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A (des)confiança dos médicos ajuda a entender a dos jornalistas

A (des)confiança dos médicos ajuda a entender a dos jornalistas © Reuters. A (des)confiança dos médicos ajuda a entender a dos jornalistas

*Por Young Eun Moon

A confiança pública nas instituições dos Estados Unidos caiu a níveis desconcertantemente baixos. Jornalistas, médicos, cientistas e acadêmicos –antes percebidos como profissionais com treinamento e habilidades valiosas que tinham o melhor interesse público em mente– agora tendem a ser vistos como elites desconectadas e politicamente comprometidas.

A crise da confiança pública levanta questões importantes. Por que a confiança pública nas instituições sociais caiu tanto? Quais são as variáveis que determinam a medida em que o público confia nessas instituições? E, finalmente, que medidas devem ser tomadas pelas instituições sociais para reparar sua relação com o público?

Como estudiosos de jornalismo interessados em entender como jornalistas e o público pensam e interagem uns com os outros, essas questões têm guiado nossa pesquisa há anos. Em nosso mais recente esforço para respondê-las, realizamos um projeto de pesquisa focado em entender como a desconfiança das pessoas em relação ao jornalismo se compara com a desconfiança de outra instituição diante de uma crise de credibilidade semelhante: a Saúde. Os resultados foram publicados em setembro de 2023 na revista Media & Communication.

Embora esses campos não sejam tipicamente pensados se tem algo comum, os profissionais de cada área não podem fazer seus trabalhos sem uma relação de confiança entre si e as pessoas que procuram servir. Pesquisamos 981 pessoas do público norte-americano e selecionamos 31 indivíduos que ofereceram uma amostra diversificada de adultos nos Estados Unidos. Em seguida, realizamos entrevistas em profundidade via Zoom para entender melhor seus pensamentos e interações com o jornalismo e com o sistema de saúde.

Encontramos semelhanças importantes –e diferenças ainda mais importantes– quando se trata da confiança das pessoas no sistema de saúde e suas experiências com os médicos em comparação com sua confiança no jornalismo e suas interações com os jornalistas. Embora as pessoas descrevam desconfiança tanto na saúde quanto no jornalismo, os indivíduos geralmente tendiam a confiar mais nos médicos do que nos jornalistas.

Essa diferença se deve à percepção do público sobre os médicos como especialistas em seu campo e ao fato de que os membros do público se envolveram mais com médicos individuais do que fizeram com os jornalistas. Muitos entrevistados acreditavam firmemente que os médicos tinham uma área específica de especialização e, como disse um entrevistado, “executariam testes para se certificar de que estão corretos” –como diagnosticar seus pacientes com um exame de sangue ou uma ressonância magnética.

Os entrevistados perceberam esses resultados como evidências que corroboram com as avaliações precisas dos médicos. Enquanto as ferramentas de diagnóstico médico serviram para confirmar a experiência dos médicos, as ferramentas das quais os jornalistas dependem, como conteúdo de áudio e vídeo, foram consideradas evidências que poderiam ser facilmente manipuladas ou retiradas do contexto.

Como resultado, as pessoas muitas vezes se envolvem em sua própria “checagem de fatos” improvisada das notícias, buscando informações em uma série de fontes adicionais para finalmente decidir se devem confiar em uma determinada história. Como um entrevistado explicou: “Eu só tenho confiança na minha capacidade de dizer o que é exato e o que não é”.

Os entrevistados também expressaram um maior nível de confiança nos médicos por causa da sua comunicação personalizada, que inclui mencionar o histórico médico de um paciente e ser acessível. Mesmo quando os entrevistados criticaram o sistema de saúde como um todo, eles falaram positivamente sobre as interações com seus prestadores de cuidados primários. “Eu senti que era capaz de tirar tudo do meu peito, e eu poderia até fazer piada disso”, explicou um entrevistado sobre a interação com seu médico. “Eu me senti encontrando um integrante da minha família ou alguém com quem eu me sentia à vontade”.

