Satiricamente, a letra acusa o vizinho ao norte dos Estados Unidos, em vez das políticas nacionais, erros de educação familiar ou influência da mídia, declarando: "Temos que preparar um ataque total: é culpa do Canadá!"
Mais de duas décadas depois, o presidente americano eleito, Donald Trump, parece ter entrado nesse espírito, acusando o vizinho pela imigração ilegal e narcotráfico através de sua fronteira setentrional. E, apenas semanas após vencer as eleições para um segundo mandato na Casa Branca, ameaçou impor taxas aduaneiras de 25% a todas as importações canadenses, a partir de seu primeiro dia no cargo.
Canadá não é o pior dos desequilíbrios comerciais
Principal ponte que liga os Estados Unidos e o Canadá — Foto: Carlos Osorio/Reuters
Enquanto para alguns analistas tal retórica não passa de mais uma fanfarronada trumpista, políticos e economistas canadenses condenaram amplamente as assertivas. Ainda mais porque o país nunca foi alvo da campanha presidencial do republicano – ao contrário da China, México, Brics e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
Porter vê a argumentação de Trump mudando à medida que ele se prepara para assumir em 20 de janeiro: "De início havia ressalvas sobre a fronteira, as quais eu acho que o Canadá bem gostaria de abordar. Depois a questão era o desequilíbrio do comércio EUA-Canadá. E na coletiva de imprensa do outro dia, Trump falou de impor penalidades econômicas ao Canadá."
Apesar de ter defendido e assinado o Acordo EUA-México-Canadá (USMCA), em vigor desde 2020 e sujeito a revisão em 2026, Trump agora alega que os países cossignatários falharam em cumprir termos-chave do pacto que vão do controle de fronteiras ao comércio.
O magnata nova-iorquino "é conhecido por rasgar seus próprios acordos para garantir outros, ainda melhores", lembra Tony Stillo, diretor para economia canadense da consultora Oxford Economics.
No entanto, os EUA têm outros desequilíbrios comerciais muito piores: enquanto de janeiro a novembro de 2024 o com o Canadá foi de menos de 55 bilhões de dólares – segundo o Departamento do Censo (USCB) –, o com a China, por exemplo, chegou a 270,4 bilhões de dólares.
O descompasso com o México, Vietnã, Alemanha e Japão também foi maior do que o com o Canadá.
Com petróleo, EUA 'dariam tiro no próprio pé'
Aurora boreal é vista sobre bombas de extração de petróleo e gás perto de Cremona, Alberta (Canadá) — Foto: Jeff McIntosh/The Canadian Press via AP
Em sua plataforma Truth Social, Trump escreveu ainda que o desequilíbrio da balança comercial constituiria, de fato, uma subvenção para o Canadá, e que a maior economia do mundo "não pode mais sofrer os Déficits Comerciais de que o Canadá precisa para se manter em dia".
O comércio americano-canadense é uma das parcerias mais extensas e bem integradas do mundo: nos primeiros 11 meses de 2024, os negócios bilaterais perfizeram US$ 699,4 bilhões. O Canadá é o maior mercado para as exportações americanas – que incluem caminhões, vans, carros, peças automotivas e combustíveis fósseis –, na frente do México, Europa e China.
Os EUA são também a principal destinação das exportações canadenses, absorvendo mais de três quartos de seus bens e serviços vendidos. Em comparação, 53% das exportações da Alemanha se destinam a outras nações da União Europeia.
Um quarto das remessas canadenses para os EUA é de petróleo bruto, alcançando 4,3 milhões de barris diários em julho de 2024, segundo a Administração de Informação sobre Energia (EIA) americana.
Como dispõem de um excesso de capacidade de processamento, os EUA refinam o produto comprado em gasolina, óleo diesel e querosene de aviação, os quais exporta – em parte de volta para o Canadá.
A governadora do estado canadense de Alberta, rico em petróleo, Danielle Smith, advertiu na plataforma X que os EUA estariam dando um tiro no próprio pé se Trump cumprir suas ameaças, pois "qualquer sobretaxa proposta prejudicaria imediatamente as refinadoras, e faria também os consumidores pagarem mais nos postos de gasolina".
Ecossistema automotivo norte-americano em perigo
BMW 328i em foto de 2011. Montadora alemã anunciou recall de cerca de 1 milhão de veículos no Estados Unidos — Foto: ANDREAS GEBERT / DPA / AFP
O veneno do presidente eleito também se dirigiu à indústria automotiva canadense, acusando-a de, em anos recentes, ter desviado a produção através da fronteira norte, resultando na demissão de operários americanos. Na realidade, contudo, o setor automotivo da América do Norte é profundamente integrado e, durante a fabricação, peças e veículos atravessam a fronteira EUA-Canadá várias vezes.
Executivos canadenses do setor alertam ainda que sobretaxas podem desequilibrar cadeias de suprimento complexas, provocando alta de custos e ineficácias, catapultando os preços em ambos os países.
Na segunda semana de janeiro, o canal de notícias canadense BNN Bloomberg citou economistas, segundo os quais sobretaxas americanas poderiam impactar o PIB do Canadá em 2% a 4%, precipitando na recessão econômica.
Ottawa se prepara para retaliar
Justin Trudeau em encontro político em Ottawa, no Canadá — Foto: Blair Gable/Reuters
O Partido Liberal do Canadá não elegerá o novo primeiro-ministro sucessor de Trudeau até 9 de março. Embora a renúncia de Trudeau deixe o país sem liderança política, seus legisladores já elaboraram uma lista de importações americanas sujeitas a retaliação, caso Trump prossiga com seu plano de taxação alfandegária.
Economistas preveem que os afetados serão produtos americanos política e economicamente sensíveis, como ocorreu numa disputa comercial semelhante em 2018, durante o primeiro mandato de Trump, resolvida um ano mais tarde. O jornal The Global & Mail noticiou que Ottawa estaria considerando taxar aço, cerâmica, vidro, flores e suco de laranja americanos, entre outras mercadorias.
Tony Stillo parte do princípio de que o lado canadense "só identificou um punhado de setores porque não quer colocar ainda tudo na mesa, minando a sua posição de negociação".
Contudo, tendo só fanfarronices e ameaças absurdas para se basear, cabe ainda à liderança canadense descobrir o que, exatamente, Trump está buscando. Trata-se de uma tática de negociação para fortificar o controle fronteiriço, intensificar a cooperação energética e automotiva, ou fazer o Canadá aumentar suas contribuições para a Otan?
Entretanto, apesar de distúrbios passageiros às economias de ambos os países, o especialista da Oxford Economics está convencido de que os membros do governo canadense procurarão jogar o jogo de longo prazo, por uma razão óbvia: "Daqui a 30 anos, Donald Trump não vai estar vivo, mas o Canadá vai estar".

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9 meses atrás
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