Tenochtitlán era o centro político e religioso dos mexicas

Crédito, Thomas Kole/Retrato de Tenochititlan

Legenda da foto, Tenochtitlán era o centro político e religioso dos mexicas
  • Author, Darío Brooks
  • Role, BBC News Mundo
  • Há 27 minutos

"Esta grande cidade de Temixtitán foi fundada nesta lagoa salgada... Ela tem quatro entradas, todas com calçadas feitas a mão, com a largura de duas lanças de cavaleiros. É uma cidade tão gloriosa quanto Sevilha e Córdoba [na Espanha]."

"Suas ruas principais são muito largas e retas. Algumas delas e todas as demais são metade de terra, metade com água, onde eles andam com suas canoas."

Foi assim que o explorador espanhol Hernán Cortés (1485-1547) descreveu a cidade de México-Tenochtitlán (Temixtitán, segundo seu entendimento), em um dos mais antigos relatos escritos (1520) de como era o centro político e social dos mexicas, como também eram chamados os astecas que viviam no sul do México e na América Central.

México-Tenochtitlán e sua cidade-gêmea, México-Tlatelolco, causaram assombro aos espanhóis, devido ao seu avançado grau de urbanização.

"Esta cidade tem muitas praças, onde existem mercados permanentes e trabalhos de compra e venda", prossegue Cortés.

"Ela tem outra praça, com cerca do dobro do tamanho da cidade de Salamanca [na Espanha], toda cercada por portais ao seu redor, onde, todos os dias, há mais de 70 mil almas comprando e vendendo; onde há todos os gêneros de mercadorias encontrados em todas as terras, desde mantimentos e víveres, até joias de ouro e prata, chumbo, latão, cobre, estanho, pedras, ossos, conchas, caracóis e plumas."

No momento da sua chegada, a cidade vivia uma das suas épocas de maior esplendor.

Os mexicas haviam fundado México-Tenochtitlán mais de dois séculos antes da chegada dos espanhóis. Neste período, eles se tornaram a maior potência militar da Mesoamérica – a região política e cultural onde, hoje, fica o centro e sul do México.

O ano de fundação da cidade é motivo de debates entre os especialistas. Mas se acredita que possa ter ocorrido na primeira metade do século 14.

Na época moderna, o governo mexicano fixou uma data para sua fundação: 13 de março de 1325. Por isso, a antiga cidade pré-hispânica, que viria a se tornar a Cidade do México, comemora em 2025 seus 700 anos.

Tenochtitlán

Crédito, Thomas Kole/Retrato de Tenochitlan

Legenda da foto, Tenochtitlán foi construída sobre ilhotas que se estenderam sobre o lago de Texcoco, no Vale do México

"O império estava em sua expansão máxima. A cidade detinha sua maior riqueza", conta à BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC) Federico Navarrete, especialista em história da América pré-hispânica e pesquisador da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam).

Cortés e outros cronistas da época produziram descrições verbais e representações gráficas da cidade. Mas, nos últimos cinco séculos, a imagem mais detalhada foi a publicada em 2023, pelo desenvolvedor de software holandês Thomas Kole.

Ele passou um ano e meio liderando um projeto chamado "Retrato de Tenochtitlán", o trabalho mais detalhado sobre a cidade mexica já publicado. Ele oferece uma perspectiva única de qual teria sido a aparência da metrópole pré-hispânica.

"É fascinante observar o que eles inventaram: seu conceito de cidade, como a organizaram e a distribuíram", destaca Kole. Uma de suas especialidades é a modelagem artística tridimensional por computador.

O coração do domínio mexica

Além das descrições de Cortés, outra das crônicas mais comentadas sobre Tenochtitlán é a do frade espanhol Bernardino de Sahagún (c.1499-1590). Ele descreve como os europeus ficaram surpresos quando encontraram México-Tenochtitlán e os locais ao seu redor.

"Vimos coisas tão admiráveis que não sabíamos o que dizer, nem se era verdade o que aparecia à nossa frente. De um lado, em terra, havia grandes cidades e, na lagoa, outras tantas."

