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Veto à desoneração da folha agravaria desemprego, prevê Any Ortiz

Em seu ano de estreia em Brasília, a deputada federal Any Ortiz (Cidadania) tem desempenhado uma atuação de destaque no Congresso Nacional. Na Câmara dos Deputados, foi relatora do projeto de desoneração da folha e agora fará a coordenação da bancada gaúcha na Capital federal.

A parlamentar defendeu a desoneração - inclusive sua ampliação para demais setores, algo que não foi possível articular devido a limitações constitucionais.

Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Any explica por que o veto à prorrogação da desoneração da folha para os 17 setores que mais empregam no País causaria aumento de desemprego e de pessoas dependentes de programas sociais.

A deputada também fala sobre o trabalho da bancada gaúcha em relação a temas de interesse do Rio Grande do Sul.

Jornal do Comércio - Quais são os principais pontos da desoneração da folha?

Any Ortiz - A desoneração da folha é o seguinte: o trabalhador paga sua contribuição previdenciária e a empresa também tem que pagar a parte dela da contribuição. Essa contribuição é 20% da folha salarial. Todos sabem que os encargos trabalhistas são bem altos, impactam bastante no custo das empresas. Começou a desoneração da folha lá em 2011, quando tinha mais de 50 setores. Agora são 17. As empresas desses setores, em vez de pagar 20% sobre a folha de pagamento como contribuição previdenciária patronal, elas pagam de 1% a 4,5%, a depender do setor, sobre a receita bruta da empresa. Isso alivia bastante o peso dos encargos trabalhistas nessas empresas. Logo, acabam contratando mais, podendo inclusive remunerar melhor os seus trabalhadores.

JC - Medida que, agora, iria até 2027.

Any - A última prorrogação da desoneração foi em 2021 e essa prorrogação termina agora em 31 de dezembro deste ano. O projeto que fui relatora prorrogou até 2027 a desoneração para os 17 setores. Essa medida garante, primeiro, manutenção de empregos, que é muito importante, geração de novos postos de trabalho… porque, com certeza, se não houvesse a prorrogação da desoneração, as empresas provavelmente, por conta do aumento do custo, teriam que demitir. E seria um número bem expressivo.

JC - Seria uma consequência direta?

Any - Direta. O custo de operação da empresa aumentaria de uma forma muito impactante no orçamento dessas empresas. Então, com certeza a consequência seriam demissões.

JC - É só uma prorrogação? Não há mais alterações?

Any - É só a prorrogação. Por que nós não temos como incluir mais setores? Essa era uma demanda que chegou muito até nós. Quando foi aprovada a emenda constitucional 103, que é a PEC da Previdência, foi vedada a troca ou mudança do fator da contribuição. Nós podemos mudar hoje as alíquotas, de 1% até 4,5%. Dentro disso, nós podemos mudar. O que não pode é pegar a contribuição de um setor que contribui sobre a folha de salários e passar para a base de cálculo da receita bruta. A emenda constitucional 103 vedou essa possibilidade e é por isso que outros setores não podem ser incluídos nessa questão da desoneração. Essa era uma demanda de muitos setores, como, por exemplo, bares e restaurantes, que têm uma mão de obra, um número de colaboradores bem grande. Hospitais também, que tiveram que pagar o piso para enfermagem, e isso acabou impactando muito no orçamento deles. Seria um alívio para os hospitais poder contar com a desoneração da sua folha, mas infelizmente não temos como incluí-los, porque estávamos apenas fazendo a prorrogação da desoneração.

JC - O projeto tramitou entre Câmara e Senado com mudança em relação aos municípios.

