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Crise climática e endividamento desafiam hegemonia da soja no País

Thiago Copetti, especial para o JC*

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Thiago Copetti, especial para o JC*

A safra 2025/2026 começa sob o peso de um endividamento recorde e da instabilidade climática que ameaça a hegemonia da soja no Brasil. As quebras de safra sucessivas reduziram a produtividade, ampliaram as dívidas — estimadas em R$ 27,4 bilhões — e levaram centenas de produtores à recuperação judicial. No Rio Grande do Sul, a soja, base da economia agrícola estadual, sintetiza a crise de um setor que luta para manter-se competitivo diante do aumento de custos e da retração do crédito rural. Em meio à pressão por medidas emergenciais, agricultores criaram a Associação de Defesa do Produtor Rural em Crise, que busca garantir prorrogação automática das dívidas e preservar a estrutura produtiva que sustenta o agronegócio.

O início da safra 2025/2026 trouxe à tona um dos momentos mais críticos já enfrentados pelo campo brasileiro. Em várias regiões do País, multiplicam-se casos de confisco de máquinas e leilões de terras de produtores endividados — um retrato da crise financeira que atinge o agronegócio após anos seguidos de perdas climáticas e retração de crédito. Estimativas indicam que mais de 65 mil produtores rurais acumulam dívidas próximas de R$ 27,4 bilhões, enquanto a inadimplência média, segundo a Serasa, já alcança 7,6%. Somente no Rio Grande do Sul, a Junta Comercial registrou 136 pedidos de recuperação judicial e 69 falências entre janeiro e agosto de 2025, o maior volume dos últimos anos.

A principal queixa no setor é a ausência de prorrogação automática das dívidas rurais - medida prevista em lei para casos de quebra de safra por fatores climáticos, mas raramente aplicada pelos bancos. Diante desse cenário, agricultores anunciaram a criação da Associação de Defesa do Produtor Rural em Crise, que tem como objetivo pressionar por regras claras e automáticas de renegociação, evitando que produtores percam suas propriedades enquanto ainda enfrentam prejuízos.

O contraste é inevitável: o mesmo campo que fez do Brasil uma potência mundial em alimentos agora luta para preservar sua base produtiva. A soja, protagonista dessa transformação, simboliza bem essa dualidade. Quando as primeiras sementes chegaram ao País, no início do século XX, ninguém imaginava que aquele grão, originário da Ásia, se tornaria motor da economia e orgulho nacional — hoje ameaçado pela instabilidade climática e financeira.

Do Rio Grande do Sul, onde começou a ser cultivada de forma experimental nos anos 1920, a soja conquistou o Centro-Oeste e o Nordeste, transformando a paisagem rural e impulsionando o crescimento econômico do País. Hoje, no entanto, o mesmo setor que ajudou a erguer a base produtiva do Brasil enfrenta o desafio de garantir sua sobrevivência diante das mudanças climáticas, da escassez de crédito e da fragilidade das políticas de apoio.

Quando as primeiras sementes de soja chegaram ao Brasil, no início do século XX, poucos imaginavam que aquele pequeno grão, originário da Ásia, se tornaria um dos motores da economia nacional e símbolo do agronegócio brasileiro. A trajetória da soja - da introdução tímida no Rio Grande do Sul à conquista do Centro-Oeste e do Nordeste - é também a história da transformação agrícola, econômica e social do País.

A soja tem origem milenar nas planícies da China, onde era cultivada há mais de cinco mil anos como base alimentar e fonte de proteína vegetal. No Brasil, os primeiros registros datam de 1882, mas foi no Rio Grande do Sul, a partir da década de 1920, que o grão começou a germinar de fato — não ainda como cultura comercial, mas em experimentos agrícolas e pequenas lavouras destinadas à rotação com o trigo, lançados pela Embrapa em 2018.

