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Da cozinha da minha avó à praia de Bondi

Eu adorava ir à casa dos meus avós. Assim que entrava, seguia quase por instinto até o armário dos doces, como se ele me chamasse pelo nome. Depois, ia à caça dos maços de cigarro do meu avô para, em seguida, jogá-los fora. Ele nunca brigava comigo. Sabia que aquele gesto era cuidado e uma preocupação com a saúde dele.

Também adorava conversar com a minha avó, sentada à mesa da cozinha da casa deles. Como um dado quase anedótico, em contraste com a taxa de fecundidade da época, minha avó materna teve apenas duas filhas. A transição demográfica no Brasil se consolidou nas gerações seguintes e, hoje, a taxa de fecundidade é muito baixa: 1,6 filho por mulher, abaixo da taxa de reposição de 2,1.

Há diferentes fatores que ajudam a explicar por que as famílias encolheram. Nesta coluna, apresento uma perspectiva sobre os efeitos da macroeconomia na queda da natalidade. Segundo a economista e prêmio Nobel Claudia Goldin, em seu artigo "The Downside of Fertility", o rápido crescimento econômico e as mudanças no mercado de trabalho, com maior participação feminina, não permitiram que as tradições acompanhassem as transformações nos incentivos econômicos.

De um lado, os homens permaneceram mais fiéis às tradições de seus pais e avós; de outro, as mulheres tinham muito mais a ganhar ao rompê-las. Uma das consequências prováveis desse descompasso foi uma queda mais acentuada nas taxas de natalidade.

Goldin divide um conjunto de 12 países em duas categorias. No primeiro grupo estão países como os Estados Unidos e a Inglaterra; no segundo, Grécia, Itália, Coreia do Sul, Japão e Espanha.

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No primeiro grupo, o crescimento econômico foi mais estável ao longo do tempo; no segundo, houve um período de estagnação seguido de um crescimento acelerado. Em ambos os grupos, a taxa de natalidade caiu, mas, no segundo, a queda foi mais pronunciada. Nesse grupo, o crescimento mais intenso beneficiou as mulheres mais rapidamente, gerando um efeito mais forte de redução da natalidade.

Goldin aponta ainda outro fator que pode ter contribuído para essa queda: a ascensão do que ela denomina gerontocracia, decorrente de uma mudança na estrutura salarial em favor dos "homens mais velhos". Como consequência, os jovens que ingressam no mercado de trabalho passaram a ter menos oportunidades.

Esse processo pode ter sido mais um elemento a explicar o aumento da idade média em que os filhos deixam a casa dos pais, o que, por sua vez, teria elevado a idade ao casar, reduzido a proporção de pessoas casadas e diminuído a fecundidade. Trata-se de um fator ainda pouco estudado no Brasil.

Por fim, gostaria de mencionar o ataque antissemita e covarde ocorrido na semana passada na Austrália. O ataque que culminou no assassinato de 15 pessoas e no ferimento de mais de 20 na praia de Bondi, em Sydney, no último dia 14 de dezembro, é um reflexo direto do recrudescimento do antissemitismo e da intolerância.

Era o primeiro dia de Hanukkah, festa judaica conhecida como a festa das luzes. Quando o Estado e a sociedade permitem que esse mal avance sem ser combatido, começando por pichações, passando pelo bullying dirigido a membros de comunidades específicas, por ataques a sinagogas e por agressões físicas, o desfecho pode ser fatal. Se não houver enfrentamento institucional, ação coordenada do Estado e aplicação da lei, a etapa seguinte é a barbárie.

Mas quando um justo reconhece a existência do outro, um assassino é detido. Foi o que aconteceu na praia de Bondi, quando um homem se levantou para salvar a vida de seus semelhantes em um ato altruísta, colocando em risco a própria vida. Foi um imigrante sírio, muçulmano e estrangeiro, quem deteve um dos assassinos e se tornou herói. Obrigada, Ahmed Al Ahmed, pela sua coragem. Como bem lembrou meu amigo Sergio Goldbaum, quem salva uma vida salva a humanidade.

Que em 2026 haja mais luz, mais tolerância e mais humanidade. Que sejamos capazes de nos ver nos olhos do outro. Desejo a todos um feliz Natal e um excelente Ano Novo.

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