O Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), atuando cada vez mais próximo das cidades, busca ser um "parceiro completo" e mediar acordos para Parcerias Público-Privadas (PPPs) em municípios do Rio Grande do Sul e demais estados do Sul do Brasil.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o diretor de Planejamento do BRDE e ex-secretário estadual da Fazenda, Leonardo Busatto, conta como o banco está auxiliando prefeituras na formalização de contratos em áreas como, por exemplo, de iluminação pública.
Fala também sobre a expectativa de atingir recorde de R$ 4,5 bilhões em financiamentos até o final do ano, o posicionamento do BRDE como um banco verde e a preparação de uma revisão geral das prioridades do banco para se conectar mais com as questões globais do mundo atual. "Ali na frente, vou ter que dizer que eu não posso financiar uma ou outra indústria que existe aqui na região e que acaba tendo uma poluição", pondera.
Jornal do Comércio - Quais têm sido as prioridades à frente da Diretoria de Planejamento do BRDE?
Leonardo Busatto - O governador Eduardo Leite (PSDB) elencou três grandes missões para o banco. Uma delas é transformar realmente o BRDE, que já se posiciona como um banco verde, para auxiliar na transição energética, na descarbonização da economia, financiamento de investimentos em ESG. O banco já tem uma trajetória. Tem um compromisso de financiar atividades que são ambientalmente sustentáveis ou carbono zero. Outro ponto é reforçar a questão da inovação. O governador tem batido na tecla de que é através da inovação que a gente vai conseguir sair desse círculo vicioso de baixo crescimento. O terceiro ponto mais importante, que aí sim o banco caminha passos iniciais, é a estruturação de uma área para projetos de Parcerias Público-Privadas. No caso, focado nos municípios. O banco pode se posicionar, assim como é o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), como um banco de serviços, que possa fazer a estruturação desses projetos de PPPs nos municípios gaúchos. Já assinamos três parcerias com municípios para iluminação pública. Mas a gente quer avançar, ter mais projetos em mais áreas, tanto que temos mudado as estruturas aqui. Queremos ser reconhecidos por parte dos municípios gaúchos e da região Sul como um banco estruturador de projetos. Hoje é iluminação pública, quem sabe amanhã sejam parques municipais, quem sabe até ativos turísticos. Ali na frente, de repente, saneamento.
JC - Participa das PPPs com algum tipo de financiamento?
Busatto - Como funciona na prática: o BRDE adianta os recursos, paga os valores para as consultorias, ou seja, o município não entra nesse primeiro momento com nenhum valor. Como é que o BRDE acaba sendo ressarcido: de duas maneiras. Uma direta, que é quando o vencedor ganha licitação, no seu custo, ele tem que ressarcir todas despesas envolvidas na estruturação. O custo para o município, nesse momento, é zero. Pelo contrário, terá uma economia com a conta de luz. O BRDE tem esse lado de estruturação do projeto e ganha uma parte, que não é relevante. Mas a intenção também é o outro lado: financiar o parceiro privado, que vai ter que fazer todo o investimento de iluminação pública, que daí sim há um financiamento à disposição, que tem um bom custo e prazo.
JC - O que levou o BRDE a se voltar para municípios?
Busatto - Sempre existiu medo do município não pagar, de ter algum problema de judicialização. Mas, hoje, o empréstimo mais seguro é para o município. Quando faz um financiamento para uma empresa privada, se pede uma garantia. Com o município, definimos que a garantia é a própria cota do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Se houver um caso que o município não pague, a gente simplesmente aciona o Banco do Brasil, que é o banco que recebe o FPM. Em vez de pagar para o município, ele desconta e repassa para nós. Não tem tido problema, muito antes pelo contrário. O grande ponto que temos dito aqui é que ele gera um efeito mais concreto para as pessoas. Vamos ter o asfaltamento de uma rua, um sistema de drenagem que vai impedir o alagamento etc. Do ponto de vista de valor, para o BRDE, é pouco relevante. O BRDE deve atingir R$ 4,5 bilhões de operações e empréstimos. Esse ano os municípios devem estar chegando a um pouco mais de 5% disso, na casa dos R$ 200 milhões ou R$ 300 milhões, mas o nível de relevância na vida das pessoas é muito maior. É um caminho que entendemos que precisamos seguir.
