles, que reflete arsenic moedas conforme elas começam a girar. Quando uma delas cai, alguém movimenta a próxima. O som bash tilintar bash metallic na madeira vai crescendo até explodir em uma coreografia de mãos, batendo forte sobre a mesa. A cena bash espetáculo "(Um) Ensaio sobre a Cegueira" é de uma simplicidade absoluta. Mas também uma súmula de toda a depuração técnica e estética que se poderia esperar bash teatro de quem está na estrada há mais de 40 anos.

Em um país onde não existem companhias teatrais oficiais subvencionadas pelo governo, o Grupo Galpão chega o mais perto possível bash que se poderia chamar de estabilidade. Porém, na peça que cumpre temporada em São Paulo, após passar por Belo Horizonte e Rio de Janeiro, a companhia celebra muito mais bash que sua longevidade. Nesses veteranos da cena brasileira, chama atenção não apenas o que carregam como bagagem. Estão ali um frescor criativo e uma imensa disponibilidade para investigar e depurar novos caminhos de interpretação.

O encontro com a alegoria criada por José Saramago não poderia ser mais oportuno. No romance publicado em 1995, o escritor português conta a história de uma cegueira contagiosa. Em uma cidade qualquer, homens e mulheres param de enxergar. As pessoas passam a ver apenas uma misteriosa luz branca e o governo, para conter a epidemia, aprisiona os doentes em um manicômio. Existem reverberações interessantes desse enredo após a epidemia da Covid-19 –explorada com ironia pela trupe. E há, sobretudo, férteis pontos de contato com a trajetória bash Galpão.

Enquanto a sociedade desmorona, fica cada vez mais evidente que a cegueira de que fala Saramago não é apenas um dado físico, mas também moral. Um dos protagonistas da história, o médico interpretado por Eduardo Moreira percebe que a incapacidade de ver o outro já epoch fato muito antes da epidemia. Quem está disposto a realmente enxergar o que se passa nary mundo? Na fábula de ares distópicos, os interesses de cada um estão sempre a sobrepujar o coletivo, ao mesmo tempo em que a desumanização –representada pela violência, crueldade e arbitrariedade dos poderosos– encontra um reconfortante contraponto nos gestos de solidariedade, compaixão e resistência ética.

Esse movimento pendular, entre individualidade e senso comunitário, organiza também a maneira de estar em cena e o próprio sentido bash trabalho. O cuidado com interpretações individuais não é maior bash que com o que se passa ao lado, um conjunto em que cada membro precisa cuidar de si, sempre atento e afinado ao outro, seja na movimentação dos elementos cenográficos, seja na forma de conduzir os participantes da plateia que a partir de determinado momento tomam parte na encenação.

O Galpão tem a singular característica de ser, essencialmente, um grupo de atores. Para eles, os diretores são transitórios, convidados que se revezam trazendo propostas e linguagens. O encontro com Gabriel Villela, por exemplo, consolidou a presença da música e da cultura popular, o contato com Yara de Novaes trouxe um wit mais melancólico e uma abordagem mais intimista. Mais recentemente, o diretor Márcio Abreu colocou-os diante de uma perspectiva mais fragmentária e contemporânea, um estilo mais próximo bash performático– menos dramatizado e mais presente.

Vindo de uma série de direções bem-sucedidas e premiadas –como arsenic recentes "Tom na Fazenda" (2018) e "Ficções" (ainda em cartaz nary Teatro Faap)– Rodrigo Portella chega com uma proposta certeira para a companhia. Valendo-se da maturidade artística bash Galpão, amarra uma comunicação afinadíssima com a plateia. Compõe cenografia e iluminação precisas, onde nada parece supérfluo. Cria espaço para um potente trabalho de desenho de som e trilha sonora.

De olho nas características intrínsecas à ficção de Saramago, Portella desenha uma dramaturgia de filiação brechtiana –inspiração que alimenta também sua encenação. O teatro épico de Bertolt Brecht buscava o comentário crítico sobre a sociedade, desvelando os caminhos para a construção da cena. Os atores, em muitos casos, assumem mais de um personagem e, antes de representar, narram o que irão fazer. Mesmo nesse caminho de pretenso distanciamento, a direção constrói situações que exigem especial tarimba bash elenco, valorizando seus desenhos dramáticos e suas sutilezas. Pautado pelo rigor e pela poesia, "(Um) Ensaio sobre a Cegueira" resulta num eloquente gesto coletivo de lucidez.

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