No livro Saga da Soja, de 1050 a.2050 d.C, publicado em 2018 pela Embrapa, os pesquisadores  Décio Gazzoni  e Amélio Dall´angnol relatam, ainda, que em 1921, na Estação de Agricultura e Criação em Santa Rosa, RS, sementes da oleaginosa foram ali multiplicadas erepassadas a agricultores da região, com os primeiros cultivos realizados em 1924. Pouco a pouco, o Brasil foi avançando na proposta de ter uma cultivar própria -  conquista celebrada em 1930, na Estação Experimental Fitotécnica das Colônias (Veranópolis), dando origem à primeira variedade nacional.

O plantio comercial de soja gaúcha ganhou corpo apenas nos anos 1960, quando agricultores e cooperativas começaram a investir na cultura atraídos pelo bom preço do óleo e pela crescente demanda internacional. O avanço coincidiu com o início da chamada "Revolução Verde", movimento global que modernizou a agricultura por meio do uso de insumos, máquinas e sementes geneticamente melhoradas.

Durante os governos militares (1964-1985), o Brasil viveu um ciclo de incentivo à expansão agrícola. O objetivo era claro: ocupar o território e reduzir a dependência de importações. Com crédito rural, pesquisa pública e obras de infraestrutura, o Estado estimulou o plantio de soja — considerada uma cultura de "modernização".

Foi nessa época que milhares de produtores gaúchos e paranaenses foram atraídos pelas terras mais baratas e amplas do Centro-Oeste. Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul tornaram-se o novo destino da agricultura nacional. Mas o desafio era enorme: os solos do Cerrado, ácidos e pobres em nutrientes, eram considerados inadequados para o cultivo.

Ciência e pesquisa estão na base de tudo

O que transformou o Cerrado foi ciência. A Embrapa, criada em 1973, desenvolveu cultivares tropicais adaptadas às novas condições de solo e clima, e o manejo com calcário tornou possível a produção em larga escala. A soja, antes confinada ao Sul, tornou-se a protagonista de uma nova fronteira agrícola — responsável por impulsionar o surgimento de cidades, cooperativas, estradas e indústrias.

A partir dos anos 1990, a soja deixou de ser apenas um produto agrícola e se consolidou como base da balança comercial brasileira. Hoje, o complexo da soja (grão, farelo e óleo) responde por cerca de 30% das exportações do agronegócio, sendo a China o principal destino.

As transformações que acompanharam e seguiram a trajetória da soja no Brasil são tão amplas e significativas que Décio Gazzoni e Amélio Dall'Agnol dividem a história do agronegócio brasileiro em "antes (até 1960) e depois da soja (posterior a 1960)". Os pesquisadores realizaram o livro que provavelmente é a obra mais completa sobre o desembarque da oleaginosa no Brasil (Saga da Soja, de 1050 a 2050 d.C,, publicado em 2018 pela Embrapa.

Esse marco divisório não se restringe ao campo, como Gazzoni e Dall'Agnol observam e apresentam na publicação. Ao longo das mais de uma centena de páginas, os autores demonstram, de forma inquestionável, como plantar, colher e vender o grão moldou o agronegócio nacional e foi fator de desenvolvimento econômico e social.

Linha do tempo

Os caminhos da soja no Brasil

1882: Primeiras sementes no Brasil

Pesquisadores da Escola de Agronomia da Bahia registram o primeiro cultivo experimental de soja no País, com sementes vindas da Ásia. A planta não se adapta bem ao clima tropical, e o cultivo não avança.

1920–1940: Ensaios no Sul do Brasil

Agrônomos gaúchos e paranaenses testam variedades em pequenas áreas de rotação com o trigo. A soja começa a ser usada como adubo verde e alimento animal.

1950–1960: Os primeiros cultivos comerciais

No Rio Grande do Sul, cooperativas e produtores passam a plantar soja de forma mais ampla, motivados pela demanda de óleo vegetal e farelo. O grão começa a ser vendido para o mercado interno.

1965–1975: Revolução Verde e incentivos do governo

O governo federal, em meio ao regime militar, cria políticas de crédito agrícola, modernização e ocupação do território. A soja torna-se uma cultura estratégica. Agricultores gaúchos migraram em massa rumo ao Centro-Oeste.

