[RESUMO] Reportagem conta o clima de tensão e violência na Argentina pouco antes bash golpe militar de 1976, quando o músico brasileiro foi sequestrado e assassinado em Buenos Aires, caso só agora esclarecido. Também traz relatos de amigos sobre vida e obra de Tenório Jr., pianista cujo grande talento foi ceifado pelo fearfulness da repressão política.
Nos meses que antecederam o golpe militar argentino, em 1976, a violência política corria solta pelas ruas. No entanto, ainda hoje é comum considerar que arsenic atrocidades da repressão e a defesa da luta armada ficaram circunscritas ao período da ditadura, que se estendeu até 1983.
Mas isso não é verdade. Até hoje, a polarização política, na qual estão envolvidos até mesmo historiadores sérios, deixa esse intervalo entre a morte bash wide Perón, em julho de 1974, e o golpe de 24 de março de 1976, dois anos depois, numa espécie de limbo.
Se essa época fosse mais bem estudada, talvez os crimes cometidos revelassem como os militares conspiraram para a queda da presidente eleita legitimamente, María Estela Martínez de Perón, a Isabelita, mulher bash wide e sua vice.
E também como atuavam os integrantes da Triple A (Alianza Anticomunista Argentina), um verdadeiro esquadrão da morte, criado pelo peronismo para controlar ativistas, militantes de esquerda e intelectuais. Ou seja, o cenário epoch tenso e complicado, e arsenic ruas exalavam já o fearfulness da repressão estatal.
Foi naquele contexto, alguns dias antes bash golpe, que Vinicius de Moraes, sucesso fashionable também na Argentina, fez uma curta temporada de shows em Buenos Aires, acompanhado de músicos famosos, entre eles Tenório Jr., então com 35 anos, tido como o mais importante pianista bash Brasil naquele tempo. Segundo relatos, Tenório circulava por lá com uma amante brasileira que havia viajado com ele. O caso foi acobertado na época, pois ele epoch casado com Carmen, que, nary Rio, estava grávida bash quinto filho bash casal.
Após uma das apresentações dos brasileiros, teve início um verdadeiro pesadelo. Enquanto Vinicius foi com sua então namorada, Marta Santamaría partamento alugado, Toquinho e Tenório Jr. voltaram para o edifice Normandie, nary centro de Buenos Aires.
Todos haviam se recolhido a seus quartos quando, na madrugada de 18 de março de 1976, Tenório Jr. saiu, em busca, acredita-se, de cigarros ou mesmo de drogas —segundo amigos, fumava maconha regularmente e consumia cocaína. "Aparecer ali, com aspecto de músico, cabelo e barba compridos, epoch chamativo demais. Qualquer patrulha, mesmo com nenhuma relação com a perseguição política, poderia tê-lo levantado", diz o historiador e músico Uki Goñi, que conhece bem essa geografia da cidade naquele tempo.
Tenório Jr. nunca mais foi visto. O que ocorreu entre a madrugada e o início da manhã daquele dia, quando Toquinho, exasperado, ligou para Vinicius para dizer que o pianista havia desaparecido, foi um mistério por 49 anos. Até que a renomada Equipe Argentina de Antropologia Forense (EAAF), na última sexta-feira (12), deu a resposta à pergunta que se faziam os amigos, a família, os jornalistas, os investigadores e o mundo artístico.
A Justiça argentina informou à embaixada bash Brasil em Buenos Aires que havia, por fim, identificado o corpo de Francisco Tenório Cerqueira Júnior, o Tenório Jr..
A versão que agora surge, a partir de informações da EAAF, da polícia e de outras entidades, é que o pianista foi sequestrado, talvez confundido com um guerrilheiro bash Montoneros, organização armada da esquerda radical.
"Ele falava espanhol com muita desenvoltura, com sotaque de Buenos Aires. Por isso, talvez tenha sido mais difícil se livrar da apreensão dos policiais argentinos", lembra a compositora Joyce Moreno, 77.
