Jair Bolsonaro

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    • Author, Daniel Gallas
    • Role, Da BBC News Brasil em Londres
  • Há 26 minutos

A avaliação é de Christopher Sabatini, professor americano e pesquisador sênior do programa América Latina, EUA e Américas da Chatham House, um dos principais think tank (centro de estudos) britânicos, com sede em Londres.

"Trump é um pensador político muito pragmático e de longo prazo. Direcionar toda a sua agenda política e de políticas públicas para o Brasil para um presidente que agiu de uma forma realmente repreensível [como fez Bolsonaro], eu acho que é uma aposta arriscada", disse Sabatini em entrevista à BBC News Brasil.

Para o pesquisador, Trump mostrou em sua carreira como empresário e político que nunca teve problema em descartar aliados quando eles não servissem mais seus interesses políticos.

O mesmo poderia estar acontecendo agora em relação a Bolsonaro, segundo ele.

"Eu suspeito que se você é Trump, ao ver seu antigo aliado cometendo um ato muito estranho e sendo preso, você pensa: 'Talvez isso não sirva aos meus interesses políticos ou pessoais a longo prazo'".

Por isso, ele acredita que existe um momento de inflexão da direita brasileira em busca de um candidato mais moderado. Até agora, na sua avaliação, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), tem sido quem mais se mostrou capacitado para ocupar esse espaço.

Ele acredita que um candidato moderado apoiado pela direita e pelo bolsonarismo estaria em posição mais favorável de vencer a eleição com alternativas "menos tóxicas, menos prejudiciais, mas que ainda compartilhem a visão política e a visão de mundo de Trump".

Confira abaixo trechos da entrevista com o pesquisador.

BBC News Brasil: A prisão de Bolsonaro é um sinal de que o país está avançando? Ou é o começo de mais uma crise política?

Christopher Sabatini: Acho que há coisas importantes aqui. A primeira é o fato de o sistema judiciário estar agindo de forma independente — reagindo da mesma maneira que reagiria com qualquer criminoso ou qualquer pessoa condenada por um crime, mostrando que não há impunidade, nem mesmo para os mais poderosos.

Jair Bolsonaro tentou derreter sua tornozeleira eletrônica, e isso foi seguido rapidamente por uma ordem do juiz para prendê-lo por risco de fuga. Isso poderia e deveria acontecer com qualquer criminoso, e aconteceu com o ex-presidente. Acho isso muito positivo.

E, francamente, vendo as notícias e conversando com amigos, me parece que a reação dos brasileiros — mesmo dos apoiadores de Bolsonaro — não foi tão forte ou enfática quanto muitos teriam imaginado há alguns meses.

Acho que é um desenvolvimento positivo, porque reforça a ideia de que talvez o bolsonarismo e o partido ao qual ele se agarrou precisam seguir em frente.

Não apenas [seguir adiante sem] o próprio Jair Bolsonaro, mas também sem sua família, e buscando outros candidatos que possam representar uma versão mais moderada de suas ideias.

Ele ainda representa um setor significante do Brasil. Vimos isso na última eleição, em que ele ganhou cerca de 49% dos votos.

Mas a questão é: existe algum líder mais moderado que possa ir além da personalidade de Bolsonaro e do bolsonarismo para consolidar um movimento democrático viável?

BBC News Brasil: O senhor fala em voz mais moderada, mas não seria provável vir uma voz ainda mais radical? Afinal, isso atrai muitos eleitores...

Sabatini: Sim. Talvez mal comparando, mas me lembro de Alberto Fujimori [ex-presidente do Peru entre 1990 e 2000], no Peru, depois de renunciar e fugir para o Japão, e depois tentar voltar e ser preso.

Ele tinha muito apoio, mas a imagem pública de ver um ex-presidente na prisão tem um efeito real em como os eleitores percebem esse presidente. Claro que sempre haverá apoiadores radicais que o apoiarão. Mas acho que isso demonstra que o sistema judiciário fará cumprir a justiça e as regras.

Acho que o espetáculo de um presidente que tentou derreter sua tornozeleira eletrônica é algo que chama atenção de várias organizações empresariais e de líderes empresariais — que já estavam desconfortáveis ​​com as atividades de Eduardo [Bolsonaro].

Eduardo Bolsonaro

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Legenda da foto, Segundo pesquisador, lideranças empresariais brasileiras já estavam desconfortáveis ​​com as atividades de Eduardo Bolsonaro e buscam alguém mais moderado

Isso demonstra que este é um movimento que ainda pode ter alguma ressonância em termos de alguns valores, alguns interesses que não haviam sido representados antes, mas que precisa recuperar alguma legitimidade democrática e alguma alternância de liderança.