1973:– Fundação da Embrapa

 A criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária marca um divisor de águas. Pesquisadores desenvolvem variedades tropicais e métodos de correção do solo que tornam o Cerrado produtivo.

1980–1990: Expansão e consolidação

O Brasil passa a figurar entre os grandes produtores mundiais de soja. O grão ganha espaço na indústria de rações e óleo de cozinha. As exportações crescem.

2000–2010: Fronteira agrícola do Matopiba

Com o avanço da tecnologia e novas cultivares adaptadas à seca, o cultivo se expande para Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia – o chamado Matopiba. O Nordeste entra no mapa da soja.

2010–2020: Liderança global e diversificação

O Brasil ultrapassa os Estados Unidos e se torna o maior produtor e exportador mundial. O complexo soja passa a representar cerca de 30% das exportações do agronegócio nacional.

2020–2025 – Da proteína ao combustível verde

Com a política de descarbonização e expansão das usinas de biodiesel, o óleo de soja ganha novo destino energético. O grão se torna insumo essencial na transição para uma economia mais sustentável.

Soja transgênica foi divisor de águas

A introdução das sementes transgênicas de soja marcou uma virada histórica no agronegócio brasileiro. Até meados dos anos 1990, o cultivo era feito com variedades convencionais, mais vulneráveis e de produtividade limitada. A aprovação, em 1998, da soja tolerante ao herbicida glifosato pela CTNBio representou o primeiro marco regulatório. Mesmo antes da regulamentação plena, produtores especialmente no Rio Grande do Sul - já plantavam sementes transgênicas de forma ilegal, o que gerou contrabando, protestos e debates sobre royalties e soberania tecnológica. Com o avanço da tecnologia, o Brasil consolidou-se como uma das maiores potências mundiais na produção de transgênicos.

Cinco anos de crises climáticas transformam riqueza em dívidas

O avanço da soja brasileira no mercado global contrasta com a crise instalada em parte do campo gaúcho. No Rio Grande do Sul, principal produtor da região Sul, a sequência de perdas causadas por estiagens, ondas de calor e enchentes transformou o cenário econômico das propriedades rurais. A combinação de queda de produtividade e aumento do custo financeiro levou milhares de agricultores ao limite da capacidade de operação.

Em Tupanciretã, o produtor de soja Ricardo Lopes de Castro é um dos exemplos desse cenário. Após acumular uma dívida de R$ 2 milhões e registrar perdas médias de R$ 900 mil por ano desde 2012, ele conseguiu na Justiça uma liminar para impedir o leilão da fazenda onde mora, avaliada em cerca de R$ 8 milhões. Pela primeira vez em mais de três décadas de atividade, não irá plantar. "Não há mais crédito, nem margem para arriscar. Este ano o campo vai ficar vazio", diz o agricultor.

Situação semelhante vive Gilmar Kappes, produtor do Noroeste gaúcho. Desde 2020, ele não teve uma safra cheia. Em 2024, as enchentes reduziram a produtividade de 60 para 12 sacas por hectare. A dívida, que começou em R$ 200 mil, já ultrapassa R$ 390 mil. Sem crédito e com o nome negativado, Kappes decidiu não plantar trigo neste inverno. "Coloquei só uma forrageira para proteger o solo. Foi o que deu para fazer", relata.

Desde 2020, o Estado acumula sucessivos prejuízos decorrentes de eventos climáticos extremos. O resultado é um endividamento crescente: estimativas regionais indicam que mais de 65 mil produtores somam dívidas próximas de R$ 27,4 bilhões. Apenas na safra 2024/25, a quebra estimada de 17,4% na soja reduziu a produção muito abaixo do potencial histórico.

