As redes sociais surgiram, inicialmente, com o intuito de garantir proximidade entre entes queridos ou amigos, mas logo tiveram sua lógica foi alterada, principalmente após o advento dos algorítmos, que, hoje, moldam o comportamento online de diversos usuários pelo mundo. Para refletir sobre a nova realidade da Internet, o TechTudo convidou o criador do Orkut, Orkut Büyükkökten, para encerrar com chave de ouro o evento Voices 2025*, encontro realizado pela Editora Globo sobre tecnologia, comportamento digital e inovação.
Em uma apresentação com cerca de meia hora de duração, o engenheiro de softwares não poupou palavras para criticar o funcionamento atual das plataformas de rede social e propôs soluções para superar esse contexto. Confira abaixo o que foi destaque no final do Voices 2025 e detalhes da apresentação.
Criador do Orkut marca encerramento do Voices 2025 — Foto: Mariana Saguias/TechTudo O que mudou com as novas redes sociais?
Durante sua apresentação, Orkut Büyükkökten, abordou as diversas complicações que as novas dinâmicas das plataformas digitais trouxeram para a sociedade mundial e como algo que foi supostamente forjado para aproximar e conectar ainda mais pessoas ocasionou o efeito contrário. Em sua volta ao Rio de Janeiro, o engenheiro de softwares falou sobre as novas dinâmicas das conexões humanas, as percepções contemporâneas sobre o amor, os erros das grandes empresas de redes sociais e como até mesmo os ideais de felicidade foram afetados por esse novo mundo hiperconectado.
Ele relata que seu pensamento inquietante começou após um encontro com uma amiga de longa data em um café em Istambul. Isso porque ele percebeu que sua colega performava uma presença online cheia de alegria, com fotos de viagens, sempre sorridente e festejando. Porém, mesmo que aparentasse viver a vida dos sonhos, essa sua conexão no mundo real/analógico apresentava questões completamente inversas ao que era exposto nas redes.
Minha amiga, que parecia ter tudo, que era admirada por todos os seus amigos no Facebook e Instagram, era uma mãe solteira e divorciada, lutando para sobreviver. Ela me disse que estava solitária. Estava cansada, exausta. E só saía uma ou duas vezes por mês. Não porque ansiava por aventura, mas porque ansiava por uma fuga. Sua realidade online era completamente diferente de sua versão analógica.
— Orkut Büyükkökten
Por conta desse encontro, o criador de uma das maiores redes sociais do começo dos anos 2000 destacou que esses novos espaços passaram por mudanças profundas desde o começo do século. O que nós enquanto público chamamos de mídia social hoje é dramaticamente diferente dos primeiros dias do Orkut. O que Büyükkökten imaginava como um lugar de conexões autênticas entre pessoas, de novas amizades e comunidades, transformou-se em algo completamente diferente.
Nas mídias sociais de hoje, a influência ofusca a intimidade e a conexão é substituída pelo espetáculo.
— Orkut Büyükkökten em mesa do Voices 2025
Segundo ele, esse ponto de virada começou no início de 2009, quando o Facebook introduziu o botão "curtir" e, no mesmo ano, o Twitter introduziu o botão "retweetar". Chris Wetherell, o engenheiro por trás desse recurso, mais tarde lamentou seu impacto, dizendo: "Acabamos de dar a uma criança de quatro anos uma arma totalmente carregada." E, logo depois, o Facebook lançou um recurso semelhante, o botão "compartilhar". Na época, não parecia perigoso. Entretanto, ao fazerem isso, tanto Facebook como Twitter transformaram suas plataformas em um lugar onde a atenção virou a moeda da vida social.
Os botões "curtir", "retweetar" e "compartilhar" deram aos usuários o poder de influenciar outros, quer suas postagens se tornassem públicas ou virais. Como consequência inesperada, as conexões consideradas significativas e autênticas passaram a ter um valor menor. Isso porque o que importava não eram os sentimentos por trás das amizades e relacionamentos, mas os números. As emoções se tornaram apenas uma ferramenta para alcançar engajamento. Cada clique, cada curtida, cada momento gasto rolando a tela foi projetado não para aproximar as pessoas, mas para chamar atenção. Os algoritmos transformaram a atenção em narcisismo, a amizade em moeda e a intimidade em febre.
As mídias sociais de hoje não são sobre conexão. É tudo sobre cliques. Uma postagem, não importa quão vulgar, odiosa, falsa seja, subirá ao topo do seu feed, desde que gere engajamento. E postagens que desencadeiam emoções, especialmente raiva, são as mais propensas a serem compartilhadas.
— Orkut Büyükkökten em mesa do Voices 2025
Percepção sobre o amor e como isso mudou com as redes
Segundo Orkut Büyükkökten , a busca pelo amor, pelo sentimento de se envolver com alguém era algo considerado mágico, inesperado. Esse compartilhamento de intimidade em um quarto com pouca luz, em um olhar trocado dentro de um café cheio, uma conversa que dura até as primeiras horas da manhã, uma paixão comum entre as pessoas, tudo isso foi extremamente algoritmizado pelas redes sociais e pelos aplicativos de relacionamento.
Para ele, as plataformas de hoje reduziram a busca pelo amor a um algoritmo, um jogo de estatísticas e deslizes. Onde a atratividade não é medida pela profundidade da personalidade de alguém, mas se sua imagem se encaixa em um quadro estreito de realidade desejada. Não por acaso, a geração Z lidera um movimento de abandono desses aplicativos pela busca de algo significativo, profundo, a procura pelos curtos momentos de conexão que os algoritmos não podem criar.
Os dados de aplicativos de namoro são reveladores e comoventes. Apenas 15% dos usuários mais desejáveis recebem toda a atenção, enquanto os outros são ignorados. Então, criamos um sistema onde 85% dos usuários não recebem nenhum "match". Seja no Tinder, seja no Hinge.
