
Crédito, Reuters
- Author, Rute Pina e Thais Carrança
- Role, Da BBC News Brasil em São Paulo
Há 21 minutos
Moraes afirmou, em despacho publicado nesta segunda-feira (21/7), que Bolsonaro não pode se utilizar de redes sociais de terceiros para "transmissões, retransmissões ou veiculação de áudios, vídeos ou transcrições de entrevistas", sob pena de prisão.
Na sexta-feira (18/7), ele já havia imposto uma série de medidas cautelares ao ex-presidente, como uso de tornozeleira eletrônica, recolhimento domiciliar noturno e integral em fins de semana e proibição de contato com embaixadores.
Na decisão da segunda, o ministro diz que as restrições abarcam "transmissões, retransmissões ou veiculação de áudios, vídeos ou transcrições de entrevistas em qualquer das plataformas das redes sociais de terceiros, não podendo o investigado [Bolsonaro] se valer desses meios para burlar a medida, sob pena de imediata revogação [da medida cautelar anterior] e decretação da prisão".
A BBC News Brasil questionou o STF se Bolsonaro está proibido de dar entrevistas.
Por meio da assessoria de imprensa, a Suprema Corte informou que não há proibição de dar entrevistas mas que, se essas entrevistas forem reproduzidas nas redes sociais pelos órgãos de imprensa — ou postadas ou reproduzidas nas redes por qualquer pessoa —, isso fere as medidas cautelares e Bolsonaro pode ser preso.
Horas depois do despacho de Moraes, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) publicou no Instagram um vídeo do pai em que o ex-presidente mostra a tornozeleira eletrônica, que ele chamou de "símbolo da máxima humilhação".
No texto publicado com o vídeo, Eduardo afirma que a decisão mais recente de Moraes mostra uma "escalada autoritária" promovida pelo ministro do STF.
"Dessa vez, a decisão absurda de proibir meu pai de dar entrevistas (algo que nem chefes de facções ou corruptos que hoje mandam no país sofreram) atinge não apenas o seu alvo, mas também a imprensa, agora impedida de exercer seu ofício, e toda a população, privada de seu direito à informação."
No início da noite desta segunda, Moraes intimou advogados de Bolsonaro a explicar, em até 24 horas, por que teria violado a decisão, sob pena de prisão.

Crédito, Reuters
A reportagem também pediu a Celso Vilardi, advogado de Bolsonaro, um posicionamento oficial da defesa do ex-presidente quanto ao despacho de Moraes desta segunda-Feira, mas Vilardi não respondeu até a publicação desta matéria. Caso ele responda, a reportagem será atualizada.
Abaixo, o que advogados constitucionalistas e criminalistas ouvidos pela BBC News Brasil pensam sobre a decisão do ministro do STF.
O que diz quem é contra a decisão de Moraes
Para Thiago Bottino, professor da FGV Direito Rio, a proibição de usar redes sociais imposta a Bolsonaro não tem previsão legal, ao contrário das outras medidas cautelares determinadas por Moraes.
"O artigo 319 do Código de Processo Penal lista dez medidas cautelares alternativas à prisão", observa o especialista em direito penal.
"Tornozeleira eletrônica, recolhimento domiciliar noturno e durante o final de semana, proibição de contactar determinadas pessoas. Todas essas [medidas] estão na lei. Proibição de usar rede social não está", afirma.
Bottino reconhece que, na época em que a última reforma do código foi feita, em 2018, as redes sociais não tinham a magnitude que têm hoje. E que há juristas que defendem que o juiz criminal tem um dever de cautela e que as medidas cautelares listadas não seriam taxativas, mas apenas exemplos, e que outras medidas similares poderiam ser decretadas.
"Eu discordo, acho que o que está no Código de Processo Penal é o que pode ser feito. Fora da previsão legal, é o legislador que tem que se manifestar e proibir", diz Bottino.
"Sou crítico a você criar do nada medidas que limitam a liberdade da pessoa só porque ela responde a um processo criminal, por mais deplorável que essa pessoa seja."