Os reflexos aparecem nas estatísticas financeiras. De acordo com levantamento da Serasa Experian, o agronegócio brasileiro registrou 1.272 pedidos de recuperação judicial em 2024, aumento de mais de 130% em relação ao ano anterior. O movimento seguiu acelerado em 2025, com 389 solicitações no primeiro trimestre e 565 no segundo, indicando que produtores e empresas vêm recorrendo à reestruturação para tentar preservar suas atividades diante das perdas consecutivas e da retração do crédito.

O quadro de endividamento é reforçado pelos dados do Banco Central. Em outubro de 2024, o saldo total do crédito rural alcançou R$ 744,1 bilhões, refletindo expansão do passivo financeiro no setor. A inadimplência média de 7,6% entre produtores rurais, apurada pela Serasa no fim do mesmo ano, reforça o aumento de dificuldades para pagamento das operações de custeio e investimento.

No Rio Grande do Sul, a situação é mais complexa e grave. A Junta Comercial do Estado registrou 136 pedidos de recuperação judicial e 69 falências entre janeiro e agosto de 2025 — o maior volume dos últimos anos. As ocorrências se concentram em municípios das regiões Noroeste e Centro, mais atingidas pelas quebras de safra.

Com parte da produção comprometida e a liquidez em queda, o agronegócio gaúcho enfrenta um processo de ajuste forçado. Empresas e produtores tentam renegociar dívidas e reduzir custos, enquanto entidades do setor pressionam por linhas emergenciais de crédito e seguro rural mais abrangentes. O desafio, segundo analistas, será equilibrar o impacto financeiro imediato com a necessidade de manter capacidade produtiva para os próximos ciclos.

Associação exige prorrogação automática de dívidas rurais

O início da safra 2025/2026 expôs um problema grave no campo brasileiro: o aumento do confisco de máquinas e leilões de terras de produtores endividados. A principal causa, segundo lideranças do setor, é a ausência de prorrogação automática das dívidas rurais — mecanismo previsto em lei para casos de perda de safra por fatores climáticos, mas que raramente é aplicado pelos bancos.

Diante desse cenário, produtores anunciaram a criação da Associação de Defesa do Produtor Rural em Crise, com o objetivo de pressionar por regras claras e automáticas de prorrogação, evitando que agricultores sofram a execução de bens enquanto ainda enfrentam prejuízos climáticos ou de mercado.

"A lei já prevê a prorrogação, mas ela não acontece. O produtor precisa provar o óbvio: que perdeu a safra. Enquanto isso, máquinas são tomadas e propriedades vão a leilão", afirma um dos fundadores e presidente da Associação dos Produtores e Empresários Rurais (Apers), Areli Romeiro.

A nova entidade também pretende oferecer apoio jurídico e articular negociações coletivas com o sistema financeiro. Para os organizadores, garantir a prorrogação automática é a única forma de impedir que milhares de produtores fiquem fora da atual safra.

O fracasso de muitas safras, em sequência, pode fazer, ainda, com que a Metade Sul do Estado volte, em parte, às suas origens. Produtores rurais já começaram a romper o arrendamento de terras. Áreas em que nem mesmo os proprietários devem assumir o risco de investir em grãos, relata Ireneu Orth, presidente da Aprosoja RS.

Sucesso no Cerrado atrai produtores gaúchos

Em busca de novas terras para plantar, milhares de agricultores deixaram o extremo Sul do Brasil e migraram para o Centro-Oeste e, mais tarde, para o Nordeste, mesmo sabendo das limitações naturais dessas regiões. Esse movimento ocorreu em duas grandes ondas: a primeira entre as décadas de 1960 e 1970, e a segunda entre 1990 e 2000. O que os impulsionou foi a confiança na própria capacidade de adaptação, nas técnicas de melhoria do solo e no avanço da ciência e da tecnologia agrícola.

Na década de 1960, o Cerrado era considerado uma fronteira inóspita para a agricultura. O solo ácido e infértil, somado às longas estiagens, afastava investidores e limitava a expansão das lavouras. Ainda assim, a determinação dos produtores e os investimentos em pesquisa transformaram a região em uma das áreas agrícolas mais produtivas do mundo, abrindo caminho para a cultura da soja e para o desenvolvimento de cidades e polos econômicos inteiros.