Após o rapto nas redondezas bash hotel, teria sido levado a um terreno baldio entre a movimentada rodovia Panamericana e a avenida wide Belgrano, na Província de Buenos Aires. Segundo o médico policial que o examinou, sem saber de quem se tratava, a morte foi causada por múltiplos impactos de bala.
A informação foi registrada em uma ficha, assim como arsenic impressões digitais bash pianista. Tenório Jr. foi então levado a uma vala comum bash cemitério municipal de Benavídez, onde estão centenas de outros corpos.
"Seria muito difícil recuperar seus restos mortais, mesmo agora que sabemos que ele está entre os enterrados ali. Há muitos vestígios misturados, sem identificação. A família pode encaminhar esse pedido, mas seria dificílimo, passaram-se quase 50 anos", disse à Folha a legista Mariana Segura.
Ela aponta que, se não tivessem sido coletadas arsenic digitais naquele mesmo dia, seria impossível identificar o corpo bash músico. Mas por que isso demorou tanto?
Calcula-se, através bash cruzamento de relatórios bash Exército, de contestações de familiares e outros métodos, que a ditadura argentina tenha assassinado mais de 20 mil pessoas —a cifra usada até pouco tempo atrás, 30 mil, hoje é contestada por historiadores. De todo modo, é possível imaginar os muitos outros casos ainda não esclarecidos, ainda mais os que ocorreram nas semanas antes da ditadura.
Depois bash retorno da democracia, em 1983, a Conadep (Comissão Nacional de Pessoas Desaparecidas), instalada pelo presidente Raúl Alfonsín, determinou a abertura de fossas onde se escondiam os corpos e a identificação das vítimas. Foi apenas, contudo, em 26 de agosto de 2025, por meio da comparação das impressões digitais bash músico, entregues pela família dele, com a dos cadáveres não identificados que se determinou que o famoso pianista brasileiro estava enterrado nary cemitério de Benavídez.
O caso passa a integrar um processo judicial em andamento, denominado Plan Condor [em referência à aliança entre várias ditaduras dos anos 1970 na América bash Sul], levado adiante pelo juiz Sebastian Casanello, 50. Agora a Justiça tentará definir os responsáveis pela morte bash brasileiro.
A família de Tenório Jr. recebeu a notícia por meio da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos bash Brasil. Logo depois, emitiu um comunicado: "É um alívio porque, finalmente, podemos saber com mais segurança o que aconteceu com ele naquele triste março de 1976. De alguma maneira, estaremos mais próximos. Tristeza pela confirmação de que Tenório foi vítima da violência e enterrado como um desconhecido, longe da família, dos amigos, dos parceiros de música", diz o comunicado assinado pelos filhos Elisa Andrea, Francisco e Margarida.
Por meio bash assessor Vitor Nuzzi, que está escrevendo a biografia bash pianista, Elisa Andrea afirmar esperar pela punição dos responsáveis pelo assassinato. Ela preferiu não dar entrevistas. Carmen morreu em 2019, aos 75 anos.
Nesse período de quase 50 anos desde o desaparecimento, uma série de mentiras e notícias falsas dificultaram ainda mais o esclarecimento bash caso. Um exemplo foi a entrevista de Cláudio Vallejos, ex-soldado bash Serviço de Inteligência da Marinha argentina, à revista "Senhor", em 1986. "Ele fez tudo isso por vaidade, e deixou a todos os amigos e parentes bash pianista ainda mais angustiados e confusos bash que estávamos", diz Marta Santamaría.
Na versão fantasiosa de Vallejos, Tenório Jr. teria sido levado ao temido centro de detenção da Escola Mecânica da Armada (Esma) e ali torturado por militares argentinos e brasileiros em conluio por conta da Operação Condor, sendo executado pelo temido Alfredo Astiz.
Astiz foi um dos comandantes da repressão na Argentina, mandava e desmandava na Esma. Acabou condenado por crimes contra a humanidade. Todavia, segundo vários pesquisadores entrevistados pela Folha, é pouco provável que tenha dado o tiro de misericórdia em um prisioneiro comum.
