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ANÁLISE: Discreto, paciente e acessível, Leão XIV sinaliza ser um papa com 'cheiro de ovelha', próximo ao povo

Por conta do meu trabalho principal —diretor da fundação The Lay Centre, uma residência universitária e centro de formação em Roma–, tive a oportunidade de encontrar o cardeal Prevost algumas vezes. Ele sempre chegou sozinho aos eventos, dirigindo o próprio carro, de forma simpática, discreta e acessível. Nos encontros, falava em inglês, italiano ou espanhol.

Respondia e-mails e comunicações rapidamente, às vezes no dia seguinte. Quando estava presente, fazia questão de ficar o tempo necessário, sem pressa de ir embora. E, acima de tudo, durante as missas que celebrava, rezava e pregava com profundidade e eloquência, e em diferentes idiomas.

Para além da experiência pessoal, três pontos me chamaram a atenção nesses primeiros momentos de papado de Leão XVI:

  • Um papa pastor: Os cardeais da Igreja mantiveram a sintonia com Francisco
  • Um tabu superado: parecia ser impossível ter um papa dos Estados Unidos
  • "A paz esteja com todos vocês": as primeiras palavras do pontífice refletem um sonho e uma convicção

Papa Leão XIV na quinta-feira, ao aparecer pela primeira vez na sacada da Basílica de São Pedro — Foto: Yara Nardi/File Photo/Reuters

Entre a morte de Francisco e a data do conclave, ficaram mais evidentes os temas discutidos pelos cardeais nas "congregações gerais", as reuniões pré-conclave. Tanto a sala de imprensa da Santa Sé quanto os próprios cardeais, em conversas com jornalistas, deixavam sinalizar um pensamento essencial: ainda precisamos de um papa de perfil "pastor".

Entre os principais temas do último dia das congregações, de acordo com o Vaticano, estava a convicção de que "muitas das reformas promovidas pelo papa Francisco precisam ser levadas adiante: o combate aos abusos, a transparência econômica, a reorganização da Cúria, a sinodalidade, o compromisso com a paz e o cuidado com a criação. A responsabilidade da Igreja nessas áreas é sentida de forma profunda e compartilhada”.

Prevost é essencialmente um "missionário": foi bispo e superior geral da Ordem de Santo Agostinho por muitos anos —portanto, também um homem de governo. Deixou os Estados Unidos aos 27 anos para fazer seu doutorado em direito canônico, o direito da Igreja, em Roma e, em seguida, foi enviado para o Peru, onde viveu por quase 30 anos, dos quais oito como bispo de Chiclayo, uma diocese periférica.

"Viva o papa americano e força, Roma!", disse hoje um rapaz, no metrô, referindo-se ao pontífice e ao clube de futebol —o novo papa, aliás, é fã da Roma e conhecido por ser exímio tenista.

Prevost claramente tem características muito desejáveis em um papa: ampla experiência pastoral e de governo; é um poliglota, capaz de falar inglês, espanhol, italiano, francês e português, além de ler latim e alemão; conhece muitas comunidades no mundo; viveu em Roma por muitos anos, dos quais os últimos três como prefeito do Dicastério para os Bispos; e tem 69 anos, uma idade que, em boa saúde, lhe permitirá ser um papa bastante ativo por pelo menos 10 ou 15 anos.

Mas havia um tabu que impunha resistências ao seu nome: o simples fato de ter nascido nos Estados Unidos. Um papa americano era algo impensável para muitos analistas. A Itália, que desde a Segunda Guerra Mundial teve que se submeter à influência da superpotência global, ainda resiste a preservar elementos culturais e históricos que considera primordialmente seus. O papado é um deles.

Além disso, os Estados Unidos são uma importante fonte de financiamentos para projetos de caridade da Igreja, o que por si só já resulta em ingerência nos processos de decisão.

Ainda assim, o primeiro papa americano da história chegou. Durante a coletiva de imprensa dos cardeais brasileiros após o conclave, perguntei a dom Jaime Spengler, arcebispo de Porto Alegre, presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e do Conselho Episcopal Latino-americano (Celam), como os cardeais ponderavam sobre a origem do novo pontífice.

Ele respondeu: "A genética dele é francesa e espanhola, a nacionalidade é americana; como missionário, é latino-americano; como bispo, é profundamente latino-americano; e, como superior dos agostinianos, foi extremamente universal. É um privilégio termos como papa um homem com essa visão de mundo que ele tem".

‘A paz esteja com todos vocês’

Em sua primeira aparição pública, o papa Leão XIV declarou: "A paz esteja com todos vocês!", e continuou: "Esta é a paz de Cristo ressuscitado, uma paz desarmada e uma paz desarmante, humilde e perseverante. Ela vem de Deus, Deus que nos ama incondicionalmente".

A referência tem a ver com passagem do evangelho sobre o encontro de Jesus Cristo, após a ressurreição, com os apóstolos. Naquele momento, diz o texto bíblico, após a morte de Cristo, seus discípulos estavam desiludidos e confusos –haviam acabado de perder o seu mestre. Cristo volta e diz "A paz esteja convosco", frase até hoje repetida nas liturgias católicas. Essa saudação de paz trouxe conforto e novo vigor à então Igreja primitiva.

No mundo de hoje, assolado pelas guerras, o novo papa faz um apelo de paz, uma paz "desarmada e desarmante", descreveu, "humilde e perseverante". A uma Igreja que parecia órfã de um líder, de um pastor, lembrou o papa Francisco, que daquela mesma sacada abençoou os fiéis em uma inesperada despedida.

Ressoando seu predecessor, Leão XIV pediu união e ajuda em seu ministério. "Deus nos ama, Deus ama todos vocês, e o mal não prevalecerá", disse. "Ajudem-nos também a nós, e depois uns aos outros, a construir pontes, com o diálogo, com os encontros, unindo-nos todos para sermos um só povo sempre em paz."

Curiosidades sobre o papa Leão XIV

Curiosidades sobre o papa Leão XIV

Filipe Domingues, 38 anos, foi repórter do g1 e é jornalista especializado em Vaticano baseado em Roma, onde vive há nove anos. Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, onde ensina Comunicação, é também diretor do Lay Centre, uma residência universitária.

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