Décadas depois, um novo ciclo de expansão se repetiu no Matopiba — região formada por partes do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. A partir dos anos 1990, quando o preço da terra no Centro-Oeste já estava elevado, agricultores voltaram a cruzar o País em busca de áreas mais baratas e de oportunidades para crescer. Entre eles estava o gaúcho Ireneu Orth, atual presidente da Aprosoja-RS, um dos primeiros a se instalar no Oeste baiano.

A meta de Orth e do irmão era ambiciosa: conquistar 2 mil hectares em dois anos. No entanto, a realidade foi dura. Ao final desse período, haviam conseguido apenas 500 hectares e acumulavam dívidas. A soja plantada quase não vingava e a produtividade era baixa, o que desanimava os produtores e afastava o crédito bancário. O fracasso parecia inevitável — até que decidiram apostar em uma alternativa: o algodão, que se tornou a virada de chave.

O primeiro plantio e colheita da nova cultura garantiram recursos para manter os trabalhadores e recuperar o fôlego financeiro. A partir daí, a soja começou a se adaptar melhor às condições locais e a apresentar resultados positivos. Quarenta anos depois, o algodão segue sendo cultivado, e a soja tornou-se uma cultura consolidada e rentável na região. Aos poucos, mais produtores do Sul seguiram o mesmo caminho, levando consigo conhecimento técnico, tradição agrícola e a cultura do grão.

Curiosamente, a história da soja na Bahia tem raízes muito mais antigas. Foi lá que, em 1882, pesquisadores da Escola de Agronomia da Bahia realizaram o primeiro cultivo experimental do grão no Brasil, com sementes vindas da Ásia. A planta, porém, não se adaptou ao clima tropical, e a tentativa foi abandonada.

Daquela semente asiática infértil no Nordeste ao atual protagonismo tropical, a soja percorreu um longo caminho. Hoje, representa muito mais do que uma cultura agrícola: é símbolo de eficiência produtiva, base da segurança alimentar mundial e alicerce do desenvolvimento de amplas regiões do Brasil.

Dependência da China e os novos movimentos do mercado mundial

O protagonismo brasileiro na produção de soja é inquestionável. O País se tornou o maior produtor e exportador mundial do grão, com safras recordes e presença consolidada nos principais mercados. Mas essa liderança traz riscos — especialmente quando quase 70% das exportações brasileiras têm um único destino: a China.

Desde o início dos anos 2000, a China se tornou o principal motor da demanda global por soja. O crescimento econômico acelerado, a urbanização e a ascensão da classe média transformaram o padrão alimentar do país asiático, com aumento expressivo no consumo de carnes — todas dependentes da soja como base da ração animal.

O Brasil soube ocupar esse espaço. Aproveitou o vácuo deixado pelos Estados Unidos, em meio a guerras comerciais e políticas protecionistas, e consolidou sua posição como fornecedor preferencial da China.

Em 2024, mais de 60 milhões de toneladas de soja brasileira seguiram para o mercado chinês. O comércio do grão representa mais de 40% de todas as exportações do agronegócio brasileiro à China, segundo dados do Ministério da Agricultura.

Mas, enquanto o Brasil comemora o sucesso da parceria, Pequim planeja o futuro com a mesma disciplina que orienta sua política de Estado: planos de longo prazo — e nunca de improviso.

Nos últimos anos, a China tem ampliado seus investimentos em infraestrutura e produção agrícola na África, com foco em países como Moçambique, Tanzânia, Zâmbia e Angola. O objetivo é claro: desenvolver novas origens de soja e diversificar suas fontes de abastecimento.

Ainda que as lavouras africanas tenham produtividade muito inferior às brasileiras — entre 1,5 e 2 toneladas por hectare, contra mais de 3,5 toneladas por hectare no Brasil —, o continente tem duas vantagens estratégicas: proximidade geográfica com a China e custos logísticos mais baixos para o transporte marítimo.

