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Ações afirmativas são cruciais para mulheres; queremos agora ações transformativas, diz Cármen Lúcia

A ministra Cármen Lúcia é a única mulher na atual composição do STF (Supremo Tribunal Federal). Dos 172 ministros que passaram pela corte ao longo de 134 anos, apenas três são mulheres. Ao lado de Cármen estiveram Ellen Gracie e Rosa Weber.

A ministra diz que ações afirmativas têm sido determinantes para que mulheres consigam "alguns pequenos espaços", mas que é urgente sensibilizar a sociedade para a necessidade de sermos plurais e diversos. "Queremos, agora, ações transformativas."

"Há mulheres competentes na área jurídica brasileira, juízas talentosas, comprometidas com o Direito democrático, independentes, com experiência na magistratura e na advocacia, com notável saber jurídico e que podem ter seus nomes considerados e levados aos cargos mais elevados da magistratura nacional", disse à Folha a ministra, homenageada do ano no Prêmio Todas 2 Folha/Alandar, em entrevista por email.

Após a aposentadoria da ministra Rosa Weber, em setembro de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) escolheu Flávio Dino para a vaga. Recentemente, com a saída de Luís Roberto Barroso, o petista indicou Jorge Messias, que ainda precisa ser sabatinado e aprovado pelo Senado. Em dez indicações que já pôde fazer nos seus três mandatos, Lula escolheu apenas uma mulher para o Supremo, a própria Cármen Lúcia.

No plenário da corte, Cármen com frequência cita desigualdades de gênero e de raça persistentes na sociedade brasileira. A ministra não poupa os colegas e também chama a atenção para as diferenças de tratamento às mulheres no colegiado.

Em 11 de setembro deste ano, data em que a Primeira Turma do STF concluiu o julgamento que condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por tentativa de golpe de Estado, a ministra proferia seu voto quando Flávio Dino pediu a palavra.

"Desde que seja rápido", respondeu Cármen Lúcia a Dino. "Porque nós, mulheres, ficamos 2.000 anos caladas e nós queremos ter o direito de falar. Mas concedo [o aparte], como sempre", acrescentou.

Quando presidiu o Supremo, a ministra também se posicionou sobre o tema em algumas ocasiões. Em uma sessão em maio de 2017, após um debate sobre de quem era a vez de votar, Luiz Fux brincou com Rosa Weber: "Concedo a palavra para o voto integral".

Cármen Lúcia então mencionou um estudo feito nos Estados Unidos a partir da análise de 15 anos de transcrições de sustentações orais que apontou que, embora as ministras façam menos uso da palavra, elas são interrompidas de forma significativamente maior.

"Como concede a palavra? É a vez dela [Rosa Weber] de votar. Ela é quem concede, se quiser, um aparte", disse Cármen a Fux, na ocasião. E prosseguiu: "Foi feita uma pesquisa em todos os tribunais constitucionais onde há mulheres, o número de vezes que as mulheres são aparteadas é 18 vezes maior do que entre os ministros. E a ministra Sotomayor [da Suprema Corte americana] me perguntou: 'como é lá?'. Lá, em geral, eu e a ministra Rosa, não nos deixam falar, então nós não somos interrompidas."

Cármen Lúcia preside o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) atualmente e comandou as últimas eleições municipais, em 2024.

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Quanto à baixa representação das mulheres também na política, a ministra aponta a misoginia como algo a ser enfrentado. "As violências políticas culminam com as mulheres sendo atingidas por discursos odientos, violentos, que atingem familiares, amigos e pessoas das relações das mulheres, fazendo com que a participação das mulheres diminua ou sejam elas muito ameaçadas em sua busca de participação política e administrativa no espaço público", disse à reportagem.

Embora as mulheres sejam maioria do eleitorado apto a votar (52%), somente 18% dos eleitos no pleito de 2024 eram mulheres.

Temas ligados à dignidade das mulheres são caros para Cármen Lúcia, ela diz. No CNJ (Conselho Nacional de Justiça), a ministra institucionalizou a Campanha da Justiça pela Paz em Casa, que determina que julgamentos de casos de violência contra a mulher tenham prioridade em todos os estados e no Distrito Federal durante três semanas: em março, na semana do Dia Internacional da Mulher; em agosto, em celebração à Lei Maria da Penha; e em novembro, em razão dos 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher.

"O número de julgamentos ocorridos nestes dez anos impressiona e configura uma mudança, que era imprescindível que ocorresse", afirmou a ministra sobre a campanha, instituída em 2015.

Uma série de casos de violência contra a mulher chocaram o país nos últimos dias, e as estatísticas apontam que os episódios têm aumentado. Até o início de dezembro, a cidade de São Paulo, por exemplo, registrava 53 casos de feminicídio neste ano, recorde da série histórica, segundo dados da Secretaria da Segurança Pública.

Na avaliação da ministra, o Poder Judiciário está mais atento e tem sido feito um esforço para sensibilizar a magistratura.

"As escolas de aperfeiçoamento dos juízes têm realizado cursos para conferir maior sensibilidade à magistratura para julgar também com perspectiva de gênero. Há especialização, em algumas capitais e em poucas comarcas ainda, de varas para julgamento de casos de violência doméstica. É um avanço", diz.

Em encontro no TSE no último dia 24, a ministra lembrou que mulheres negras e pobres são as mais vulneráveis à violência e que a democracia brasileira não atingirá a plenitude enquanto as agressões persistirem. "Não há democracia com desigualdade, discriminação e violência", disse.

A ministra também tem demonstrado preocupação com as manobras que buscam enfraquecer a efetividade das cotas de gênero nas eleições. Em maio de 2024, o TSE, sob a presidência de Alexandre de Moraes, aprovou uma súmula para combater fraudes às cotas.

Então vice-presidente da corte, Cármem Lúcia elogiou a medida. "Esta é a luta de toda a minha vida, a luta pela igualdade geral."

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