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BRDE deve dar ênfase à sustentabilidade, afirma Ranolfo

Na avaliação do ex-presidente do Banco Regional de Desenvolvimento Econômico do Extremo Sul (BRDE), o ex-governador Ranolfo Vieira Júnior, a ênfase a projetos ligados à sustentabilidade ambiental deve ser uma diretriz prioritária. Ele analisa que um dos maiores desafios do Estado nos próximos anos serão as obras de irrigação para amenizar o impacto das sucessivas estiagens no RS. “São obras estruturantes.”

Segundo ele, a indicação de um gaúcho para a presidência da instituição foi importante durante um dos momentos mais dramáticos da história do RS, a enchente de 2024. O banco prorrogou o prazo para que empresas gaúchas quitassem R$ 1,5 bilhão em financiamentos. Além disso, disponibilizou R$ 300 milhões para o programa Em Frente RS, que financiou a reconstrução de empresas pequenas e médias no Estado.

O ex-governador também enxerga na inovação e tecnologia uma das maiores oportunidades para o RS. “Grandes empresas anunciaram instalações aqui, a exemplo do Scala Data Center em Eldorado do Sul e da fábrica de semicondutores Telescom em Cachoeirinha. Temos ainda o investimento da CMPC (multinacional chilena da área da celulose), no valor de R$ 27 milhões”, menciona.

Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, ele também disse que o saldo positivo do BRDE em 2024 foi de R$ 474 milhões. Em 2025, esse número deve ser maior, em torno de R$ 600 milhões, conforme projeções. Quanto ao futuro, revela que diversos partidos o convidaram para concorrer a algum cargo eletivo em 2026, entretanto, considera que ainda é prematuro tomar uma decisão.

Jornal do Comércio – No ano passado, o Rio Grande do Sul passou pela maior enchente da história. Além disso, o Estado vem passando por sucessivas estiagens. Qual a importância do Rio Grande do Sul ter assumido a presidência do BRDE nesse contexto?

Ranolfo Vieira Júnior - Foi importante o Rio Grande do Sul ter alguém à frente do BRDE, após o Estado ser severamente atingido pela catástrofe climática, pela enchente de maio de 2024. Embora eu tenha que reconhecer que a governança estabelecida entre os três estados é muito saudável. Em nenhum momento, um estado pode se sobrepor ao outro em termos de investimento. Por exemplo, se o banco tiver R$ 100,00 para emprestar, deve emprestar R$ 33,33 para cada estado.

JC – Deve ser distribuído de maneira equânime entre os três estados acionistas...

Ranolfo - Exatamente, de maneira equânime. Apesar disso, durante aquele momento específico, a direção do BRDE aprovou algumas medidas importantes. Por exemplo, o banco autorizou a prorrogação dos vencimentos (de operações financeiras do Rio Grande do Sul). Então, aquela empresa que tinha um contrato com o banco, que tinha que pagar mensalmente (a parcela), teve uma prorrogação de um ano. Só aí atingimos quase R$ 1,5 bilhão. Além disso, o banco lançou o programa Em Frente RS, que abriu uma linha de crédito de R$ 300 milhões com juros baixíssimos, 10% ao ano, cinco anos para pagar, com o primeiro ano de carência.

JC - Quantas empresas gaúchas esse programa do BRDE beneficiou?

Ranolfo – Esse programa específico, Em Frente RS, destinou aproximadamente R$ 300 milhões. Entre os setores beneficiados, estavam os permissionários do Mercado Público, da Estação Rodoviária, da Ceasa, bares e restaurantes de municípios atingidos (pela enchente) e pequenas empresas do Quarto Distrito. Nesse programa, o tíquete médio das operações era de R$ 268 mil. Ou seja, atingiram um público que não é o público-alvo do BRDE no dia a dia.

JC – Em geral, alcançou pequenas e médias empresas?

Ranolfo – Pequenas empresas, sem dúvida. Claro que a questão do banco ser dos três estados é importante, porque Santa Catarina traz a experiência de várias situações dessa natureza (eventos climáticos extremos), de enchentes em Itajaí, Blumenau, Tubarão. Então, essa experiência contribuiu muito para que a gente lançasse esses programas.

JC – Esses eventos extraordinários estimularam o banco a investir mais na sustentabilidade, na economia verde?

Ranolfo – Sem dúvida nenhuma. Aliás, o BRDE é reconhecido nacional e internacionalmente como o “banco verde”. Dos R$ 6 bilhões que negociamos ao longo de 2024, 82% foram de negócios ligados a pelo menos um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (da Organização das Nações Unidas). No ano de 2023, 2022 e 2021, os números repetem mais ou menos nessa proporção.

