Membros da seita Lev Tahor rezando na Guatemala

Crédito, JOHAN ORDONEZ/AFP via Getty Images

Legenda da foto, A comunidade judaica colombiana rejeita as tradições e ações da seita Lev Tahor

As autoridades colombianas anunciaram no domingo (23/11) o resgate de 17 menores de idade da seita judaica ultraortodoxa Lev Tahor.

A operação ocorreu no sábado em Yarumal, no departamento de Antioquia. Foram identificados cinco meninos, meninas e adolescentes com ordem de busca emitida pela Interpol, por sequestro e tráfico de pessoas.

Relatos policiais mencionados pelas agências de notícias AFP e EFE indicam que os menores seriam provenientes da Guatemala, Estados Unidos e Canadá.

"Existem indícios de que alguns deles teriam sido raptados, o que configuraria um possível cenário de tráfico de pessoas sob amparo de doutrina religiosa", destacou o departamento de Migração da Colômbia.

Segundo as autoridades, eles estariam "procurando um país onde não houvesse restrições para poder dar prosseguimento a supostas atividades irregulares".

Os menores foram transportados para o Centro Facilitador de Serviços Migratórios de Medellín, onde receberam acompanhamento profissional.

Segundo a diretora do departamento de Migração colombiano, Gloria Arriero, ao todo, "foi estabelecida a identificação migratória de 26 pessoas", entre elas os menores resgatados.

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A presença da seita Lev Tahor não é novidade na América Latina.

O grupo foi criado em Israel nos anos 1980 e passou por diferentes países da região, incluindo o México e a Guatemala, onde enfrentaram acusações de sequestro, tráfico, gravidez forçada e violação, entre outros delitos.

Em dezembro de 2024, as autoridades guatemaltecas resgataram 160 crianças de um assentamento da seita na localidade de Oratorio, no departamento de Santa Rosa, a cerca de 60 km a sudeste da capital, a Cidade da Guatemala.

Os porta-vozes da Lev Tahor sempre negaram as acusações e denunciam a prática de perseguição religiosa.

Mapa - Yarumal (Colômbia), localização da operação policial que regstaou 17 menores da seita Lev Tahor

A seita itinerante

Lev Tahor significa "coração puro" em hebraico. A seita foi fundada em Jerusalém pelo rabino Shlomo Helbrans (1962-2017), no ano de 1988.

Ela contaria com 250 a 500 membros, segundo estimativas, e enfrentou, desde a fundação, diversas acusações de abuso infantil, pedofilia, sequestros e negligência com menores de idade.

Tudo isso levou seus membros a mudar constantemente de localização, para evitar as intervenções da Justiça.

Em 1990, Helbrans transferiu o grupo para os Estados Unidos, onde estabeleceu uma escola judaica no Brooklyn, em Nova York.

Poucos anos depois, a Lev Tahor enfrentaria seus primeiros problemas com a Justiça.

Em 1993, Helbrans foi preso em Nova York. Ele foi acusado de sequestrar um adolescente que estudava com ele para se preparar para o seu bar mitzvah, o ritual religioso judaico que marca o início da transição da infância para a idade adulta.

Os pais do menor acusaram Helbrans de tentar fazer "lavagem cerebral" com seu filho e o rabino os acusou de abusar da criança.

A Justiça condenou Helbrans por sequestro. Ele passou dois anos na prisão, até conseguir a liberdade condicional em 1996.

No ano 2000, o rabino foi deportado para Israel. Ele não permaneceu no país por muito tempo, pois decidiu seguir para perto da sua comunidade, na província de Quebec, no Canadá.

A seita se estabeleceu em Sainte-Agathe, uma pequena cidade de cerca de 10 mil habitantes, localizada a cerca de duas horas de distância de Montreal, por via terrestre.

Ali, também surgiram novas denúncias contra o grupo, que foi acusado de negligência infantil pela assistência social em 2013. A imprensa local noticiou na época que as autoridades canadenses estavam preocupadas com a saúde e a higiene dos menores, bem como sua educação.

Aparentemente, as crianças educadas em casa não estavam adquirindo o conhecimento básico em matemática.

Guatemala e México

Pouco tempo depois, os membros da seita abandonaram o país para se estabelecer na localidade de San Juan La Laguna, na Guatemala, habitada principalmente por indígenas maias. Mas eles não foram bem acolhidos.

