Crédito, REUTERS/Jorge Silva
- Author, Rute PinaRute Pina
- Role, Da BBC News Brasil em São Paulo
- X, @rutepina
Há 15 minutos
Tradicional dia de manifestações, o 203º aniversário da Independência do Brasil será um termômetro político, às vésperas da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a trama golpista.
Atos da direita e da esquerda estão programados em ao menos 20 capitais. E analistas políticos preveem um ambiente de tensão.
"A oposição deve reunir maior número de pessoas. A tensão política deve atingir seu ápice no Dia da Independência, em meio ao julgamento", diz o boletim da consultoria Eurasia.
De um lado, o pastor Silas Malafaia, que coordena o principal ato da direita, diz não se incomodar com comparações entre as manifestações. Pelo contrário.
"Tô achando legal o PT de manhã ir para a rua em São Paulo, porque vai ser lindo para o pessoal ver quem tem o povo na rua, se o povo está com eles ou não", afirmou à BBC News Brasil.
Do outro lado, o sindicalista Sérgio Nobre, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), uma das organizações que com movimentos populares chama o ato da esquerda, evita medir forças.
"Se da parte deles tem [comparação], da nossa não tem. Só queremos chamar a atenção do povo brasileiro para este que é um momento decisivo do que será o Brasil nos próximos 30 anos, a defesa da soberania e a defesa do país. Esse é o recado", disse.
"Não queremos confronto. E não importa para nós o que eles vão fazer na Avenida Paulista. A história vai julgar o que aconteceu na Avenida Paulista e o que aconteceu na Praça da República nesse 7 de setembro de 2025."
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As polícias montaram um esquema especial de segurança para este domingo.
No Distrito Federal, a operação inclui tropas especializadas, revistas pessoais, drones, câmeras de alta resolução e plataformas elevadas.
A Esplanada dos Ministérios foi interditada ainda na noite de sábado (6/9). Pela primeira vez, o Comando Militar do Planalto assume a segurança do desfile cívico-militar, com cerca de 4,5 mil militares.
Os atos ocorrem a curta distância: apoiadores da direita se concentram nas imediações da Torre de TV, enquanto a esquerda se reúne na Praça Zumbi dos Palmares, apenas 2,5 km adiante.
Em São Paulo, que deve concentrar as maiores manifestações, a Polícia Militar mobilizou efetivos do Comando de Policiamento da Região Central, Força Tática, Rocam e outras equipes de apoio.
Na capital paulista, a direita ocupa a Avenida Paulista, enquanto o Grito dos Excluídos acontece na Praça da República, também a pouco mais de 2,5 km dali.
No Rio de Janeiro, a distância entre os grupos será maior. A direita se reúne pela manhã na orla de Copacabana, e a esquerda, na Avenida Presidente Vargas, no Centro, a cerca de 10 km de distância.
Esquerda reforça discurso da soberania
Crédito, REUTERS/Adriano Machado
O governo Lula aproveita o desfile oficial das tropas das Forças Armadas para reforçar o lema "Brasil soberano".
"Não somos e não seremos novamente colônia de ninguém. Somos capazes de governar e de cuidar da nossa terra e da nossa gente, sem interferência de nenhum governo estrangeiro", disse Lula.
Ele também mandou recados ao presidente americano Donald Trump e à família Bolsonaro.
"Mantemos relações amigáveis com todos os países, mas não aceitamos ordens de quem quer que seja. O Brasil tem um único dono: o povo brasileiro", disse o petista.
"É inadmissível o papel de alguns políticos brasileiros que estimulam os ataques ao Brasil. Foram eleitos para trabalhar pelo povo brasileiro, mas defendem apenas seus interesses pessoais. São traidores da pátria. A História não os perdoará."
Os atos governistas vêm sendo convocados pelo PT nas redes sociais, grupos de WhatsApp e perfis no YouTube.
No Instagram, por exemplo, um vídeo convoca os cidadãos a tirar a camiseta verde e amarela da gaveta.