JC – Quais são os maiores parceiros do BRDE?

Ranolfo – Em 2015, 99,6% dos negócios que fazíamos tinham como origem o BNDES. O BNDES continua sendo nosso parceiro, mas, em 2024, representou 54% (dos negócios do BRDE). Afinal, buscamos parcerias com instituições internacionais, como a Agência Francesa de Desenvolvimento, Banco Europeu de Investimento, Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento, Banco de Desenvolvimento da América Latina, Banco dos Brics e Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura.

JC – E esses bancos têm ajudado a financiar os projetos em sustentabilidade?

Ranolfo – Esses bancos, especialmente os europeus, têm a questão da sustentabilidade muito presente. Além das instituições financeiras, o BRDE teve outras parcerias. Por exemplo, o Fundo Verde do BRDE empregou R$ 11 milhões em alguns projetos da Teia de Soluções da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, a Teia. Não fomos nós, do banco, que escolhemos os projetos. Foram pessoas da academia, técnicos da área, que avaliaram soluções baseadas na natureza. Foram escolhidos 15 projetos e o Fundo Verde foi utilizado para financiá-los sem a necessidade de pagamento. Lembro de um projeto do município gaúcho de Estrela, para a reestruturação da área central da cidade, que recebeu o valor mais alto, algo em torno de R$ 1,2 milhão.

JC – O banco realizou R$ 6 bilhões em operações em 2024. Nesse cenário, como ficaram as contas do banco?

Ranolfo - No ano passado, fechamos com um balanço positivo de R$ 474 milhões. Nesse ano, de janeiro a setembro, já superamos o ano passado. Possivelmente, vamos alcançar um resultado positivo de R$ 600 milhões até o final de 2025.

JC – Então, o BRDE vai fechar o ano com um crescimento de dois dígitos?

Ranolfo – É, o balanço patrimonial do BRDE somou R$ 4,5 bilhões em 2024. Em setembro deste ano, já totalizava R$ 5,4 bilhões. Ou seja, cresceu o patrimônio em quase R$ 1 bilhão em menos de um ano.

JC – A Reforma Tributária deve acabar com a guerra fiscal entre os estados. O BRDE, enquanto banco público do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, ganha força nesse novo contexto? Pode ser um diferencial para atrair empresas para o Rio Grande do Sul?

Ranolfo – Hoje, na questão do desenvolvimento, um dos maiores atrativos é o Fundo Constitucional. Por exemplo, os fundos constitucionais do Nordeste, do Norte e do Centro-Oeste. Vou pegar o exemplo do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste, que, em 2024, aplicou R$ 11,5 bilhões (só no setor de pecuária). Para que serve esse dinheiro? Para o Banco do Nordeste fazer a equalização de juros. Ou seja, subsidiar os juros. Então, como a taxa Selic está em 15%, o tomador de crédito vai pagar apenas 5%, porque os 10% restantes serão pagos com o Fundo Constitucional. O BRDE não tem esse instrumento para o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Então, o grande diferencial seria uma fonte de equalização de juros.

JC – Os governadores e a bancada dos estados do sul teriam que articular um fundo Sul-Sudeste no Congresso Nacional...

Ranolfo – Teriam que articular. Isso é um sonho.

JC – A Reforma Tributária deve acabar com o Fundopem, que é um instrumento de estímulo fiscal para empresas. Seria possível substituir a isenção fiscal do Fundopem pelo crédito subsidiário?

Ranolfo - Não estou falando como Estado, estou falando como banco do desenvolvimento. Uma coisa é o banco, outra coisa é o governo do estado do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Aí tem uma série de questões em aberto, porque ninguém sabe como vai ficar a regulamentação. Inclusive, participo diretamente de algumas delas. Por exemplo, há uma discussão ferrenha entre os próprios municípios. Os grandes municípios e os municípios com até 50 mil habitantes. Os pequenos estariam perdendo muito. Agora, da ótica do banco de desenvolvimento, o importante seria termos uma forma de subsidiar os juros através de programas específicos.

JC - De qualquer maneira, o BRDE é um ativo dos estados do Sul?

Ranolfo – É um ativo, sem dúvida nenhuma.

JC - Qual é o principal desafio para o Rio Grande do Sul atualmente?

Ranolfo – Nosso maior desafio são as emergências climáticas, em especial, as estiagens. Isso eu já dizia como governador. "Mas por que não fez as obras necessárias?". Não se faz de uma noite para o dia.