JC - É possível mensurar o retorno econômico de um financiamento que o banco faz a um município ou ao setor privado?
Busatto - É uma grande pergunta que temos feito. O banco é historicamente mensurado pelos resultados dos seus índices financeiros, ou seja, quanto que ele emprestou. Ele ainda não conseguiu ter essa visão de mensurar o resultado finalístico. Em 2024, faremos uma grande revisão no nosso planejamento estratégico e esperamos conseguir ter um conjunto de indicadores que possam justamente responder essa pergunta: qual é o impacto finalístico dos nossos investimentos? Porque não conseguimos demonstrar para sociedade e para população o impacto na vida real. Esse é o grande papel do banco de desenvolvimento: gerar desenvolvimento. Não é só gerar resultado para si ou para o governo, que é acionista, deve gerar impacto na sociedade. Eu tenho certeza absoluta que o banco gera muito impacto, mas ele hoje não consegue nem mensurar e muito menos demonstrar.
JC - O que envolve essa revisão estratégica do banco?
Busatto - Os últimos anos têm sido muito importantes no mundo para rediscutirmos o caminho que precisamos seguir. Tivemos a pandemia, tem as questões ambientais, demandas da sociedade em relação à desigualdade de renda e de gênero. O banco não pode estar alheio a isso. Os governadores, que são os acionistas e os donos do banco, demandaram uma visão de longo prazo. O banco está desenvolvendo com apoio de uma consultoria da Unisinos um projeto chamado Vinte Quarenta. A ideia é entender para onde o banco e, consequentemente, os estados têm que caminhar até 2040, que é logo ali, estamos falando de 17 anos. Com esse trabalho a gente vai conseguir direcionar melhor os esforços do banco. Hoje temos uma economia tradicional nos três estados: muito forte no agro, no setor exportador, especialmente, na produção de produtos primários não industrializados ou sem valor agregado. Produzimos soja, que é importante, obviamente, mas sem agregar valor a ela. Será que é esse o caminho? Nós, os três estados, vamos continuar sendo estados somente exportadores de grãos? Ou vamos avançar para questões mais complexas? É a discussão que teremos.
JC - O BRDE já se posiciona como um banco verde, cita que 80% dos empreendimentos que receberam crédito no ano passado cumprem pelo menos um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Não é pouco?
Busatto - Eu concordo que deveríamos estar mais avançados nisso. Como eu falei, acho que é um pouco da visão dos últimos anos de mudança de foco do banco, que nem se preocupava com aderência às questões do movimento sustentável. A questão do banco verde é uma marca, o BRDE se posiciona como banco verde, mas temos alguns passos a seguir. É difícil para um banco que tem 62 anos deixar de financiar alguns setores que são históricos, porque também empregam pessoas e geram renda, mas ele vai ter que fazer uma caminhada que, muitas vezes, vai ter que ser uma caminhada não só para decidir o que vai financiar, mas o que não vai financiar. Isso certamente vai ter um custo político e econômico para o Estado, financeiro para o banco. O Estado já aderiu ao chamado Net-Zero Banking Alliance. As Nações Unidas definiram uma série de setores do mundo, em várias áreas da economia, para o compromisso de reduzir a zero a emissão de carbono. O banco está discutindo e pretende aderir ao compromisso de que até 2050 todos financiamentos, no total, tenham carbono zero. Ou seja, se eu financiar uma indústria que é poluente, tenho que financiar projetos que não emitam carbono na atmosfera ou que neutralizem, através da compensação. O que não é fácil. Ali na frente, vou ter que dizer que eu não posso financiar uma ou outra indústria que existe aqui na região e acaba tendo uma poluição. Elas vão ter que se adaptar a isso, ter processos mais sustentáveis, com menos emissão de gás carbônico na atmosfera para poder conseguir um financiamento. Não tenho dúvida que, em poucos anos, todos nossos parceiros internacionais e nacionais vão exigir regras de redução da emissão de gás carbônico.