Any - Ele nasceu no Senado. Eram dois textos: um na Câmara e um no Senado. Ambos estavam na Comissão de Desenvolvimento Econômico, que eu sou membro e também era relatora desses projetos. Começamos um debate para que o projeto tramitasse com (regime de) urgência. Em 2021, a prorrogação da desoneração foi sancionada dia 31 de dezembro quase à meia-noite e isso causa uma instabilidade muito grande para as empresas. Isso era algo que não queríamos. Queríamos que fosse aprovado o quanto antes, para que houvesse essa possibilidade de previsibilidade para as empresas do setor. O projeto voltou para o Senado, pois no projeto da Câmara não estavam incluídos os municípios e no Senado constava. Eu preferi pela admissibilidade do projeto do Senado justamente pela celeridade da tramitação, só que alterei a alíquota dos municípios, porque o relator no Senado fez um corte linear: todos os municípios abaixo de 142,6 mil habitantes, em vez de contribuírem com 20% da folha, contribuiriam com 8% da folha. Apesar de serem entes federados, os municípios são tratados como empresa para fins de recolhimento previdenciário. Entendemos que o mais justo seria um escalonamento. Essas alíquotas variam de 8% até 18% da folha de salários, mas dependendo do PIB per capita do município, e não da quantidade de habitantes, porque pode ter um município bem pequeno que não tem problemas financeiros e um município maior que tem problemas financeiros e não tem previdência própria, já que aqueles que têm regime próprio não contribuem.

JC - Por que o texto da Câmara não inclui os municípios e do Senado incluía? O que muda para os municípios?

Any - O texto da Câmara não incluía porque o autor, o deputado Ricardo (Ayres, Republicanos-TO), apresentou a proposta de prorrogação da desoneração, mesma proposta feita pelo senador Efraim (Filho, União Brasil-PB). Os dois apresentaram tanto no Senado quanto na Câmara. A Proposta Inicial era só de prorrogação da desoneração, para que a desoneração valesse por mais quatro anos para as empresas dos 17 setores. Os municípios foram incluídos pelo Senador (Angelo) Coronel (PSD-BA) num relatório, porque ele foi o relator no Senado.

JC - Quais serão os maiores beneficiados com a desoneração da folha?

Any - A população brasileira. Com a desoneração da folha, teremos a garantia da manutenção dos empregos, da geração de mais empregos, não só nos setores. Os 17 setores somados são aqueles que mais empregam no Brasil. Hoje são mais de 9 milhões de trabalhadores formais, com carteira assinada. Também melhora competitividade das empresas dos setores. Só quem tem a ganhar com isso é o povo brasileiro e a economia brasileira. Por isso, inclusive, defendemos que essa medida seja ampliada para outros setores, porque ela se mostra muito eficaz.

JC - Internamente, há indicação de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai sancionar o projeto?

Any - Eu não fui procurada em nenhum momento pelo governo. Apesar de saber que o governo não era favorável à prorrogação da desoneração, porque entende a desoneração como uma renúncia fiscal. Só que um levantamento da FGV (Fundação Getulio Vargas) mostrou que renúncia fiscal prevista pelo governo era de R$ 9,2 bilhões e a medida proporciona uma arrecadação extra de quase R$ 30 bilhões. Como uma política de manutenção e geração de novas vagas de trabalho, de entender que precisamos gerar emprego e renda, ela é muito eficaz. Apesar de saber que o governo trabalhava nos bastidores contra a prorrogação da desoneração, acredito que o governo não vai vetar, até porque o próprio governo na campanha defendia essa bandeira dos empregos.

JC - A consequência do veto seria o aumento do desemprego?

Any - Óbvio. O impacto seria muito grande no crescimento do desemprego e, obviamente, impactaria no próprio governo com o auxílio desemprego, com mais pessoas entrando para os programas sociais, como o Bolsa Família…

JC - Um efeito cascata...

Any - Como um efeito cascata muito ruim. Com a prorrogação da desoneração é o contrário. A consequência é mais profissionais trabalhando formalmente, arrecadando INSS para o governo, IRPF, FGTS. Esse mesmo estudo aponta que para cada 10% da desoneração da folha de salário, estima-se um aumento de 3,4% no nível do emprego. Como eu falei antes, as empresas conseguem se organizar melhor e também pagar melhor.

JC - Qual deve ser o foco do Congresso nesses últimos dois meses do ano?