"Víamos tudo repleto de canoas e, nas calçadas, muitas pontes entre um trecho e outro. E, adiante, estava a grande cidade do México", descreveu o frade espanhol.

E não era para menos.

Os mexicas eram um grupo de indígenas nahuas que, segundo a tradição, emigrou de um local mitológico chamado Aztlán e fundou sua cidade onde, hoje, fica a Cidade do México. Eles conseguiram fundar uma cidade entre as ilhotas e a água do grande lago de Texcoco.

Kole explica que trabalhou durante um ano e meio com diversos especialistas e fontes para dar forma à sua visão de México-Tenochtitlán e sua cidade-irmã, México-Tlatelolco.

"Comecei por curiosidade, técnica e pessoal, porque estava lendo sobre o assunto e não conseguia visualizar qual aspecto teria aquela cidade", ele conta. "Pensei que, talvez, pudesse utilizar a tecnologia para visualizá-la, primeiro para mim, depois, quem sabe, para os demais. Foi assim que começou."

Kole afirma que observar como uma civilização que evoluiu sem a influência de outros continentes conseguiu desenvolver um conceito de cidade, como ocorreu em outras civilizações, foi extraordinário.

"Em muitos aspectos, eles chegaram às mesmas conclusões que em outros lugares: o poder no centro, os ricos com casas maiores e os camponeses nas fazendas."

"Muitas de nossas ideias sobre as cidades e seus elementos básicos se aplicam a Tenochtitlán, mas eles fizeram à sua maneira, o que, para mim, parece muito interessante", comenta ele.

Tenochtitlan

Crédito, Thomas Kole/Retrato de Tenochitlan

Legenda da foto, A urbanização de Tenochtitlán era retilínea, com calçadas e canais que conectavam seus quadrantes e outras ilhas

Tenochtitlan

Crédito, Thomas Kole/Retrato de Tenochitlan

Legenda da foto, No centro de México-Tenochtitlán, os mexicas construíram grandes centros cerimoniais

Segundo mostram as fontes, no centro da cidade mexica, ficava instalado o poder dos seus altos governantes e sacerdotes, que moravam em palácios. Nas imagens produzidas por Kole, podemos observar essas grandes estruturas, mais altas e piramidais, bem como os centros cerimoniais mexicas.

Em Tlatelolco, havia também um dos maiores mercados existentes na época, não apenas na Mesoamérica, mas no mundo inteiro. Ali, as pessoas comercializavam produtos de todo tipo, trazidos dos domínios mexicas – que, com a Tríplice Aliança com seus vizinhos de Texcoco e Tlacopán, dominaram boa parte da Mesoamérica.

"A parte mais difícil [para realizar a modelagem] foi não ter bons mapas daquela época", conta Kole.

"É provável que os mexicas tivessem mapas detalhados da sua cidade. Por serem muito burocráticos, eles os teriam provavelmente utilizado para solucionar disputas ou traçar fronteiras. Mas eles não existem mais, foram perdidos ou queimados, provavelmente durante a conquista [espanhola]."

As fontes disponíveis mostram que Tenochtitlán era formada por calçadas e canais de água, que conectavam as diferentes ilhotas. A cidade se expandiu ao longo de dois séculos ampliando essas ilhas, com grande conhecimento e técnica de manejo da água.

Segundo Navarrete, o que os espanhóis encontraram, na verdade, foi o resultado de dois milênios de aprendizado e gestão da vida lacustre.

"Tudo parece indicar que, no local onde foi fundada Tenochtitlán, havia um assentamento anterior de otomis, como sugerem diversos autores", explica o historiador. "Esta cidade seria anterior à fundação de Tenochtitlán."

"Mas, em termos gerais, podemos afirmar que essa cidade que conhecemos como México-Tenochtitlán durou cerca de 200 anos."

Tenochtitlan

Crédito, Thomas Kole/Retrato de Tenochitlan

Legenda da foto, Segundo a tradição, os mexicas teriam emigrado de um local mitológico chamado Aztlán e fundado sua cidade onde, hoje, fica a Cidade do México

Além das fronteiras de Tenochtitlán

O trabalho de Kole tentou dar uma ideia além da simples visualização de como era México-Tenochtitlán, uma cidade repleta de atividade.

