A liquidação extrajudicial do Banco Master, decretada pelo Banco Central neste mês, ilustra um problema clássico da economia: o risco moral. O episódio acionou o Fundo Garantidor de Créditos (FGC) para o maior ressarcimento de sua história, com estimativa de R$ 41 bilhões em garantias, podendo chegar a R$ 49 bilhões, e 1,6 milhão de credores afetados. Todos vamos pagar parte do prejuízo.
Antes da queda, o banco oferecia taxas superiores à média em seus CDBs, em alguns casos 180% do CDI, enquanto concorrentes ofereciam de 100% a 110%, prêmios que, em qualquer mercado, costumam sinalizar problemas. O marketing vinha com a chamada de um "CDB coberto pelo FGC até R$ 250 mil", transformando o mecanismo criado para proteger poupadores em parte central da estratégia para empurrar o risco de crédito mais alto.
Para entender por que isso gera risco moral, vale voltar ao básico do seguro. No seguro de carro, o motorista sabe que um acidente pode gerar prejuízo grande, mas não conhece a probabilidade de isso acontecer, então paga um valor pequeno para transferir à seguradora a tarefa de medir o risco e concentrar os prejuízos, evitando ficar exposto sozinho a uma perda grande e incerta.
Contudo, quando há informação escondida antes do contrato, surge a seleção adversa. O motorista sabe que é mais arriscado que a média, mas a seguradora não consegue distingui-lo e, ao cobrar um preço "médio", acaba atraindo os piores riscos. Já quando a informação está nas ações após o contrato, aparece o risco moral. Afinal, uma vez segurado, o indivíduo pode decidir ser menos cuidadoso porque não arca sozinho com o custo.
Se o segurado influencia a probabilidade de perda e o esforço é invisível, oferecer cobertura total distorce incentivos, levando o equilíbrio a incluir franquias e seguro para que o motorista mantenha interesse em evitar o acidente. Cobertura demais reduz cuidado, cobertura de menos deixa pessoas expostas a choques, ou seja, o desenho precisa encontrar um meio-termo entre proteção e responsabilidade.
No sistema bancário, o FGC é a versão institucional desse raciocínio. É uma associação privada, financiada pelas próprias instituições financeiras, que funciona como um seguro de depósitos para correntistas e pequenos investidores: garante aplicações como CDB, poupança, LCI e LCA até R$ 250 mil por CPF ou CNPJ por instituição para proteger quem não tem como acompanhar o risco de cada banco e, principalmente, evitar corridas e o efeito dominó de uma quebra sobre o restante do sistema.
Ao reduzir o medo de perda total em caso de intervenção, o FGC diminui a chance de saques em massa por pânico, que podem arrastar instituições solventes junto com as problemáticas. Mas essa mesma rede de proteção, se combinada com supervisão frouxa, distorce incentivos: bancos se sentem mais à vontade para assumir risco, sabendo que parte das perdas será socializada, e investidores passam a olhar quase só para a taxa, confiando que, se algo der errado, o fundo entra em cena. O desenho da garantia tenta justamente caminhar nesse fio estreito entre conter o contágio financeiro e não alimentar o risco moral.
O caso Master reúne os dois lados do dilema. Para o investidor de varejo, o FGC virou escudo: bastava não ultrapassar R$ 250 mil por CPF para que qualquer taxa parecesse aceitável, reforçado pelo próprio marketing. Para o banco, a combinação de garantia robusta e foco do cliente na sigla FGC viabilizou uma captação agressiva com juros muito acima do mercado.
Quando a música para, a conta não fica só com os "imprudentes". Quem está dentro do limite deve ser ressarcido, mas enfrenta burocracia e falta de liquidez, enquanto o FGC queima dezenas de bilhões em um único caso e precisa se recompor com contribuições maiores das demais instituições. Pequenos investidores perdem tranquilidade, alguns perdem dinheiro, o fundo perde margem de proteção e o sistema fica mais caro e desconfiado.
O seguro cumpriu o papel de evitar corridas e contágio, mas redistribui ao longo do tempo o custo de decisões sustentadas por busca de taxas fáceis e uso do FGC como argumento de venda. Nos livros, risco moral é quando alguém relaxa porque sabe que não ficará sozinho com o prejuízo; no Master, o relaxamento esteve tanto no investidor quanto no banco, e, quando o risco moral se concretiza, a fatura é dividida por todos que dependem de um sistema bancário funcional.

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