O professor da FGV observa ainda que não faz sentido a proibição alcançar terceiros, como detalhado por Moraes no despacho desta segunda-feira.
"Se o Bolsonaro dá uma entrevista para qualquer veículo de comunicação e esse veículo publica num jornal impresso, ou transmite na televisão, ou coloca numa plataforma de mídia digital, isso não está no controle dele e ele não pode sofrer consequências por isso", diz Bottino

Crédito, EPA
Enquanto Bottino questiona apenas a proibição ao acesso às redes sociais, o advogado criminalista Rafael Valentini, sócio do FVF Advogados, vai além e questiona as medidas cautelares impostas contra Bolsonaro como um todo.
Para Valentini, embora as medidas sejam previstas em lei, os argumentos apresentados na sexta-feira por Moraes para justificá-las no caso de Bolsonaro são frágeis.
"Todos os motivos que levaram o ministro Alexandre de Moraes e, posteriormente à maioria da primeira turma do STF [a determinar as medidas cautelares contra Bolsonaro], não são fatos relevantes e que justificam essa restrição", defende Valentini.
Ele observa que a maior parte das evidências citadas por Moraes na decisão da sexta-feira são capturas de tela de postagens, principalmente de Eduardo Bolsonaro, que foram considerados como provas de crimes, mas que não envolvem diretamente ações do ex-presidente.
Assim, Valentini avalia que as medidas cautelares em geral, e a restrição de uso de redes sociais em particular, não são adequadas no caso de Bolsonaro.
"No meu modo de ver, o ex-presidente, até por ser uma pessoa pública, tem a prerrogativa de ter sua liberdade de pensamento, de poder se manifestar, de poder exteriorizar a sua indignação", diz o criminalista.
"Perdemos mais como sociedade ao restringir esse uso da rede social e, por consequência, ferir a liberdade de expressão, do que acautelar um processo que já está acautelado, porque a instrução processual já foi encerrada, estamos aguardando as alegações finais por parte da Procuradoria-Geral."
Na mesma linha, o advogado constitucionalista André Marsiglia considera as decisões de Moraes "inconstitucionais e censórias".
O advogado argumenta que o despacho desta segunda-feira viola não apenas o direito de Bolsonaro, mas também o da sociedade à informação.
"A liberdade de expressão não é apenas o direito de quem está entrevistando, é o direito da sociedade de receber aquelas informações, que são de interesse público. É um direito do jornalista, de quem se expressa, mas também o direito de todos nós recebermos aquilo. Então, isso fica impedido."
Ele também criticou a falta de clareza e o caráter retroativo da decisão. "Ao dizer que é impedida a transmissão e a retransmissão de fala, voz e imagem, se você publicar uma entrevista antiga, você pode ser punido? Se você publicar uma frase do Bolsonaro de 1980, você pode ser punido?", questiona.
Na avaliação de Marsiglia, a proibição se baseia em uma lógica de censura prévia, ao presumir que qualquer manifestação futura de Bolsonaro será ilícita.
"Se você acha que a pessoa cometeu um ilícito, você pode restringir o ilícito passado. Mas pressupor que ela vai cometer ilícitos ao se manifestar no futuro, você promove censura, impede o ilícito, impedindo também o lícito, impedindo tudo."
"Isso é uma censura não só prévia, que alcança os atos futuros, mas retroativa, que alcança o passado também do Bolsonaro, e seletiva, se destina apenas às redes sociais."
Para Marsiglia, há falta de isonomia na decisão, o que a tornaria inconstitucional mesmo que tivesse base legal.
"A Constituição exige que os atos de um juiz sejam isonômicos. Se ela é desproporcional, ela se torna ilícita, errada, inconstitucional."
O que diz quem é favorável
Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do Grupo Prerrogativas — criado em 2014 e que se notabilizou por ações questionando decisões consideradas arbitrárias no âmbito da Operação Lava-Jato — reconhece que há uma contradição na decisão do STF, ao afirmar que Bolsonaro não está proibido de dar entrevistas, mas proibir a publicação dessas mesmas entrevistas na redes.