Ele destaca como é fascinante "imaginar o aroma do ar salgado" e dos produtos da cozinha, como o pimentão assado. Ou ouvir "o som do idioma náuatle e das canoas nos canais", enquanto sentimos o calor e escutamos as aves.

Além do descrito por Cortés, outras fontes existentes sobre Tenochtitlán foram produzidas anos ou décadas depois. Isso representa um desafio para os pesquisadores da época. Mas Kole explica que não descartou estas fontes.

"É preciso reconstruir a partir de material mais recente – dezenas de anos depois da conquista, com um pouco de sorte, ou séculos depois", segundo ele. "É tudo o que existe para se trabalhar."

"Temos, por exemplo, descrições escritas de partes da cidade, alguns mapas e sondagens arqueológicas, mas eles frequentemente se contradizem. É preciso decidir como conciliar estas fontes contraditórias em algo que seja razoável."

A arquitetura de certos palácios, centros cerimoniais e mercados foi o que exigiu mais trabalho para projetar uma visão de Tenochtitlán. Um dos aspectos mais chamativos é o Templo Maior – um centro cerimonial mexica, localizado nas imediações do que hoje constitui a Praça da Constituição (o Zócalo), na Cidade do México, e suas quadras vizinhas.

Diversas fontes indicam que existiam ali quase 80 estruturas, que Kole representou com palácios e pirâmides.

Tlatelolco

Crédito, Thomas Kole/Retrato de Tenochitlan

Legenda da foto, Tlatelolco, cidade-gêmea de Tenochtitlán, abrigava um dos maiores mercados do mundo na época

Tenochtitlan

Crédito, Thomas Kole/Retrato de Tenochitlan

Legenda da foto, Os mexicas planejaram cuidadosamente o desenvolvimento da cidade de Tenochtitlán

Tenochtitlán também tinha escolas, que formavam guerreiros e sacerdotes. E também milhares de moradias e oficinas para sua população, que praticava diferentes ofícios. Havia desde artesãos até agricultores.

As fontes discordam sobre o tamanho da cidade. Os números variam de 50 mil até 200 mil habitantes. Mas havia, sobretudo, uma grande movimentação, com milhares de pessoas entrando e saindo da cidade, por terra ou pela água.

Federico Navarrete explica que, diferentemente da ideia de ser uma cidade solitária em meio a um grande lago, toda a região do Vale do México, na verdade, era ocupada por diversas cidades, tanto nas ilhotas quanto nas margens do lago.

"Texcoco, Coyoacán, Iztapalapa... muitas cidades que já existiam antes de Tenochtitlán."

"O que temos no Vale do México são 2 mil anos de ocupação por cidades e México-Tenochtitlán não era uma cidade isolada, mas sim uma parte do sistema urbano do Vale do México, que incluía cerca de 50 cidades diferentes", explica ele.

Navarrete afirma que Tenochtitlán, na verdade, detinha apenas cerca de 15% da população do seu entorno.

Tenochtitlan

Crédito, Thomas Kole/Retrato de Tenochitlan

Legenda da foto, Tenochtitlán fazia parte de um conjunto de cidades no lago de Texcoco e suas margens

Una visualización panorámica de Tenochtitlan de noche

Crédito, Thomas Kole/Retrato de Tenochitlan

Legenda da foto, Thomas Kole recriou a cerimônia mexica do 'fogo novo'

De fato, a organização política da época era menos centralizada do que se acredita.

Tenochtitlán, por exemplo, era um poderoso centro urbano, devido à sua força militar. Já Tlatelolco era forte pelo seu comércio. Mas cada uma tinha seu próprio governo, em um sistema "internacional" com governos independentes, explica Navarrete.

As cidades vizinhas tinham tamanho menor, mas não eram menos avançadas do que a grande Tenochtitlán.