"Não tem jogo, mas tem Brasil em campo", diz um vídeo publicado no perfil institucional do governo brasileiro. "Todo dia é dia de exaltar nosso Brasilzão e defender a soberania."
Com duração prevista de duas horas, o desfile em Brasília vai ter três eixos temáticos: Brasil dos Brasileiros, COP30 e Novo PAC, e Brasil do Futuro. Além de Lula, chefes do Congresso e do STF participam do evento na Esplanada.
Um bandeirão verde e amarelo de 140 m² carregado por 40 pessoas durante o desfile deve ser esticado no eixo monumental. Na sequência virá outro de 70 m², com a frase "Brasil Soberano", também nas cores verde e amarela.
O presidente da CUT afirma que o 7 de Setembro deste ano terá caráter "simbólico" diante do que classifica como graves ataques à soberania nacional. Ele afirma que o tarifaço imposto pelos Estados Unidos representa "a maior agressão explícita à soberania brasileira de nossa história".
"O Trump não esconde que quer interferir no julgamento da trama golpista no STF. Ele quer liberar o Bolsonaro para ser candidato em 2026, uma clara interferência na soberania nacional", diz.
Ele lembrou ainda que o Grito dos Excluídos, tradicional ato da esquerda no 7 de Setembro, ganha nova dimensão neste ano.
"O verde e amarelo sempre foi o nosso símbolo. Não vamos permitir que isso seja apropriado por eles. O verde e amarelo é do povo brasileiro. Os verdadeiros patriotas são quem defende o Brasil. Patriotas somos nós."
Direita pede anistia e critica STF
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Com o lema "Reaja Brasil, o medo acabou", os apoiadores de Jair Bolsonaro têm como principal pauta a anistia aos envolvidos na tentativa de golpe de Estado, no meio do julgamento de Bolsonaro.
Outra pauta é a crítica à atuação do STF, principalmente do ministro Alexandre de Moraes.
"Vamos falar sobre liberdade de expressão, em como Moraes instituiu o crime de opinião no Estado democrático de direito, sobre essa farsa desse inquérito de pura perseguição a Bolsonaro e da perseguição a mim", lista entre as pautas o pastor Silas Malafaia.
Em São Paulo, a Avenida Paulista deve receber a ex-primeira dama Michele Bolsonaro, os deputados federais como Nikolas Ferreira (PL-MG), Gustavo Gayer (PL-GO) e Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e o senador Rogério Marinho (PL-RN).
Um dos principais nomes da direita conservadora no Congresso e nas redes sociais, Nikolas Ferreira publicou um vídeo chamando seus seguidores a participar dos atos de 7 de Setembro. "Escreva a história do seu país", convocou o deputado.
Mas as atenções devem se voltar ao governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que disputa o espólio político de Bolsonaro.
A antropóloga Isabela Kalil, pesquisadora do Observatório da Extrema Direita, destaca que, na ausência do ex-presidente que está em prisão domiciliar, Tarcísio desponta como figura política central dos atos bolsonaristas.
"O que vai fazer a diferença agora para a política é como os apoiadores do bolsonarismo vão posicionar o Tarcísio nessa sucessão. Como Bolsonaro está impedido, ele não será visto como traidor, e isso abre espaço para assumir protagonismo dentro do campo bolsonarista", afirma a antropóloga.
"Os apoiadores de Bolsonaro estão esperando para ver para onde isso vai. Esse 7 de setembro pode dar novos rumos para o bolsonarismo, que hoje está um pouco sem rumo."
Como começou disputa pelo 7 de setembro
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Historicamente, o 7 de Setembro foi marcado por desfiles militares e celebrações cívicas. Movimentos populares da esquerda também organizam anualmente, desde 1995, o Grito dos Excluídos — mas sem grande atenção da imprensa.
Nos últimos anos, no entanto, a data se tornou um palco relevante de mobilização política, especialmente da direita e da extrema-direita.