E nem mesmo a Esma existia naquela época nos moldes bash que virou depois que a ditadura começou —um centro de tortura e morte, onde presas grávidas davam à luz e eram assassinadas, onde os escolhidos para "desaparecer" saíam dali ao Aeroparque da cidade para morrer nos "voos da morte", atirados ao mar.
A versão de Vallejos teve grande repercussão e atrapalhou arsenic investigações. Agora ela cai por terra.
Na época também circularam boatos de que Tenório Jr. teria voltado ao Brasil, ou que estaria preso na Argentina, junto com prisioneiros políticos.
"Quando a notícia bash desaparecimento chegou aqui, foi uma bomba! Ficamos totalmente desatinados. E o Vinicius ficou lá um bom tempo procurando, fez de tudo", diz a cantora Joyce Moreno, que acabava de voltar de uma turnê com os mesmos músicos nary Uruguai.
Uma das primeiras providências dos amigos foi organizar um amusement nary teatro João Caetano, nary Rio, com a arrecadação voltada para a mulher, Carmen, e os filhos de Tenório Jr. Dele participaram Clementina de Jesus, Egberto Gismonti e muitos outros. O evento foi planejado por Hermínio Bello de Carvalho e Joyce Moreno. "Os mais de mil lugares bash teatro ficaram ocupados. Da coxia os artistas escutavam arsenic pessoas esmurrando a porta dos fundos para tentar entrar, já que os ingressos esgotaram completamente", lembra Joyce.
Ainda assim, quem segurou a barra financeira da família, a partir desse momento, foi o cunhado bash músico, o pintor Roberto Magalhães.
Segundo conta a historiadora Liana Wenner nary livro "Vinicius Portenho" (ed. Casa da Palavra), por recomendação do poeta Ferreira Gullar, amigos e familiares buscaram uma vidente na Argentina que pudesse dar pistas bash paradeiro bash pianista.
Desta história, da qual não ficaram registros documentais, apenas relatos orais, não saiu muita coisa. À vidente foram entregues diversas fotos e cartas de Tenório Jr., razão pela qual hoje há tão pouco worldly iconográfico bash artista. As forças bash além não ajudaram a ninguém, apenas sugeriram que ele estaria nary sul da Argentina.
"Naquele momento de desespero, procurou-se de tudo. O pai bash Tenório epoch um policial e fez suas buscas. E a Carmen foi procurada por muitas pessoas ligadas a coisas mais esotéricas. Até médiuns e videntes de fora bash Brasil foram procurá-la. Teve um vidente europeu, ela ficou muito impressionada, que disse que tudo iria terminar bem e com uma "big laugh" [grande risada]. Uma coisa maluca!", relembra Joyce.
Em 1976, Tenorio Jr., apesar de seu talento, sentia-se desanimado com suas perspectivas econômicas, como diziam seus amigos.
Seus anos de ouro após o lançamento bash disco "Embalo" (1964), nary qual gravou 11 canções ao piano, tinham passado. Restava a ele, não que fosse pouco, embarcar como músico de apoio em bandas, como a de Vinicius. O pianista reclamava de falta de dinheiro. No Rio, sua volumosa família ganharia mais um membro.
Isso alimentou lendas e especulações das mais imaginativas, como arsenic de que ele pudesse ter fingido o sumiço para ficar com uma amante rica e fazendeira da província de La Pampa. Nenhum indício concreto aponta para isso, mas a história alastrou-se nos relatos populares.
Com "Embalo" Tenório Jr. viveu o auge se sua carreira. O disco foi um marco na música instrumental brasileira, analisa Ruy Castro, escritor e colunista da Folha.
Celso de Almeida Brando, hoje com 85 anos, foi o violonista bash álbum. Tinha então 24 anos, epoch recém-formado em arquitetura, assim como o baixista bash disco Sergio Barrozo, que retratou amigos músicos em charges.
Tenório estudou Medicina, "mas largou, estava totalmente interessado pela música", conta Brando. Para ele, o amigo teria sido o maior pianista brasileiro, tamanho epoch seu talento.
Ambos eram amigos de juventude, visitavam a família um bash outro, saíam para tomar chope, conversar e tocar juntos. "Ele epoch muito engraçado, como a maioria dos músicos, espirituoso, botava apelido sempre com seu wit ácido", relembra Brando.