Os investimentos incluem créditos agrícolas, capacitação técnica, infraestrutura portuária e ferroviária num movimento que espelha o modelo chinês de desenvolvimento aplicado ao campo.

Mas é importante destacar: a expansão da produção de soja na África não representa uma ameaça imediata ao Brasil. O que a China faz hoje é plantar o futuro — no sentido literal e estratégico. Pequim não age por impulso; planeja em décadas, e não em ciclos anuais. A intenção é garantir que, no médio e longo prazo, o país tenha novos fornecedores complementares, sem depender exclusivamente do Brasil ou dos Estados Unidos.

Em Luanda, o êxito no plantio mostra o caminho

Em Luanda, em 2020, o Grupo Carrinho - maior empresa agroindustrial da Angola - assumiu o desafio de zerar a importação dos principais alimentos, a dependência externa, variações de preços e problemas de fornecimento. A divisão Carrinho Agri conta, hoje, com 19 fábricas, mais de 50 lojas, estrutura logística própria e opera com 75 mil produtores, atendidos por cerca de 800 técnicos agrícolas. Edmar Martins, brasileiro que atua como diretor de pesquisa e desenvolvimento da divisão agrícola, vive há dois anos em Angola e integra o exército de técnicos e engenheiros agrícolas que dão suporte aos produtores rurais.

"Em 2023, o grupo alcançou um marco histórico ao não importar nenhum grão de milho. Todo o insumo veio da produção própria e dos agricultores parceiros. Quando a empresa começou a plantar milho, diziam que era loucura e não daria certo", ressalta Martins, destacando, ainda, os avanços no plantio de soja, feijão, trigo e arroz.

Entre os projetos para 2025 e em andamento, está a compra de tratores para operação nas próprias fazendas e para mecanizar os parceiros, ampliando a produtividade, melhorando a qualidade de vida e de trabalho dos pequenos agricultores. Com a mecanização, o grupo se prepara para dar mais um salto de desenvolvimento na produção agrícola de Angola.

Mercado chinês aposta em proteínas sintéticas

Outro movimento observado é o investimento chinês em proteínas sintéticas e fermentadas, desenvolvidas desde 2018 por centros de pesquisa e empresas de biotecnologia. A meta é criar ingredientes capazes de substituir parte da soja usada nas rações.

Os resultados iniciais apontam que essa proteína alternativa já poderia substituir de 7% a 8% da soja misturada à alimentação animal. Embora o percentual pareça pequeno, o impacto potencial é enorme — uma redução de 8% no consumo chinês equivaleria a dezenas de milhões de toneladas a menos importadas anualmente. Esse avanço, somado à diversificação geográfica dos fornecedores, reforça a estratégia de Pequim de construir um sistema alimentar menos vulnerável.

Em julho de 2025, o Ministério da Agricultura e Assuntos Rurais da China aprovou uma proteína de levedura (yeast protein) produzida a partir de CO₂ via biofermentação, desenvolvida por uma empresa de biotecnologia sediada em Pequim (GTLB). A tecnologia (gas fermentation ou fermentação de gases industriais) utiliza CO₂ de indústrias como siderurgia, gás natural, carvão etc. para produzir uma proteína rica em aminoácidos essenciais,  como explicado pelo governo chinês ao jornal People's Daily.

EM 2021, já havia divulgação de que a Academia Chinesa de Ciências Agrícolas (CAAS) desenvolveu uma proteína de microrganismo (Clostridium autoethanogenum) produzida a partir de monóxido de carbono (tail gas) e que essa nova proteína "poderia gradualmente substituir a proteína de soja" — o relatório indicava que 10 milhões de toneladas dessa proteína equivaleriam a 28 milhões de toneladas de soja importada.

Thiago Copetti é jornalista, especializado em Gestão de Empresas e setorista de agronegócio do Jornal do Comércio. Também é bacharel em Relações Internacionais, com foco em temas sino-brasileiros.

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