Any - Olha, o Congresso tem que discutir o Orçamento, que ainda não temos. Acredita que precisamos avançar e votar a reforma administrativa. E uma reforma que traga resultados. Acho até que a reforma administrativa deveria ter sido votada antes da tributária. Inclusive, era um compromisso do governo, e vamos cobrar, que a reforma tributária não aumentaria impostos e que o governo manteria a arrecadação. Acho que deveria inclusive enxugar a máquina para diminuir o peso do Estado nas costas do contribuinte. Sem a reforma administrativa, sem saber realmente o tamanho da máquina, e vendo que o governo não tem austeridade, tivemos inclusive falas do presidente Lula dizendo que não vai conseguir fechar as contas, que não vai conseguir resolver a questão do déficit fiscal. Então, mais do que nunca, a questão da reforma administrativa é muito importante para podermos ter um custo menor da máquina pública e, consequentemente, isso impactar positivamente dentro da reforma tributária.

JC - É possível sancionar a reforma tributária até o final do ano?

Any - Acho que o Senado tem discutido e tem acontecido reuniões. Vamos ver como é que vai ficar o relatório lá. Sabemos que vão fazer mudanças, mas que essas mudanças não sejam para piorar. O princípio da reforma tributária, o que deveria ser, está na simplificação e redução de custos, dentro do ambiente de negócios que a gente tem, que é muito caro e muito inseguro.

JC - De forma geral, como avalia o início do governo Lula?

Any - O Cidadania é independente. Eu também sou independente, mas desde o primeiro momento falei que ia fazer uma oposição forte ao governo Lula naquilo que nós consideramos retrocessos para o Brasil. E assim está sendo. Temos que estar muito atentos com os retrocessos que a gente vê o governo ensaiando, como a questão do marco do saneamento básico, por exemplo. A questão da discussão que o governo ainda insiste sobre a contribuição sindical. Enxergamos como um governo muito ruim, principalmente na questão da política econômica. É um governo que a política ainda não se entende com a parte econômica. Um governo ruim, que pela sua pauta, não tem uma base forte e aliada e tenta de todas as formas negociar com o Centrão.

JC - Qual a perspectiva agora no comando da coordenação da bancada gaúcha no Congresso Nacional?

Any - Como vice-coordenadora, já tinha um trabalho bem atuante, até pela parceria com o deputado Carlos Gomes (Republicanos). A gente sempre se dividiu bem e compartilhou esse trabalho da coordenação da bancada, que é um trabalho institucional. Apesar de eu ter essa visão de oposição em relação ao governo e de não concordar com as medidas, como a forma de gestão do governo, com a forma como o governo enxerga que devem ser aplicadas e tratadas as políticas públicas, o trabalho na bancada é um trabalho diferente, é um trabalho institucional, tem deputados de todas as correntes políticas, todas as ideologias, partidos. Temos um trabalho de representação da bancada gaúcha e de trabalhar pelo Rio Grande do Sul, pelos interesses do Estado junto ao governo federal. Participei de muitas reuniões e, principalmente, estive à frente na questão da tragédia que aconteceu no Vale do Taquari. Agora o trabalho é continuar nessa atuação. O Orçamento não saiu, não tem data e nem previsão. Então ainda tem essa questão toda das emendas da bancada para o Estado.

JC - Quais temas do Rio Grande do Sul que mais movimentaram a bancada em Brasília neste ano?

Any - A questão do Vale do Taquari e das enchentes. Foi a maior tragédia que a gente teve, com mais de 50 mortos e ainda tem pessoas desaparecidas. Foi o tema que mais mobilizou a bancada. Claro, cada um se mobiliza por outros tantos temas, a questão do leite, das estradas gaúchas, fizemos algumas reuniões com o Ministério dos Transportes. Mas a tragédia do Vale do Taquari foi o tema que mais mobilizou a bancada, principalmente na busca por ações do governo federal, que ainda está devendo muito do que prometeu para o povo gaúcho.

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