BBC News Brasil: A prisão de Bolsonaro foi bastante espetacular, e há quem diga que isso possa angariar alguma simpatia ao ex-presidente, com pessoas dizendo que ele está sendo humilhado. Bolsonaro pode acabar ganhando algum apoio com esse episódio todo?

Sabatini: Acho que os apoiadores ferrenhos dele vão defender essa causa de Jair Bolsonaro como mártir, vítima de um sistema judiciário fora de controle. Mas não acho que essa seja a narrativa [que irá prevalecer].

Para muitos líderes empresariais que podem ter se sentido desconfortáveis ​​com Bolsonaro, mas que também se sentiam desconfortáveis ​​com Lula, eu acho que o espetáculo de ter um presidente na prisão que estava determinado a mostrar que podia fugir, que depois admitiu que estava tendo alucinações e que achava que sua tornozeleira eletrônica o estava ouvindo, é uma situação difícil.

É difícil para o eleitorado indeciso — acima dos 30% ou 40% que são apoiadores de Bolsonaro. É difícil para eleitores mais independentes continuar a apoiá-lo, mesmo que ele seja visto como um mártir.

Ainda não está claro se ele vai ficar na prisão mesmo pelos próximos 27 anos. Eles [os juízes] consideraram que há risco de fuga. Ele foi preso porque temiam que ele fugisse, e já havia rumores de que ele tentaria ir para a Argentina.

Não é uma boa imagem para um ex-presidente. Não é uma boa imagem para o pai de um movimento. E certamente não é uma boa imagem para um partido que afirma representar a democracia.

Acho que esse movimento - ou outro movimento - agora está percebendo que será necessário um líder mais responsável, mais pragmático, menos personalista. Um líder que talvez possa representar alguns desses interesses, mas sem Jair Bolsonaro.

BBC News Brasil: Há alguns meses, a grande notícia no Brasil era a intervenção de Donald Trump com seu tarifaço em favor de Bolsonaro, demonstrando um forte apoio ao ex-presidente. Esse apoio desapareceu agora?

Sabatini: Acho que, de certa forma, Trump percebeu que para um presidente americano se aliar abertamente a um presidente que tentou dar um golpe — neste caso de forma mais direta do que Trump, mas com semelhanças muito óbvias — e que agora está na prisão, é difícil.

Donald Trump

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Legenda da foto, Trump não tem problemas em descartar aliados, diz Sabatini

Eu acho que até mesmo o governo Trump agora percebe que talvez a imposição de tarifas sobre o Brasil por causa de Jair Bolsonaro tenha sido um exagero. Sabemos que ele ouviu muito de líderes empresariais brasileiros que estão mais alinhados, de muitas maneiras, com os interesses políticos de longo prazo de Trump, e que não são a favor dessa política.

Eu não ficaria surpreso se Trump estivesse discretamente tentando recuar de sua política agressiva e punitiva de apoio a Jair Bolsonaro. Ele pode falar em defesa [de Bolsonaro], mas a verdade é que Trump é muito transacional, como sabemos.

E, agora, Luiz Inácio Lula Silva é o presidente do Brasil, e ele tem uma série de problemas com o Brasil que precisam ser resolvidos.

Eu ficaria surpreso se Trump agisse de forma tão agressiva e ruidosa como agiu na defesa pessoal de Bolsonaro.

Se eu fosse parte da liderança do Partido Liberal (PL), eu estaria pensando em tentar fazer com que o partido se elegesse para conceder um indulto a Jair Bolsonaro, em vez de lançar um candidato que prejudicaria o potencial desse partido de vencer as eleições do ano que vem.

BBC News Brasil: Que candidato poderia prejudicar?

Sabatini: Um dos filhos de Bolsonaro ou alguém que esteja diretamente ligado à família Bolsonaro. Acho que há um certo nível de fadiga com os Bolsonaro entre certos segmentos: eleitores independentes e líderes empresariais.

Trump é um pensador político muito pragmático e de longo prazo. Direcionar toda a sua agenda política e de políticas públicas para o Brasil para um presidente que agiu de uma forma realmente repreensível, eu acho que é uma aposta arriscada.

O que ajudaria [a direita brasileira] é tentar fazer o país seguir em frente sem Jair Bolsonaro e buscar outras alternativas que sejam menos tóxicas, menos prejudiciais, mas que ainda compartilhem a visão política e a visão de mundo de Trump.

BBC News Brasil: Então você acha que para a direita brasileira recuperar parte do apoio de Trump, ela teria que se distanciar de Bolsonaro?

Sabatini: Sim, eu acho que sim. Novamente, Trump é o tipo de pessoa que corta laços facilmente com quem ele considera um empecilho.

Vimos isso ao longo de sua carreira como empresário do imobiliário. Vimos isso acontecer ao longo de sua carreira na política.