Um aspecto interessante de nossas descobertas foi que as pessoas eram, muitas vezes, claras sobre a distinção entre o sistema de saúde, que tendiam a descrever com desdém, e seu médico individual, que eles tendiam a descrever carinhosamente. Um entrevistado mencionou que marcar uma consulta com seu médico era um desafio “e que se tornou muito frustrante”. Mas na respiração seguinte essa pessoa disse: “Mas eu gosto do meu médico de cuidados primários”.

Não houve distinção equivalente feita no jornalismo. As pessoas que descreveram sua irritação com as notícias não fizeram distinção entre a indústria de notícias como um todo e o jornalista individual com quem tinham um relacionamento estabelecido. A exceção a isso foi a afeição das pessoas por âncoras de notícias de televisão, especialmente quando essas âncoras baixam a guarda um pouco, por exemplo, pedindo desculpas no ar por relatar erros.

“Um pedido de desculpas de um âncora sincero vai muito longe”, explicou um entrevistado. “Se você se identificar ou se sentir próximo ao âncora e eles fizerem um pedido de desculpas sincero, você quer aceitá-lo porque percebe que é uma coisa difícil de fazer”.

À luz de nossas descobertas, concluímos que 2 fatores são fundamentais para construir a confiança do público: engajamento pessoal e especialização. No jornalismo, a experiência e o engajamento são frequentemente apresentados como valores opostos, com alguns defendendo que os jornalistas mantenham uma distância do público em um esforço para demonstrar sua objetividade desapegada, enquanto outros argumentam que os jornalistas devem se envolver mais ativamente com o público para se apresentarem como pessoas dignas de sua confiança e apoio.

No entanto, nossa pesquisa sugere uma abordagem diferente: os jornalistas devem buscar o engajamento não como um substituto para a experiência, mas como um complemento para ela.

Apesar da natureza da indústria de notícias, que nos condicionou a acreditar que os jornalistas só têm relações unilaterais com seu público, tentativas recentes no campo sugerem que conexões mais próximas podem ser forjadas com sucesso se os jornalistas compartilharem seus conhecimentos e se envolverem com seu público. Os exemplos mais comuns dessa abordagem dupla envolvem diferentes formas de engajamento, com jornalistas usando as mídias sociais para se conectar com o público, realizar sessões de perguntas e respostas e/ou participar de eventos offline.

Enquanto isso, a importância do engajamento nos lembra de considerar a questão da acessibilidade. As pessoas lutam para se conectar com seus profissionais de saúde quando não têm seguro, assistência médica ou vivem em áreas com poucos médicos. Da mesma forma, no deserto de notícias, os moradores podem lutar para encontrar a oportunidade de se envolver com jornalistas locais, o que dificulta o estabelecimento de confiança em suas comunidades.

Em suma, para incentivar a confiança do público, os jornalistas devem encontrar maneiras de demonstrar que sua experiência é legítima e confiável, e isso significa equilibrar essa experiência com esforços deliberados para encontrar as pessoas onde elas estão. Resolver a crise de credibilidade do jornalismo deve começar com encontrar maneiras de as partes interessadas se envolverem significativamente com o público, ao mesmo tempo em que afirmam seus conhecimentos, mesmo neste momento em que o tempo é cada vez mais limitado para fazê-lo.

*Young Eun Moon é uma pesquisadora de pós-doutorado da Walter Cronkite School of Journalism & Mass Communication. Kristy Roschke é educadora de alfabetização de mídia e diretora acadêmica e gerencial do NewsCo/Lab, uma iniciativa da Cronkite School destinada a promover a alfabetização de mídia pelo jornalismo, educação e tecnologia. Jacob L. Nelson é professor assistente na Universidade de Utah e integrante do Tow Center for Digital Journalism na Universidade de Columbia. Seth C. Lewis é professor, diretor de jornalismo e titular fundador da cadeira Shirley Papé em mídia emergente na Escola de Jornalismo e Comunicação da Universidade do Oregon.

Texto traduzido por Anna Júlia Lopes. Leia o original em inglês.

O Poder360 tem uma parceria com duas divisões da Fundação Nieman, de Harvard: o Nieman Journalism Lab e o Nieman Reports. O acordo consiste em traduzir para português os textos que o Nieman Journalism Lab e o Nieman Reports e publicar esse material no Poder360.Para ter acesso a todas as traduções já publicadas, clique aqui.

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