Uma anistia a envolvidos nos ataques golpistas de 8 de janeiro por meio da redução de penas pode ser tentada no Congresso, mas seria inusual, afirmam especialistas ouvidos pela Folha. Além disso, o projeto é visto como tendo problemas desde a sua origem e pode sofrer impacto com o atendado a bomba na última quarta-feira (13) à sede do STF (Supremo Tribunal Federal).
Professores de direito falam em desvio na maneira como o instrumento jurídico da anistia é tradicionalmente acionado, em brechas desde a origem que podem levar à judicialização junto ao Supremo, e na ausência de uma comoção social que justifique a medida.
A ideia de tentar uma anistia que, em vez de promover o perdão total, proponha a redução das penas já foi aventada por parlamentares. Outra proposta é a anistia apenas a crimes menores, como já defendido por José Múcio Monteiro, ministro da Defesa do presidente Lula (PT).
A pauta, entretanto, recebeu balde de água fria depois que Francisco Wanderley Luiz, 59, explodiu-se na praça dos Três Poderes. O diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, e o ministro Alexandre de Moraes (STF) indicaram relação entre o atentado e os ataques de 8 de janeiro. Integrantes da direita, porém, tentam tratar o episódio como caso isolado.
Em entrevista ao UOL no início do mês, Mucio disse que a anistia não deveria se estender ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e àqueles que tenham atentado contra o Estado democrático de Direito, sendo restrita a "casos leves".
No final de outubro, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), anunciou que criaria uma comissão especial para tratar do projeto de lei que visa anistiar participantes dos ataques golpistas, o que ainda não foi feito.
Mais de 1.400 pessoas foram presas em razão do episódio. Até o momento, já foram condenadas mais de 260. Mais de 470 acusados validaram acordos de não persecução penal.
As penas chegam a 17 anos de prisão e fazem referência a crimes que vão desde abolição violenta do Estado democrático de Direito e golpe de Estado a danos contra o patrimônio da União.
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Segundo Diego Nunes, professor de direito penal da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), a anistia é tradicionalmente utilizada para conceder o perdão completo, não para reduzir penas.
"Em tese, se ela faz mais [perdoar totalmente], poderia fazer menos, o que seria comutar as penas. Mas isso não é como tradicionalmente ocorre", afirma.
"Mas, para fazer essa comutação, teria que entrar em detalhes sobre como foi a sentença e, em geral, o Parlamento não faz isso. Seria algo estranho ao exercício do poder de anistia."
Nunes diz que a forma mais correta para a redução de penas é o indulto coletivo, concedido pelo presidente da República. Mesmo para o indulto, afirma, a iniciativa pareceria precoce, uma vez que pessoas que pegaram até 17 anos de prisão estão há pouco tempo cumprindo a pena.
"O sujeito teria que estar cumprindo três, quatro anos para a gente começar a pensar no indulto. E o indulto poderia significar não necessariamente colocar alguém em liberdade, mas mudar de regime carcerário, ir do fechado para o semiaberto, por exemplo."
Ele também afirma soar "estranha" a realização da anistia, normalmente justificada por tensionamento político significativo que a faz necessária para a paz social.
No caso do 8 de janeiro, diz o especialista, a maioria das pessoas parece concordar que houve crimes que precisam ser punidos, mesmo entre apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), investigado por participar de tentativa de golpe que impediria a posse de Lula.
Segundo ele, o que se questiona é o possível tempo de pena alto das condenações, em alguns casos. Mas a anistia não foi pensada para discutir o quanto das penas não faz sentido, diz. Para o professor, o atentado da última quarta-feira confirma a necessidade de punição para que situações semelhantes não voltem a ocorrer.
Luisa Ferreira, professora de direito penal da FGV Direito SP, afirma que não há como reduzir a pena de um crime em si, mas é possível aprovar o perdão para algumas das condenações.
"Como as pessoas do 8 de janeiro foram condenadas por mais de um crime, as penas foram somadas, dando um total alto", afirma. "A pena seria reduzida extinguindo-se a punibilidade por um desses crimes."
Ela, entretanto, diz particularmente entender que a discussão sobre se a pena está alta ou não precisa ser travada no Judiciário.
Luisa Ferreira também argumenta que não parece haver um contexto político que justifique a anistia, normalmente utilizada em cenários em que, por exemplo, é necessário perdoar "dois lados" para dar continuidade à vida em sociedade, como, para alguns, ocorreu na ditadura militar (1964-1985).
Para Vera Karam de Chueiri, professora de direito constitucional da UFPR (Universidade Federal do Paraná), o Congresso até tem, politicamente, condições de tentar fazer uma anistia via redução de penas, mas ela considera a ação "inconstitucional e imoral", uma vez que os crimes se relacionam a ataques contra a democracia.
"Eu não vejo a possibilidade para a redução de penas, a menos que se forçasse a barra para uma interpretação que mitiga essa conduta violenta dos detratores contra o Estado democrático de Direito", diz.
Ela considera difícil identificar na conduta dos condenados se houve apenas depredação do patrimônio, dissociada de atentado à democracia, o que poderia dificultar uma tentativa de anistiar um ou outro crime.
Para Karam, uma anistia de qualquer tipo é "esticar uma corda perigosa". "O Congresso daria recado de que não há limites constitucionais para atos de violência contra as instituições do Estado e da democracia", diz.
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