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A reforma tributária vai mudar os negócios

A reforma tributária de bens e serviços não é apenas um rearranjo do sistema: ela representa uma transformação interna das empresas brasileiras, uma mudança estrutural que afetará finanças, operações, tecnologia, pessoas e governança.

O debate sobre a reforma tributária costuma ser apresentado em termos técnicos, tais como mudanças de alíquota, impactos sobre produtividade e no ambiente de negócios, novos impostos e simplificação.

Com certeza, será uma reforma de impostos, a mais importante dos últimos 50 anos no Brasil. Mas, sobretudo, será uma reforma sobre como as empresas funcionam. E como percebemos a diferença que os diferentes estilos de liderança poderão fazer para o futuro das suas organizações.

A partir de 2026, o Brasil dará início à transição para um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) com crédito financeiro amplo, tributação no destino com bases tributáveis uniformizadas e regras mais padronizadas. A simplificação, no entanto, não elimina a complexidade da implementação. Pelo contrário: ela desloca o desafio para dentro das organizações. E é por isso que os próximos anos serão decisivos.

O primeiro impacto é o tecnológico. Os sistemas internos terão de ser reprogramados, os motores de apuração reconstruídos, os cadastros ajustados, os controles automatizados. O novo modelo exige precisão: o crédito é automático, a nota fiscal se torna mais inteligente, e o imposto poderá ser recolhido pelo mecanismo de split payment, em que a parte tributária do pagamento vai direto ao governo. Isso reduz inadimplência tributária, falhas de conformidade, mas aumenta a dependência de sistemas confiáveis.

No passado, o risco tributário vinha da interpretação. Agora ele nasce de falha operacional ou mesmo tecnológica.

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Outro impacto profundo está na lógica financeira. A reforma mexe em preços relativos, redistribui competitividade entre setores e altera margens que antes pareciam estáveis. Com o maior alinhamento da tributação entre bens e serviços, empresas industriais tendem a recuperar eficiência; setores de serviços tendem a enfrentar pressão tributária. A precificação precisará ser revisada linha a linha, e indicadores de desempenho, tais como EBITDA (margem operacional) e ROIC (retorno sobre o capital investido), terão de ser recalibrados.

Além disso, o fluxo de caixa será redesenhado. O split payment retira do caixa das empresas parte da flexibilidade que existia no modelo anterior. Haverá mais créditos acumulados no início da transição e mais necessidade de planejamento de capital de giro. O setor financeiro já começa a antecipar esse deslocamento, que poderá acelerar fusões e aquisições como forma de lidar com esse legado.

No âmbito operacional, a reforma deve reordenar cadeias de suprimentos e estrutura logística. Sem guerra fiscal predatória, decisões de localização deixam de ser tributárias e voltam a ser econômicas. Plantas industriais, centros de distribuição e parcerias com fornecedores precisarão ser reavaliados. A reorganização pode gerar custo de curto prazo, mas tende a aumentar a eficiência estrutural. Estados e municípios poderão remodelar seus incentivos que, se continuarem a fazer sentido, terão que transitar pelos orçamentos públicos na forma de subvenções, financiadas pelo novo fundos de desenvolvimento regional.

Tudo isso exige novas competências. Os profissionais da área tributária precisam ser rapidamente preparados para entender de dados, tecnologia, automação e operações. A área fiscal deixa de ser um protocolo interpretativo para se tornar um sistema técnico-operacional, integrado à tecnologia da informação (TI), ao financeiro e às operações.

A pergunta central, portanto, não é "o que a reforma muda?". E, sim: "Estamos cientes dos desafios e preparados para operar o novo modelo?".

E aqui entra o papel da governança interna e dos Conselhos de Administração.

A reforma tributária é um tema de governança; não porque os Conselhos devam dominar seus detalhes técnicos, mas porque a magnitude da mudança exige coordenação estratégica, supervisão de riscos, priorização executiva e extremo cuidado com as partes interessadas. E tudo isso num ciclo com custo de capital elevadíssimo e desafios imensos na sua alocação.

São os Conselhos que devem orientar para que a empresa revise sua estrutura de preços e margem; esteja tecnologicamente pronta até 2026; avalie riscos financeiros da transição; reexamine contratos e dependências da cadeia de suprimentos; prepare suas equipes para operar com novos sistemas e regras. E, por fim, redefina sua estratégia de geração de valor de médio prazo diante de novos preços relativos e de desafios diferentes de compliance e relacionamento com fornecedores.

Uma transição dessa escala não pode ser delegada. Ela exige visão, alinhamento e capacidade de execução. São três que dependem diretamente da qualidade da governança.

Ao final, a reforma tributária será um enorme teste para as empresas brasileiras. Algumas sairão dela mais fortes: com operações mais eficientes, controles mais robustos, estrutura de custos mais clara e menor fragilidade jurídica (menos litígios). Outras, menos preparadas, podem enfrentar perdas de margem, rupturas operacionais, dificuldades de fluxo de caixa e riscos reputacionais.

A diferença entre um caminho e outro estará menos na reforma em si e mais na capacidade de organização interna, assim como a objetividade da atuação dos Executivos e dos Conselhos.

A reforma tributária vai mudar as empresas. E serão as empresas, no seu conjunto, que poderão mudar o Brasil e retirá-lo dos rankings dos sistemas tributários mais complexos, litigiosos e ineficientes do planeta.

A transição será bem complexa para os negócios. Mas, se tivermos sucesso nessa empreitada, em alguns anos, nossas empresas estarão mais eficientes e competitivas; seus clientes ou consumidores terão uma visão mais transparente da carga de impostos que pagam; os investidores terão uma visão mais positiva do ambiente de negócio; e o país crescerá potencialmente mais, de modo mais sustentado.

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