A China representa 19% do PIB global, mas responde por 32% da produção industrial mundial. O desequilíbrio, cujas implicações contribuíram para a ascensão de Trump, não é sustentável. No fim do percurso, o triunfo chinês na guerra tarifária depende da "normalização" de sua economia.
O modelo exportador da China ancora-se no excesso de poupança doméstica –ou, dito de outro modo, num consumo interno reprimido. O segredo repousa no sistema político totalitário, que mantém baixos salários, veta políticas de bem-estar social e recusa-se a erguer um sistema decente de seguridade social.
Desde o ingresso chinês na OMC, em 2001, à base de uma intrincada rede de subsídios estatais, o modelo propiciou a expansão da indústria em saltos tecnológicos sucessivos, até a produção de veículos elétricos, painéis solares, baterias e softwares de IA. Os bens chineses inundaram o mercado mundial, eliminando competidores, devastando antigas regiões industriais e, nesse passo, deslocando os sistemas políticos nacionais.
A reação dos EUA começou com as tarifas seletivas de Trump 1, que buscavam estimular a relocalização industrial nos EUA ou em países parceiros. Prosseguiu com Biden, que deflagrou políticas industriais eficazes de subsídio a setores estratégicos (semicondutores, veículos elétricos, aeroespacial) e fracassou na tentativa de sancionar empresas de ponta chinesas, algo ilustrado pela Huawei e pelo Deep Seek. Trump 2, contudo, jogou o tabuleiro pela janela, apostando numa aventura mercantilista sem rumo.
Trump tinha a possibilidade de radicalizar as políticas seguidas por Biden. Nessa linha, em coordenação com os aliados na Europa e Ásia, iniciaria uma escalada tarifária coletiva e gradual sobre a China, ao longo de um horizonte plurianual. A pressão sustentaria negociações baseadas na exigência de redução dos subsídios industriais chineses e, imitando as práticas do rival, obter o deslocamento de unidades produtivas da China para os EUA em joint ventures com empresas nacionais.
O objetivo seria alcançar um reequilíbrio da economia mundial, não edificar uma muralha protecionista em torno dos EUA. Trump, porém, enxerga o comércio como um jogo de soma zero orientado pela busca obsessiva de superávits. Partindo dessa superstição ideológica, resolveu declarar uma guerra tarifária contra o mundo.
Xi Jinping desenhou seu caminho. A China exibe-se como campeã do livre intercâmbio e das regras comerciais multilaterais. Enquanto aplica retaliações aos EUA, promete abrir seu mercado interno e controlar os preços de suas exportações, evitando uma inundação global de produtos excedentes. De olho na Europa, os chineses exploram as oportunidades criadas pela investida de Trump contra a União Europeia.
O sucesso da estratégia depende de uma revisão estrutural do modelo econômico chinês, com a absorção do excedente de bens industriais pelo mercado interno. No cenário da guerra tarifária, dramatizado pelo envelhecimento demográfico, a China precisa transformar poupança doméstica em consumo, o que demanda reformas sociais profundas.
A China de amanhã não será a "fábrica do mundo", mas uma economia industrial normal. A mutação inevitável foi acelerada por Trump. Ironicamente, o custo principal do reequilíbrio recairá sobre os EUA.
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