"Em 2019, já havia uma tentativa de reabilitar datas ligadas à ditadura, como o 31 de março e o 7 de setembro. Mas é em 2021 que o Dia da Independência ganha centralidade, com a pauta do voto impresso e os gritos de 'eu autorizo', que funcionavam como senha para uma intervenção ou um golpe", afirma Kalil.
O cientista social Jonas Medeiros, pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e integrante do Núcleo Direito e Democracia, também enxerga 2021 como o ponto de virada.
"Foi um enorme grau de massificação da ocupação da rua e que marca uma radicalização autoritária, com conflito explícito entre Executivo e Judiciário", afirma.
Naquele ano, a extrema-direita tomou as ruas com centenas de milhares de pessoas, especialmente na Avenida Paulista, em um ato que culminou com o então presidente Bolsonaro atacando Alexandre de Moraes, do STF.
Na última terça-feira (2/9), no 1º dia do julgamento da trama golpista, o Procurador-Geral da República, Paulo Gonet, afirmou que o 7 de Setembro de 2021 foi um marco da escalada contra as instituições democráticas.
Para ele, os discursos de Bolsonaro no Dia da Independência daquele ano, em Brasília e em São Paulo representaram "novo patamar de radicalização" na estratégia golpista.
"Aproveitando-se do da data cívica, o então presidente tornou a insuflar a militância contra os ministros do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral em mais uma etapa do plano de subversão da ordem constitucional."
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Desde então, o 7 de Setembro passou a refletir os deslocamentos da política brasileira, diz Medeiros. "Sempre foi um momento interessante para observar o que está acontecendo em cada campo político.", analisa.
Em 2022, com o bicentenário da independência e em meio à campanha eleitoral, os atos perderam força. "Foi uma dinâmica muito tomada por campanha. Os carros de som estavam fazendo campanha eleitoral, entregando santinhos", relata.
Apesar de minoritários, os intervencionistas ganharam protagonismo após a derrota de Bolsonaro nas urnas. "Eles viram hegemônicos. A intervenção militar virou a única solução para a crise política que eles mesmos estavam criando", explica o pesquisador.
O 7 de Setembro de 2023 foi marcado pela ausência da extrema-direita, pontua Medeiros. "Foi um W.O. A esquerda foi a única força política que ocupou as ruas. A extrema-direita ainda estava sob os efeitos do 8 de Janeiro, com medo de possíveis retaliações", diz.
Já em 2024, com o início da campanha municipal, os atos voltaram a ganhar contornos eleitorais.
Malafaia assume a organização dos protestos na capital paulista, centralizando os discursos e a estrutura dos atos. "Ele determina quem fala, por quanto tempo, e reprime tentativas de pluralização", analisa o pesquisador.
Crédito, REUTERS/Carla Carniel
Agora, em 2025, a mobilização bolsonarista, que mostrou sinais de declínio, voltou a ganhar fôlego — embora em menor número quando comparado ao auge, em 2021.
"Parecia indicar uma decadência, mas voltou a crescer após a prisão domiciliar de Bolsonaro. Não foi gigante, mas voltou à casa das 40 mil pessoas", afirma Medeiros.
"O objetivo da extrema-direita é manter os políticos presos à órbita do clã Bolsonaro. Mas há movimentos pensando o pós-Bolsonaro."
Para Medeiros, a medição de forças entre direita e esquerda neste domingo será inevitável. "A imprensa vai repercutir e quem tiver mais gente vai tentar capitalizar."
Isabela Kalil pondera, no entanto, que o esvaziamento numérico não deve ser confundido com enfraquecimento dos atos bolsonaristas.
"Hoje a base bolsonarista é menor, mas muito mais radical. Quando falamos de extremismo, não importa apenas o número de pessoas na rua, mas o grau de radicalidade. O 8 de janeiro mostrou isso: não era uma multidão imensa, mas poderia ter causado um estrago ainda maior."
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