Eu não via muito sendo utilizado internamente em processos burocráticos, via mais em produtos. Acho que isso é muito mais para gerar mídia para as grandes empresas, [sobre] quem está fazendo mais com IA. Não acredite muito no que está sendo falado, porque tem essa briga sobre quem está falando para estar na mídia o tempo inteiro
Gabriela de Queiroz, ex-diretora de IA da Microsoft
A brasileira atuava no Vale do Silício, o coração da inovação dos Estados Unidos, e foi desligada na penúltima onda de demissão em massa promovida pela Microsoft.
Durante sua passagem pela empresa, ela diz que não havia processo nem mesmo para funções administrativas serem feitas com AI. Relatórios como os de prestação de contas que incluíam despesas do cartão corporativo, por exemplo, eram feitos manualmente.
Já a corrida para mostrar qual das grandes empresas criavam mais parcelas do código com IA é algo para atrair a atenção da mídia, mas que não ocorre na prática, diz Queiroz.
Eu vi dentro de produtos a IA sendo usada fortemente, e a pressão de que todos os empregados tinham que entender o que a inteligência artificial é, como utilizá-la e como usar a IA a seu favor para aumentar a produtividade
Gabriela de Queiroz
'Não tem como IA substituir a gente', diz diretora sobre demissão da Microsoft

Gabriela de Queiroz chegou ao Vale do Silício há 14 anos com um objetivo bem direto: aprender os termos técnicos da sua área em inglês. Desde então, trilhou um caminho intenso: foi cientista de dados, passou por várias startups e mergulhou de vez no universo da inteligência artificial durante sua passagem pela IBM.
Quando a IA ganhou os holofotes em 2022, ela já estava na Microsoft, onde liderou um time voltado ao uso da tecnologia por estudantes. Depois, encarou outro desafio: três meses para mudar a percepção dos fundadores de startups do Vale do Silício sobre a Microsoft, ou seja, convencê-los a olhar para a empresa com outros olhos e a usar seus produtos. Deu tão certo que o trabalho foi escalado de São Francisco para o mundo.
Mesmo assim, Queiroz acabou demitida, junto com outras 6 mil pessoas, no primeiro dos dois cortes mais recentes realizados pela Big Tech. Na visão dela, ironicamente, quem foi cortado era justamente gente altamente qualificada, com um nível técnico que a IA ainda está longe de alcançar. "É uma parte bem humana", resume.
Ex-diretora da Microsoft sobre ética: 'corrida da IA não admite guard rails'

O avanço das tecnologias e o envolvimento cada vez mais profundo dos mais jovens com a IA tem acendido um sinal de alerta para Queiroz. Segundo ela, muitos têm dificuldade de construir raciocínios mais complexos, e a interação entre as pessoas já não é mais como antes da popularização das ferramentas de IA. Há, inclusive, uma percepção preocupante entre jovens criadores de startups de que os humanos —e suas conexões— seriam dispensáveis.
Ainda assim, dois mundos coexistem no Vale do Silício. De um lado, o impulso pela inovação e a pressa em liderar o desenvolvimento tecnológico; de outro, em pequenas rodas, resiste a necessidade de discutir ética, limites e governança. O problema, segundo a executiva, é que essa discussão ainda é frágil, e frequentemente atropelada pela euforia da "corrida do ouro" da inteligência artificial.
Diversidade e inclusão vira assunto proibido nas Big Tech, diz ex-Microsoft

Para Queiroz, a chegada de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos representou um retrocesso no trabalho que o setor de tecnologia vinha fazendo na área de diversidade e inclusão. Um dos impactos mais visíveis foi o fechamento de organizações criadas para apoiar a entrada de grupos minorizados no setor. Sem o apoio financeiro das big tech, muitas dessas iniciativas perderam força e acabaram encerrando suas atividades.
Ela também percebeu mudanças no dia a dia das empresas: atitudes machistas, que pareciam ter ficado no passado, voltaram a aparecer com mais frequência. Enquanto a Microsoft seguiu tocando seus projetos voltados para diversidade, empresas como o Google e a Salesforce chegaram a se posicionar publicamente, sinalizando um novo rumo —menos comprometido com a inclusão.
Cenário da IA é repleto de ruídos e ondas que nem sempre são o que parecem ser

A inteligência artificial virou prioridade máxima na Microsoft —muitas vezes em detrimento de outras áreas, como a dos games. Essa queda no prestígio causou, inclusive, movimentos de demissões em massa. Para Queiroz, apesar dos investimentos pesados, o cenário ainda é cheio de ruídos e ondas que nem sempre são aquilo que parecem ser.
Um exemplo? Os agentes de IA. Eles viraram a coqueluche do momento, tanto nas big techs quanto nas startups, mas nem tudo que brilha no protótipo funciona no mundo real. No atendimento ao cliente ou em call centers, até pode fazer sentido. Fora disso, parece mais uma jogada para ganhar espaço na mídia do que uma solução consolidada. E ela faz uma distinção importante: automatização é uma coisa, agente de IA é outra. E não —por mais que tentem— nenhum deles vai substituir o bom e velho clipe do Word.
"A gente ainda vai sofrer com IA", diz ex-diretora da Microsoft sobre IA

Apesar de se considerar otimista, Gabriela de Queiroz não deixa de apontar os riscos que o avanço das novas tecnologias podem trazer para a sociedade. Repensar os rumos da corrida desenfreada pela IA passa, segundo ela, por trazer de volta profissionais que estavam presentes quando tudo começou, como linguistas, antropólogos e sociólogos.
Queiroz enxerga um movimento promissor: muita gente que está entrando agora no universo da IA, impulsionada pela democratização das ferramentas, tende a perceber a importância de formar times multidisciplinares, o que pode fazer diferença no futuro. Sua principal preocupação hoje é com o impacto das novas tecnologias sobre as gerações que estão saindo da universidade e tentando entrar no mercado de trabalho.
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