Só para citar um exemplo, o que aconteceu com Rudy Giuliani [ex-prefeito de Nova York que foi grande apoiador de Trump no primeiro mandato do presidente]? Ele se tornou um constrangimento para Trump e Trump seguiu em frente sem ele. Rudy Giuliani não aparece na Casa Branca.

Trump percebe quando as pessoas afetam sua agenda política e não tem problema algum em descartá-las.

E eu suspeito que se você é Trump, ao ver seu antigo aliado cometendo um ato muito estranho e sendo preso, você pensa: "Talvez isso não sirva aos meus interesses políticos ou pessoais a longo prazo".

BBC News Brasil: A direita brasileira tem se provado bastante forte, com resultados eleitorais expressivos em eleições locais e para o Congresso. Com toda essa crise envolvendo Bolsonaro, a direita seguirá forte na próxima eleição, na sua opinião?

Sabatini: Acho que, em nível local, sim. Independentemente do que possamos pensar sobre as visões claramente antidemocráticas, racistas e misóginas de Jair Bolsonaro e sua política populista, a verdade é que ele preencheu um vácuo no Brasil. Ele entendeu as correntes políticas no Brasil e ele as representa, queiramos ou não.

Não existe e nunca existiu realmente um partido de direita viável, um partido conservador. E eu diria que Bolsonaro não é realmente conservador, ele é mais populista. Mas ele representa algumas visões conservadoras em suas opiniões políticas e econômicas, inclusive em suas visões sobre negócios e relações exteriores.

Ele preenche essa lacuna. E, a nível local, vimos que o partido [PL] se saiu muito bem nas eleições legislativas. E acho que isso se reflete, em parte, na coalizão que Lula construiu no Congresso.

Acho que isso continuará. Mas essa consolidação do partido permanecerá enquanto ele for forte e tiver um candidato presidencial viável

Acho que este é um ponto de inflexão para o movimento bolsonarista. Ele continuará sendo personalista, carismático e vertical. Ou pode evoluir para algo mais institucional, com mudanças de liderança que não estejam atreladas a uma única família — uma família bastante desastrada e pouco profissional que tenta se manter no poder defendendo seu pai.

A questão agora é se esse movimento vai amadurecer e virar um partido democrático e representativo de verdade.

BBC News Brasil: Você vê algum candidato emergindo como aquela figura que você mencionou, que poderia mobilizar a direita, e fazer com que Trump o apoiasse novamente?

Sabatini: Eu acho que o principal candidato agora é Tarcísio de Freitas. Ele é moderado. Ele é pró-negócios. São Paulo ajuda muito nesse sentido. Acho que discretamente ele tem sido muito bom em mobilizar empresários para a sua causa. Ele tem um passado maleável. Ele serviu nos governos de Dilma Rousseff e Michel Temer e Bolsonaro. Acho que ele é visto como muito mais pragmático.

Tarcísio de Freitas

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Legenda da foto, Tarcísio de Freitas seria o principal candidato da direita agora, diz o pesquisador

Ele é alguém que eu acho que poderia atrair Trump e também poderia preencher esse vácuo de um líder não pertencente à família Bolsonaro no partido, mas que represente uma relação mais pragmática, e particularmente com o setor privado, do que Bolsonaro, com uma mão muito mais firme.

Muito menos errático, muito menos populista, e, francamente, muito menos criminoso.

BBC News Brasil: Parece haver uma relutância por parte do próprio Bolsonaro e de sua família em apoiar Tarcísio. Você acha que isso é apenas uma estratégia para adiar a decisão de quem será candidato em 2026? Ou é um sinal de que, no fim das contas, eles não vão apoiar Tarcísio e querem ter seu próprio candidato da família Bolsonaro?

Sabatini: Acho que há duas coisas aqui. Acho que sim, a intenção deles [de lançar um candidato da família] é real porque eles veem isso como um projeto familiar. Eles veem isso como um movimento personalista liderado pelo pai. E que existe uma espécie de direito deles de concorrer. Mas não é assim que os partidos funcionam ou deveriam funcionar.

Acho que Eduardo também foi profundamente prejudicado por sua defesa das sanções. Acho que há um certo cansaço em relação a Bolsonaro, e acho que o fato dele estar na prisão aumenta isso.

Aqui está o que eu acho que Tarcísio provavelmente poderia fazer para aumentar o apoio da família Bolsonaro a ele como candidato. Primeiro, demonstrar que ele é muito mais elegível do que Bolsonaro, do que os filhos de Jair Bolsonaro ou sua esposa.

Mas, em segundo lugar, prometer um indulto a Jair Bolsonaro. E a verdade é que Jair Bolsonaro está pensando na própria sobrevivência. Ele pode escolher sair da prisão de graça em vez de deixar sua família herdar o partido, e essa seria uma decisão sábia.

Seria também uma decisão sábia para o partido dele.