Após vários meses de desentendimentos, o conselho de anciãos local decidiu expulsar o grupo. Eles consideraram que seus membros rejeitavam a população local, se negavam a cumprimentá-los, a se misturar e até mesmo a falar com os moradores.

"Nós nos sentimos intimidados por eles nas ruas. Pensamos que eles querem mudar nossa religião e nossos costumes", declarou à agência Reuters, na época, o integrante do conselho de anciãos Miguel Vásquez Cholotio.

Para forçar sua saída, as autoridades locais deram um ultimato e ameaçaram cortar seu acesso aos serviços públicos.

A seita decidiu se transferir para a Cidade da Guatemala, onde sua sede logo sofreu uma batida por fiscais do Ministério Público do país. Eles investigavam se havia ali casos de maus tratos de crianças.

O cidadão israelense Yoel Alter, de 35 anos, membro da seita judaica ultraortodoxa Lev Tahor, escoltado por agentes da polícia guatemalteca, após ser detido em um tribunal da Cidade da Guatemala, no dia 24 de janeiro de 2025

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, O cidadão israelense Yoel Alter, de 35 anos, membro da seita judaica ultraortodoxa Lev Tahor, escoltado por agentes da polícia guatemalteca

Em 2016, eles voltaram a se transferir, desta vez para a localidade de El Amatillo, no município de Oratorio, que fica a cerca de 80 km da Cidade da Guatemala.

Um ano depois, a imprensa israelense noticiou a morte de Helbrans, supostamente ocorrida enquanto realizava um ritual religioso em um rio no Estado de Chiapas, no sul do México.

A liderança da Lev Tahor ficou, então, a cargo do filho do fundador, Nachman Helbrans, considerado ainda mais extremista.

Em 2018, houve um sequestro de dois menores, que foram levados para Nova York pela sua mãe, depois de escaparem da comunidade instalada na Guatemala. O caso terminou com nove membros da Lev Tahor acusados e quatro deles presos, incluindo Nachman Helbrans. Ele era irmão da mãe das crianças.

Também em 2018, integrantes do grupo chegaram a solicitar asilo no Irã, jurando lealdade ao líder supremo do país, o aiatolá Ali Khamenei.

Nos últimos anos, eles tentaram se estabelecer em países da Europa oriental e dos Bálcãs, como a Romênia, a Turquia e a Macedônia do Norte, de onde foram deportados.

Detecção na Colômbia

Relatos da imprensa local e de outras fontes consultadas pela BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC) indicam que os membros da Lev Tahor chegaram à Colômbia no final de outubro.

O jornal El Colombiano afirma que sua presença em Yarumal (um município de cerca de 44 mil habitantes) não passou despercebida entre a população local.

O departamento de Migração colombiano liderou a verificação dessas pessoas em um estabelecimento hoteleiro.

"Sobre alguns dos seus membros, existem alertas relacionados a supostos delitos contra menores, incluindo condenações anteriores contra líderes desta comunidade por sequestro e exploração infantil", declarou Gloria Arriero.

O professor de Diplomacia e Relações Internacionais Marcos Peckel, representante da comunidade judaica na Colômbia, comemorou a operação realizada pelas autoridades do país.

"Foi rápido e oportuno", declarou ele à BBC. "Eles estão aqui há um mês e, agora, esperamos que esta seita não se estabeleça na Colômbia. Comemoramos a operação porque os retirou da sua zona de conforto."

Peckel esclarece que a seita não mantém nenhum tipo de vínculo com a sua comunidade e que nunca recebeu contatos dos seus membros, nem na Colômbia, nem na Guatemala.

"A Lev Tahor é contrária à lei e às tradições judaicas", destaca ele.

A preocupação de que a Colômbia se transforme em um possível refúgio para a seita é considerável.

Com sua geografia acidentada, diversas zonas remotas e pouca presença do Estado, o país oferece territórios isolados, que foram utilizados por décadas como refúgio por grupos armados e criminosos.

Mas, até o momento, Peckel confia que as autoridades estejam acompanhando o tema de perto e descarta que haja colombianos integrados à seita.

"Todos os implicados na operação são estrangeiros", afirma ele.

Membros da seita Lev Tahor se manifestam fora dos centros de acolhida onde foram deixadas as crianças resgatadas pelas autoridades guatemaltecas, em janeiro de 2025

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Membros da seita Lev Tahor se manifestam no lado de fora dos centros de acolhida onde foram deixadas as crianças resgatadas pelas autoridades guatemaltecas, em janeiro de 2025

Alimentação e vestimenta rigorosas

O grupo pratica muitos costumes do chassidismo, uma corrente ortodoxa e mística do Judaísmo. Mas sua aplicação é ainda mais rigorosa.