JC - A irrigação tem que ser o ponto central na agenda do desenvolvimento?

Ranolfo – É uma medida estruturante, estou absolutamente convencido disso. Para tudo tem um começo, mas não adianta começar um montinho lá, um montinho aqui. É uma coisa que tem que estar estruturada.

JC - E o BRDE pode alavancar a irrigação no Rio Grande do Sul?

Ranolfo – O banco não tem tamanho para tudo o que seria necessário. Tem que ser uma coisa para valer. Nesse caso, creio que seria interessante um fundo constitucional especificamente para irrigação. Claro que, junto disso, tem uma série de outras questões. Tem que alterar a legislação, esclarecer de que forma será reservada a água, avaliar se existe energia disponível na ponta, na área de plantio. Por isso, digo que é uma política macro, mas fundamental para o Estado.

JC – E qual a principal oportunidade que o senhor enxerga no Estado?

Ranolfo – O Rio Grande do Sul tem se destacado pela questão da inovação e tecnologia. É uma área que pode nos trazer bons resultados. Grandes empresas anunciaram instalações aqui, a exemplo do Scala Data Center em Eldorado do Sul e da fábrica de semicondutores Telescom em Cachoeirinha. Na área de inovação, temos ainda o investimento da CMPC (multinacional chilena da área da celulose), no valor de R$ 27 milhões. Existe um outro investimento prestes a ser anunciado nos próximos dias, mas que ainda não podemos falar...

JC - Na área da inovação também?

Ranolfo – Hoje a inovação está em tudo. A própria inovação trazida pelo agro gaúcho refletiu para o Brasil e para o mundo. Os produtores colhiam determinado número de sacas de soja por hectare, hoje a produtividade multiplicou. Então, é inovação, é tecnologia.  E o Rio Grande do Sul serviu de escola para os biocombustíveis também, transição energética, hidrogênio verde, embora isso esteja muito incipiente ainda.

JC – Considerando a questão climática que o senhor mencionou antes, a inovação e a sustentabilidade são os dois grandes eixos de transformação da economia gaúcha?

Ranolfo - Vejo que sim. E, casualmente, são duas questões que estão no DNA do banco. A sustentabilidade está no DNA do BRDE. A inovação também, até porque operávamos a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep, fundo em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação). Aliás, temos uma fila de negócios nessa área, em razão do corte desse recurso, que estamos buscando alternativas. O banco tem financiado projetos bem interessantes nos estados que atendem, como em Santa Catarina Florianópolis é conhecida como a Ilha do Silício.

JC – Sustentabilidade e inovação são duas marcas que senhor destaca na sua gestão à frente do BRDE...

Ranolfo - Também intensificamos as Parcerias Público-Privadas (PPPs). Temos dezenas de modelagens de PPPs nos municípios dos três estados do Sul. Começou na área da iluminação pública, saúde e agora infraestrutura escolar. Estamos fazendo a estruturação da PPP da infraestrutura escolar de Santa Maria, junto com o BNDES. Isso vai ser revolucionário, um case para o Brasil. A ideia é o professor cuidar das questões pedagógicas. Já a infraestrutura da escola será gerenciada por uma empresa privada, que vai ser paga pelo governo através de uma PPP. Então, ao longo de 25, 30 anos, a empresa vai ser responsável por trocar uma lâmpada queimada, pela reforma de um banheiro, a substituição de um ar-condicionado que não está funcionando, uma classe que quebrou.

JC – Após deixar a presidência do BRDE, o que o senhor projeta para a sua carreira?

Ranolfo - Eu volto a ser diretor de operações (do BRDE). Claro que agora entram as questões de natureza política...

JC – Quais partidos já procuraram o senhor?

Ranolfo – Vários. Nesse momento, não tenho filiação político-partidária, porque não podia ter com o presidente do banco. Agora, começa a discussão. Tenho convites para me filiar, para concorrer no ano que vem. Mas ainda está muito cedo para decidir isso. Então, nesse momento, eu volto a ser diretor de operações. Vamos ver o que vai acontecer.

JC – O senhor pode mencionar algum partido que já entrou em contato com o senhor?

Ranolfo – Na semana passada, quando visitei o governador (Eduardo Leite, PSD) para entregar o relatório da minha gestão no BRDE, agradeci a indicação dele. Após a conversa sobre o banco, ele disse: ‘agora a gente tem que conversar de política.’ Então, essa conversa é natural. De qualquer forma, o prazo de incompatibilização para concorrer é até o dia 31 de março.

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