JC - O banco ampliou a carteira em mais de 26% nos últimos quatro anos, acima de R$ 16,5 bilhões. Como foi possível isso?
Busatto - São dois aspectos. Um é o aumento da nossa captação de recursos de outros bancos. O BRDE, até 5 anos atrás, repassava recursos que o BNDES nos passava. O BNDES passou a limitar isso. O banco teve que buscar outras fontes. À medida que busquei outras fontes, consegui mais recursos para poder emprestar. Do outro lado, é um pouco a questão da diversificação. Passei a não focar somente na questão do agronegócio e passei a buscar recursos para empresas, municípios, setor de inovação, setor turístico, saúde. Antigamente falar sobre financiamento de um parque turístico era algo que ninguém estava perto. Essa ampliação de recursos e da diversificação fez a gente ter um crescimento muito fora da curva. Temos meta para esse ano fechar em R$ 4,5 bilhões de operações. Acho que vamos conseguir. E ano que vem atingir R$ 5 bilhões, ou seja, mais de 10% em relação a esse ano, que já vai ser um ano histórico.
JC - Ano passado foi recorde de R$ 4,4 bilhões. A expectativa é superar?
Busatto - Superar. Ano passado, por conta de programas de governo, como o Juro Zero no Rio Grande do Sul, tivemos uma demanda extraordinária que não vai ter esse ano. Vamos, provavelmente, bater a meta do ano passado, mas com uma qualidade da carteira melhor.
JC - Como o BRDE pode atuar em parceria com o Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud)?
Busatto - É uma discussão também. Os governadores já demandaram, por exemplo, um estudo para inclusão do Mato Grosso do Sul (MS) no BRDE. Recentemente, no Cosud, o próprio governador do Paraná propôs uma ampliação não só do BRDE, mas a criação de um banco para a região Sul e Sudeste que possa complementar ou fazer as mesmas funções que o Banco do Nordeste. Essas iniciativas sempre são positivas, porque à medida que os estados têm um banco de desenvolvimento, eles complementam o papel que o BNDES tem. O que temos colocado aos governadores é que o BRDE, pela expertise, pode auxiliar não só com a vinda de um estado, mas também com assistência técnica para que se criem essas estruturas. Por exemplo, MS estava discutindo a entrada no BRDE, mas uma alternativa também seria criar o seu próprio banco, e o BRDE ser uma espécie de assistência técnica. O Banco do Nordeste tem um papel relevante no Nordeste com financiamentos muito baratos, que são subsidiados por recursos federais e dos estados. Uma estratégia poderia ser criar um mecanismo de financiamento aos estados do Sul e Sudeste com uma mesma visão. Ou com o próprio fundo constitucional que está se discutindo na reforma tributária, os governadores têm batido na tecla de ter um fundo aqui.
JC - O Mato Grosso do Sul deve integrar o BRDE?
Busatto - Criou-se um grupo de trabalho para discutir isso, e tem uma série de pontos que vão ser levados aos governadores para a tomada de decisão. Essa inclusão do MS não é trivial. Teríamos que dividir capital do banco. Quando se criou o BRDE, os estados aportaram dinheiro, então o MS teria que aportar algum recurso para virar sócio do banco. Imaginamos que até o final do ano tenha uma finalização desse estudo, e os governadores vão tomar uma decisão baseados no que foi colocado.
JC - Qual a diferença para o Estado ter a presidência do BRDE, que volta ao RS a partir de 2024?
Busatto - A presidência tem um papel importante porque o presidente acaba tendo uma tomada de decisão maior que os demais diretores. A visão dos funds (fundos) internacionais para o Rio Grande do Sul, quando se tem a presidência, é diferente. As decisões de alocação dos recursos, o relacionamento com o BNDES, com outras instituições, são diferentes por ter a presidência. Será um momento importante, no meio dessa gestão de quatro anos, por sorte nossa, a parte mais importante, que é quando as coisas acontecem.
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