Pesquisador do Ibre-FGV e do BTG Pactual e sócio da consultoria Reliance, o economista Samuel Pessôa atua no mercado com foco em crescimento e desenvolvimento econômico, taxas, educação e gastos no Brasil. Autor de diversos artigos acadêmicos publicados em revistas nacionais e internacionais, Pessôa vê a queda da inflação por motivos alheios a políticas econômicas propriamente ditas, mas resultantes de fatores, incluindo externos, como a política promovida pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
O economista participará, nesta quarta-feira (8), do Congresso Brasileiro de Economia, em Porto Alegre. Em entrevista ao Jornal do Comércio, Pessôa adiantou o tema de sua abordagem, que envolverá os cenários econômicos norte-americano e brasileiro.
Jornal do Comércio - Como avalias o cenário econômico brasileiro? Há possiblidade de inflação e taxa de juros diminuírem?
Samuel Pessôa – A inflação já está diminuindo. O pico dela foi no final do ano passado e, agora, vem caindo. Se eu tivesse conversando com você há 4 meses, eu teria dito que a inflação nesse ano seria de 6%. Hoje, eu acho que ela vai ser uns 4,8 %.
JC - Quais os fatores mais importantes nesse processo?
Pessôa – Foram três fatores que mudaram no cenário inflacionário nos últimos 5 meses, 4 meses. O primeiro fator é a valorização do câmbio. O (presidente Donald) Trump fez uma política que acho que foi ruim. Uma política que gerou um enfraquecimento da moeda americana contra todas as outras. Quando o dólar se enfraquece, há uma pressão desinflacionária no mundo todo. O segundo motivo é que a safra nesse ano está muito boa. A produção agrícola veio fortíssima. E isso gera uma moderação grande na inflação de alimentos. O terceiro motivo – esse a gente tem um domínio menor – é a inflação de serviços. Ela está alta bem acima da meta, mas não está acelerando rapidamente como os dados de mercado de trabalho deveriam sugerir.
JC – Em função de estar aumentando a empregabilidade?
Pessôa - Nós estamos com uma taxa de desemprego muito baixa, a menor taxa de desemprego da história. E uma taxa de desemprego tão baixa quanto essa deveria produzir uma aceleração maior da inflação de serviços, o que não está acontecendo. Ou seja, houve alguma quebra nas relações estatísticas históricas entre mercado de trabalho e inflação de serviços. Provavelmente, uma combinação de reforma trabalhista com uma mudança demográfica no País, isto é, tendo menos jovens. A gente sabe que o desemprego é muito concentrado em jovens. E, também, a melhora educacional da força de trabalho. E toda essa gig economy (modelo de trabalho informal, temporário ou de freelancers) que gerou uma série de ocupações, como motorista de Uber, entregador de refeições e até técnico de TI, que se adaptam melhor à estrutura da oferta de trabalho que temos. Todos esses mecanismos que elenquei aqui indicam que o mercado de trabalho, mesmo com um desemprego tão baixo, ele pressiona menos a inflação do que ele pressionava nas mesmas circunstâncias há 10, 15 anos atrás. Há sinais de que o mercado de trabalho está a pleno emprego, há sinais de haver um excesso de demanda para o trabalho. Mas não é muito intenso esse processo, e isso explica uma certa moderação da inflação de serviços, apesar de estar em um nível muito elevado.
JC – Já é possível projetar uma diminuição na Selic para o início do ano?
Pessôa - Eu acho que sim. Lá no BTG, onde eu trabalho, nós achamos que, ao longo de 2026, começando em janeiro, a taxa Selic deve cair de 15%. Deve chegar a 12% no final do ano que vem.
JC – Em relação ao endividamento público, qual sua projeção para esse cenário?
Pessôa - O quadriênio do terceiro mandato do presidente Lula vai produzir um aumento de endividamento de 11 pontos percentuais. A dívida pública vai crescer de 72% do PIB para 83% do PIB. Esse é o grande problema que o Brasil tem, que é o desequilíbrio fiscal. Eu disse para você que a Selic vai cair até 12% final do ano que vem, mas 12% ainda é uma Selic alta. A gente espera que o processo de queda de Selic dê continuidade em 2027. Mas para que esse processo continue, o novo governo eleito, independentemente de quem for, ele tem que aprovar diversas medidas para sinalizar um ajuste fiscal mais profundo no próximo mandato. Esse é o grande bode na sala que, é a grande dúvida que se tem: se próximo governo apoiará e fará esforços para aprovar no Congresso as medidas que são necessárias para controlar o crescimento do gasto público e construir uma situação em que o juro de equilíbrio seja bem mais baixo do que o que a gente observou nos últimos anos.
JC - Quais os riscos para o País caso esse endividamento continue?
Pessôa – O Brasil é um país emergente, e países emergentes, em geral, têm dívidas em torno de 50% do PIB. A gente tem uma dívida bem mais alta do que a dos nossos pares. O que acontece é que, se a dívida continuar crescendo, assim, sem uma perspectiva de mudança na dinâmica, as pessoas vão exigir juros maiores, prêmios de risco maior, o câmbio desvaloriza. O juro muito alto gera uma parada na economia e a gente entra numa crise fiscal como a de 2015. É uma crise de expectativas que gera uma reversão de investimentos, uma parada brusca no financiamento, câmbio desvaloriza muito, que é muito ruim para os negócios. Os juros de longo prazo crescem em função do aumento do prêmio de risco. Isso machuca as empresas que já estão esgotadas com ciclo de tempo alto por tanto tempo. Os efeitos são muito ruins, nós já vivemos esses efeitos em outras oportunidades.
JC – Em relação ao tarifaço dos Estados Unidos, como o avalia o desempenho do governo federal?
Pessôa - Acho que o desempenho do presidente Lula e o desempenho do governo brasileiro nessa questão do tarifaço, desde o início, me pareceu que foi correto. Havia, no início do processo, certas exigências de natureza política que não cabiam ao presidente responder. Seria uma interferência de uma outra nação sobre questões do judiciário. Por outro lado, no campo econômico, o governo não retalhou. O fato de Trump ter colocado pesadas tarifas nas nossas exportações de diversos produtos para os Estados Unidos, não ensejou por parte nossa uma retaliação, o que foi muito bom, porque a retaliação só iria piorar. Ou seja, de maneira geral, a resposta do governo brasileiro me pareceu adequada. Parece que agora Trump está amigo do Lula (risos), e isso é bom, é melhor assim.

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