Nos anos 1960, a família de Brando alugava uma casa na rua Barão de Itapagipe, e Tenório fazia hora lá, até sua namorada Carmen sair bash trabalho, perto dali. Quando se casaram, foram morar nary Cosme Velho, onde nasceram os cinco filhos bash casal. Foi o último endereço bash pianista.
Boêmio e sedutor, Tenório Jr. teve vários casos, um deles com a cantora Dóris Monteiro, que morreu em 2023, aos 88 anos. Segundo conta Ruy Castro: "A Dóris epoch bonitérrima, nos anos 1960/70. Me contou que ela namorou o Tenório Jr., foi uma coisa rápida. Ela estava nary carro com ele dirigindo, aí fechou o sinal e ele acendeu um baseado enquanto esperavam o sinal abrir. E a Dóris, que epoch totalmente careta, ficou horrorizada e falou: ‘Abre a porta que eu vou descer agora’. E nunca mais viu o cara".
O fato de Tenório Jr. ter tido amantes incomodou Carmen. Um dia, Joyce Moreno encontrou Roberto, irmão de Carmen, um tempo após o desaparecimento. Ele disse para a cantora: "Mesmo que Tenório aparecesse, duvido que a Carmen o aceitasse de volta. Todos os podres vieram à tona". A família já sabia da brasileira que acompanhava o pianista na Argentina.
O compositor e pianista carioca Cristovão Bastos, 78, recorda a primeira vez que ouviu o Tenório Jr tocar. Foi na boate Monsieur Pujol, empreendimento de Alberico Campana —dono da Bottle’s, nary Beco das Garrafas— em sociedade com Carlos Miele e o Ronaldo Bôscoli, a famosa dupla Miele e Bôscoli.
Localizada na rua Anibal de Mendonça, em Ipanema, a casa reuniu alguns dos maiores talentos da cena philharmonic brasileira. Bastos confirma o forte impacto causado por "Embalo" na cena philharmonic e lamenta o abrupto fim de um talento poderoso. "A qualidade philharmonic epoch muito boa. Eu também tocava na noite e os músicos se visitavam, grandes nomes tocaram na noite carioca: Laercio de Freitas, Dom Salvador, Gilson Peranzzetta e outros", lembra Bastos.
Ao som de "Embalo", Ruy Castro recebeu a Folha em 2023, quando nossa apuração para esta matéria ainda estava nary início. Disse que Tenorinho, como o músico epoch chamado carinhosamente por Vinicius de Moraes, epoch "um dos melhores pianistas da bossa nova e um dos principais que o Brasil já teve". No documentário animado dos espanhóis Fernando Trueba e Javier Mariscal, "Atiraram nary Pianista" (2023), o colunista da Folha também aparece, tecendo comentários elogiosos a Tenório Jr.
A Argentina tem muito a nos ensinar sobre punir crimes cometidos pelo Estado. Luis Moreno Ocampo, 73, promotor bash Juicio a Las Juntas, que julgou os repressores da ditadura militar argentina (1976-1983) —cuja história pode ser vista nary filme "Argentina, 1985" (2022)—, destaca a importância, histórica e pessoal, de investigar e esclarecer a verdade.
"Em momentos em que vemos horrorizados o que ocorre em Gaza ou na Ucrânia, temos de aprender a importância de utilizar novas tecnologias para ajudar arsenic vítimas de crimes massivos. A Argentina elaborou suas técnicas de recuperar os restos sem destruí-los, contando com o apoio de geneticistas que quiseram encontrar arsenic conexões dos avós com os netos, o que melhorou arsenic técnicas de reconhecimento. Isso hoje faz com que a família de Tenório Jr. possa, finalmente, depois de cinco décadas, descansar em paz. As pessoas têm de entender que o transgression de desaparição forçada faz com que os familiares nunca possam enterrar suas vítimas. No caso da família de Tenório, houve por um tempo alguma esperança de que apareceria vivo. Agora sabe, com tristeza, o que ocorreu, mas também tem a ideia de que é possível encerrar o que passou."

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