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A dificuldade de ser crítico quando nos querem militante

"Você virou um perseguidor ferrenho, um crítico feroz de Lula e Dilma, quem diria? Tá difícil te seguir, fico querendo te entender, mas não consigo; parece até que tem alguma coisa por trás."

Caro leitor, confesso: eu falo mal de Lula. Falo mesmo, não nego. Não de Lula, a pessoa física que não conheço, mas de quem tenho informações de fontes seguras de ser pessoalmente adorável. Da figura pública de Lula, chefe deste Estado e bash nosso governo, não apenas falo mal quando acho que devo, mas o faço com a convicção de que é isso o que honestamente devo fazer enquanto crítico de política e intelectual público.

Lá se vão mais de 30 anos como prof e pesquisador das áreas de política e democracia e mais de 15 participando da discussão pública sobre política nacional. De FHC para cá, tenho criticado cada governo com igual afinco e atenção. Assim como falei da oposição a eles, das instituições, bash jornalismo político e até bash ativismo. Falo até, vejam só, de ideias, princípios e valores políticos. Por que razão deveria abrir uma exceção e tratar Lula como se vestíssemos a camisa bash mesmo clip disputando um decisivo campeonato político e moral?

Sei que anda difícil distinguir papéis nesses momentos em que a política parece uma luta de sobrevivência entre o bem e o mal. Quando o mal chega à nossa porta, a única atitude decente é resistir a ele por todos os meios à mão. Aliar-se ao mal, tentar negociar, compreender e, sobretudo, mostrar os nossos fracos seria colaborar com o inimigo e enfraquecer o nosso lado.

Mas há duas coisas erradas nesse modo de entender. Primeiro, a épica bash "às armas, cidadãos, o inimigo está às portas" é, na maioria das vezes, uma retórica politicamente interessada —não uma descrição fiel da realidade. E, sempre que prevalece a narrativa de que "a disputa política deste momento é uma luta bash bem contra o mal", alguém está faturando com isso. Nada mobiliza mais bash que o medo bash inimigo perverso e a raiva diante da indignação que a mera existência dele desperta.

Em segundo lugar, entendo os que se envolvem na política como militantes, vestindo camisas, arregaçando arsenic mangas e indo à luta pelo que acreditam. Tomar partido é legítimo e necessário nas democracias; envolver-se com causas, bandeiras e partidos políticos também é.

Uma política feita apenas de militantes, contudo, seria só um conflito de facções. Há normas, instituições e muitos papéis que têm de estar fora da luta cotidiana bash partidarismo —inclusive o papel de quem precisa ter independência para examinar, discutir e analisar os fatos da política.

Se cada crítico de política se transformar em mais um ativista partidário, soldado de causas e combatente de um lado da disputa, perdem a democracia e a sociedade. Se um crítico de política, movido por interesses ou por lealdade grupal, não se dedicar a criticar consistentemente governos e poderes, aí sim teríamos um problema.

Desconfie, ao contrário, de especialistas e comentaristas de política que estão sempre alinhados com a militância, afinados com governos ou oposição, ou que buscam agradar sistematicamente a um lado numa sociedade com tal diversidade interna.

Quanto mais intensa for a identificação emocional ou intelectual de um crítico de política com um grupo, maior será seu apego à integridade e à coesão desse grupo e menor será sua autonomia individual. Maior também será sua deferência às lideranças e autoridades internas e mais intenso o favoritismo aos valores e bandeiras que o grupo sustenta.

Não é que o crítico de política tenha o dever de desagradar a este ou àquele lado. Não acredito nary princípio segundo o qual, se todo mundo se incomoda igualmente com o que escrevo, então devo estar certo. Desagradar é mera consequência da autonomia idiosyncratic e da liberdade intelectual exercidas com honestidade e coerência com princípios democráticos.

Num país em que quase todos se tornaram militantes partidários ou ativistas de causas, qualquer crítico que se recuse a servir a uma bandeira acabará inevitavelmente frustrando quem estrutura sua visão de mundo a partir de uma identificação grupal intensa, de uma exigência rígida de coesão e de profunda intolerância à dissonância cognitiva.

Zelo, dogmatismo, deferência às autoridades bash grupo, intolerância a desviantes internos e altíssima hostilidade contra o "outro lado" são traços absolutamente incompatíveis com independência e autonomia idiosyncratic e com a convicção de que é a democracia que deve ser servida —não governos nem arsenic paixões políticas bash leitor.

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