Esse rigor também se reflete no seu código de vestimenta. As mulheres devem ser cobertas com roupa preta dos pés à cabeça, deixando à vista somente o rosto. Já os homens se vestem de preto, usam chapéu e nunca fazem a barba.

Sua alimentação se baseia em uma dieta que segue as leis do kashrut, o conjunto de normas bíblicas que estabelece quais são os alimentos adequados (kosher) para consumo pelos praticantes do Judaísmo.

Mas, também aqui, eles seguem uma versão mais extrema. A maior parte dos seus alimentos é preparada em casa, utilizando ingredientes naturais e não processados.

Mulher membro do grupo Lev Tahor, caminhando com sua vestimenta tradicional pelas ruas de Ontário, no Canadá

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, A imprensa denominou o grupo como o 'talebã judaico', pelas suas práticas em relação às mulheres e meninas

Os membros da Lev Tahor não comem frango, nem ovos de galinha. Eles consideram que estes alimentos foram manipulados geneticamente. Mas consomem gansos e seus ovos.

O grupo também não come arroz, cebolas verdes ou verduras, com medo de que haja algum inseto.

No caso dos demais vegetais e das frutas, eles sempre retiram a casca antes de consumi-los, inclusive no caso do tomate.

Em relação às bebidas, eles só tomam leite de vacas que eles próprios possam ordenhar e preparam seu próprio vinho.

Já as crianças não podem comer guloseimas compradas no comércio. Seus doces devem se limitar ao consumo de chocolate feito em casa, frutas in natura, frutas secas e sementes.

Sua relação com a tecnologia também é extremamente limitada. Eles evitam o uso de aparelhos eletrônicos, incluindo televisores e computadores.

Antissionistas e austeros

A postura política do grupo é contrária ao sionismo. Eles temem que a fé judaica seja substituída pelo nacionalismo secular no Estado de Israel.

Apesar das suas posturas extremas, os membros da seita acreditam que operam totalmente dentro das fronteiras da tradição e das normas religiosas judaicas. E que, na realidade, não há nada de novo, nem de diferente, naquilo que fazem.

"Eles se consideram os únicos que seguem o verdadeiro caminho, como guardiões das muralhas, como os defensores da última chama que resta no mundo judaico", escreveu o jornalista Shay Fogelman, do jornal israelense Haaretz.

Em 2012, Fogelman teve a rara oportunidade de passar cinco dias convivendo com os membros da comunidade Lev Tahor.

"Eles sentem desprezo pelos outros ramos do chassidismo, que consideram transigentes demais, e os qualificam como desprezíveis e degenerados", prossegue ele.

Fogelman afirma que a exigência básica aos membros da Lev Tahor é "venerar e servir a Deus a todo momento, com toda sua alma e coração".

"Suas bibliotecas só têm livros judaicos. Em suas casas, não há televisores, rádios ou computadores."

"Conceitos como ter tempo livre, ampliar os próprios horizontes ou buscar o desenvolvimento pessoal, no seu estrito sentido ocidental, não existem aqui", descreve o jornalista.

Membro da Lev Tahor reza no lado de fora de um dos centros de acolhida de menores resgatados pelo Estado da Guatemala

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, A reza e o estudo da Torá são partes fundamentais das práticas dos membros da Lev Tahor

"As paredes das suas casas não incluem nenhuma decoração", acrescenta ele. "Não há fotos, amuletos, nem fotografias de rabinos."

"Na maior parte dos casos, os únicos adornos são os candelabros, as menorás ou objetos religiosos de prata, todos guardados em uma caixa de vidro."

Paralelamente a esta descrição da vida austera de entrega religiosa da seita, surgiram nos últimos anos diversas acusações em relação ao uso de formas extremas e violentas de controle sobre seus membros. Elas incluem o uso de castigos corporais contra menores e o casamento forçado de mulheres menores de idade com homens idosos.

Estas denúncias foram apresentadas por ex-membros da seita e seus familiares.

"A comunidade também é acusada de promover o casamento entre menores de idade. Mas nunca o fizemos", declarou à BBC News Mundo um de seus membros, em 2019.

"Isso é algo pessoal. Se alguém se sentir com capacidade e pronto para poder formar família segundo seus princípios religiosos, é uma decisão de cada um. Não se pode proibir o direito de alguém querer se casar."