Ainda assim, o advogado especializado em Direito Público e filiado ao PT desde a juventude, considera a decisão de Moraes acertada.
"De fato, Bolsonaro usa as redes sociais para incensar as hordas bolsonaristas por uma saída que não seja democrática para a crise que eles mesmo criaram. Então faz sentido, neste momento, que o país sofre fortes ataques à sua soberania, restringir essas falas que atentam contra a democracia e contra as instituições", diz Carvalho.
"Vamos lembrar que, na verdade, o que está em ataque, além da soberania, é a ordem econômica, com medidas anunciadas pelo Trump que foram articuladas pela família Bolsonaro, segundo eles próprios, que o confessaram em rede nacional e sem nenhum tipo de pudor."
Carvalho vê, porém, uma dificuldade de execução da restrição, já que ela envolve a ação de terceiros.
"Há uma dificuldade, porque ele [Bolsonaro] não está proibido de dar entrevistas, mas elas não podem ser publicadas em redes sociais. Então, o ministro [Alexandre de Moraes] terá a oportunidade de esclarecer como isso será implementado."
A advogada constitucionalista Priscila Pamela também enxerga a restrição como um esclarecimento às medidas impostas na semana passada.
Segundo a argumentação de Moraes para a imposição de medidas cautelares, os indícios dos crimes de coação de processo, obstrução de Justiça e ataque à soberania estão em ações praticadas, em sua maioria, nas plataformas digitais.
Pamela afirma que o despacho desta segunda-feira foi um alerta. "A decisão anterior já delimitava esses limites. O ponto é que, de uma forma até maliciosa, se tentou driblar a decisão fazendo uma gravação por meio do partido, para poder ser transmitida por redes sociais. Mas a restrição era clara."
"Vejo que a decisão seria inclusive desnecessária. Mas ela foi até prudente, como um alerta para que não haja um descumprimento deliberado e que não haja uma desculpa de não aviso."
Como caso Bolsonaro se compara a Lula em 2018?

Crédito, Getty Images
Para André Marsiglia, a comparação é pertinente porque a própria Corte liberou, em 2019, declarações de Lula à imprensa.
"Quando Lula foi impedido de dar entrevistas, o STF entendeu que aquilo seria censura. E Lula estava preso. O Bolsonaro não está preso. Ele está com medidas restritivas. Então, o próprio STF em relação ao Lula preso foi mais rigoroso [com o direito à liberdade de expressão] do que em relação ao Bolsonaro solto. Isso me parece esquisito."
Priscila Pamela afirma, no entanto, que a comparação não é equivalente.
"Esses momentos são incomparáveis. O Lula nunca teve qualquer tipo de acusação de praticar crimes por meio de redes sociais e que atentasse contra a soberania do país", afirma. "Comparar uma coisa com a outra é comparar banana com laranja, numa linguagem bem simplista."
A advogada defende que a liberdade de expressão não é um direito absoluto. "Todos os direitos, até os bens mais caros, têm algum tipo de relativização. A liberdade de expressão não pode ser confundida com práticas criminosas", afirma.
Questionado se há um tratamento mais duro a Bolsonaro do que o dispensado a Lula em 2018, Bottino também considera que se tratam de situações diferentes.
À época dos processos contra Lula, lembra Bottino, o petista nunca chegou a ter medidas cautelares impostas contra ele, porque não havia uma percepção do Judiciário de que o petista tivesse a intenção de empreender fuga ou que estivesse obstruindo de alguma forma as investigações.
O criminalista observa ainda que Lula foi preso após a condenação em segunda instância, e não após o término do processo, numa mudança de jurisprudência que só valeu entre 2016 e 2019, e depois foi revertida.
Além disso, uma vez preso, Lula foi impedido de dar entrevista e de comparecer ao velório de seu irmão Vavá, embora essas restrições não existam na Lei de Execuções Penais.
"Eu acho, na verdade, que o Lula foi tratado de uma forma mais severa", diz Bottino.

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3 meses atrás
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