O cronista Francisco López de Gómara (1511-1564), por exemplo, descreveu Iztapalapa como uma cidade de "grandíssimos palácios de pedra e carpintaria muito bem trabalhados, com pátios e quatro andares e todo o serviço muito bem feito."

"Nos aposentos, muitos paramentos de algodão, ricos à sua maneira. Eles tinham refrescantes jardins de flores e árvores odoríferas, com muitas calçadas com redes de canas, cobertos de rosas e pequenas ervas, além de tanques de água doce", descreveu ele, sobre um dos locais onde Cortés e seus homens chegaram antes da capital mexica.

Seu relato indica que havia ali 10 mil casas. Em outras, como Coyoacán, havia 6 mil e, em Mexicalzingo, cerca de 4 mil.

"Estas cidades têm muitos templos, com muitas torres, que as enfeitam", escreveu López.

Kole explica que seu trabalho se concentrou apenas em Tenochtitlán e Tlatelolco. Mas ele admite que existiram muitas outras cidades no seu entorno.

"Seria interessante ver reconstruções de outras cidades, como Iztapalapa ou Texcoco, que seriam lugares históricos fascinantes", explica ele. "Mas existem ainda menos informações sobre elas do que sobre a Cidade do México."

A cidade na água

Os mexicas e os povos vizinhos detinham grande conhecimento sobre como administrar o entorno lacustre onde eles moravam.

Seus sistemas de canais, diques e açudes permitiam controlar a água e evitar inundações, em uma bacia caracterizada por sua abundante estação das chuvas. Além disso, eles também criaram uma extensa barreira de terra e pedras para separar a água doce e salgada. A própria água potável era transportada em aquedutos de forma muito eficiente.

"O que era realmente assombroso sobre estas cidades do Vale do México era sua relação com as lagoas e a forma como atingiram um desenvolvimento urbano muito avançado, de alta densidade, com uma agricultura muito produtiva, sem destruir o ecossistema das lagoas e lagos do Vale do México", destaca Navarrete. "Era um sistema de gestão hidráulica muito complexo."

"E as lagoas eram um meio de transporte para levar uma grande quantidade de materiais, de forma mais eficiente do que o outro meio disponível, que eram as pessoas carregando as coisas sobre os ombros."

Os mexicas idealizaram um sistema de agricultura em ilhotas, chamadas chinampas, que oferecia certo grau de autossuficiência alimentar, sem necessidade de trazer alimentos de terra firme.

A agricultura em chinampas é uma das poucas técnicas pré-hispânicas que ainda persistem ao sul da atual Cidade do México.

Cinco séculos depois, a Cidade do México e sua zona metropolitana enfrentam sérios problemas relacionados à água.

A região tem 20 milhões de habitantes. De um lado, ela enfrenta secas que obrigam sua população a limitar o consumo de água potável. De outro, as fortes precipitações da estação das chuvas geram sérias inundações em regiões onde, antes, havia canais naturais.

"A forma atual de gestão não tem nenhuma relação com o modo praticado pelos mexicas e por outros povos pré-hispânicos", explica Navarrete.

"O que ocorreu foi um ecocídio cometido pelos espanhóis e pelos governos mexicanos. O afundamento ocorre porque retiramos toda a água do vale."

A extração da água do subsolo gerou um problema de afundamento da cidade, que se agrava ano após ano.

"A Cidade do México é um símbolo de como não se pode vencer a água", segundo Kole. "Ela é mais forte que nós. "Você pode tentar dominá-la, mas nunca irá vencê-la."

"Acredito que esta seja uma lição que também aprendemos na Holanda. Nós aprendemos a aceitar a água e dar a ela o espaço de que ela precisa, criando um entorno mais saudável."

"Espero que o México consiga se reconciliar com isso", prossegue Kole. "A Cidade do México é um belo lugar, com uma identidade forte e única, diferente de qualquer outro local. Acredito que ela mereça existir, tem esse direito."

Tenochtitlan

Crédito, Thomas Kole/Retrato de Tenochitlan

Legenda da foto, A bacia do Vale do México sempre foi uma região de grandes afluentes. Os mexicas sabiam como controlar a água