— Orkut Büyükkökten
Todo esse jogo de amor e afeto algoritmizado faz com que alguns usuários sintam-se descartáveis, comoditizados e reduzidos a uma pontuação. A não ser que o indivíduo tenha uma aparência considerada atrativa nos contextos de padrões de beleza, ele não se sairá bem em plataformas de namoro. Para Büyükkökten, os aplicativos de namoro são "espelhos cruéis que refletem não o amor, mas a solidão. Essas plataformas que nos prometem infinitas possibilidades nos deixaram invisíveis e sem ser vistos", afirma.
Não há substituto para a forma como o ar preenche o espaço entre duas pessoas quando elas riem. Ou a forma como uma conversa nos leva ao inesperado, criando um senso de compreensão que os algoritmos não podem criar. E a perda não é apenas emocional, é neurológica, psicológica e existencial.
— Orkut Büyükkökten
Solidão mesmo em tempos de conexão total
Um estudo de 2023 do General do Exército dos EUA descobriu que a solidão atingiu níveis epidêmicos, com um em cada dois adultos tendo sentimentos de desconexão. Os jovens, aqueles criados na era digital, são os que mais sofrem. Em 2003, apenas 8% dos jovens adultos de 18 a 25 anos disseram que às vezes ou sempre se sentiam sozinhos. Hoje, esse número é superior a 25%.
Com esse novo advento das plataformas digitais, criou-se um mundo onde é possível alcançar qualquer pessoa em qualquer lugar, mas durante o processo, esquecemos como. E há outra tendência com os jovens que estão fazendo menos sexo, se envolvendo menos romanticamente e construindo menos relacionamentos do que qualquer geração na história moderna. Na década de 1990, apenas 14% das pessoas com idade entre 18 e 30 anos disseram que nunca fizeram sexo no ano anterior. Em 2018, esse número dobrou para 28%.
Durante a apresentação, Büyükkökten ainda cita o livro "A Geração Ansiosa" de Jonathan Haidt, no qual a geração "iGen" examina o alarmante aumento de problemas de saúde mental em adultos associados às mídias sociais e smartphones. O autor alerta que as mídias sociais estão fomentando a depressão e a ansiedade, especialmente entre a geração mais jovem.
As redes sociais estão quebradas e precisamos consertá-las. E acredito que as redes sociais podem ser novamente o que costumavam ser, um lugar que une as pessoas, onde nossas amizades são cultivadas, onde almas solitárias podem se encontrar através do espaço e do tempo emocional e físico.
— Orkut Büyükkökten
Orkut Büyükkökten aborda a importância da construção dos laços genuínos no palco do Voices 2025 — Foto: Mariana Saguias/TechTudo Outro ponto extremamente impactado pela nova dinâmica das redes foi o capital social, que é diferente do capital físico, que se refere a objetos físicos, e do capital humano, que se refere às coisas que possuímos. O capital social se refere às redes sociais e às formas de confiança e reciprocidade que delas surgem. Ele depende de posição, reputação, amizade e comunidade.
Esse tipo de capital têm estado em forte declínio nas últimas décadas porque cada vez mais nos vemos com menos tempo de conversa durante as refeições, cada indivíduo ali no seu celular, mesmo em um almoço de trabalho, com a família ou amigos que não se veêm há tempos. Além disso, cada vez mais vemos nossos amigos com menos frequência. Nos envolvemos menos em atividades casuais que geram relacionamentos espontâneos. Passamos mais tempo fazendo, mais tempo assistindo. Conhecemos menos nossos vizinhos. Não vemos nossos velhos amigos com tanta frequência. E as coisas que nos deixam mais felizes, como voluntariado, ir a clubes, receber pessoas, acontecem entre uma vez por mês e nunca.
Muitos de nós esquecemos a alegria de ter amigos à mesa de jantar. A quebra das comunidades é um problema muito sério em nosso mundo.
— Orkut Büyükkökten
Mas afinal, quem são os culpados?
Um dos culpados do declínio do capital social são as próprias plataformas de mídia social como Facebook e Instagram, que priorizam os lucros em detrimento da segurança e lucram com a raiva e a negatividade. Essas plataformas fazem isso porque, para Orkut, a raiva e a negatividade criam mais engajamento, o que mantém as pessoas no site por mais tempo, o que significa que as empresas ganham mais dinheiro com publicidade e com a venda de dados.
A raiva e a negatividade são um problema massivo em nossa era. Depressão, cultura do cancelamento, polarização política, democracia do terceiro mundo. Assim, os jovens se comparam uns aos outros e se sentem deprimidos. Rolar notícias ruins sem fim nos deprime. A causa da cultura do cancelamento quase sempre começa nas mídias sociais.
— Orkut Büyükkökten
A busca por conexões reais passa pelo objetivo de estar aberto a elas, pela disposição de se expor. Tudo é sobre uma disposição de ser vulnerável, perder algo, e isso é uma coisa que enquanto humanos temos tendência a evitar. Em economia comportamental, isso é chamado de aversão à perda. Então, quando você avalia o valor negativo de uma perda, você tende a avaliá-lo muito mais alto do que o valor positivo de uma recompensa.
Basicamente funciona da seguinte forma: quando você perde 100 reais, parece que você perdeu 200 reais, mas se você ganha 100 reais, parece que você ganhou apenas 50. E talvez tenhamos passados a tratar os relacionamentos e as conexões da mesma forma. Talvez subestimemos a recompensa de uma nova conexão e superestimemos o custo de uma rejeição. Talvez quando conhecemos alguém novo, sentimos que podemos perder algo ao longo do caminho, algo profundo, algo ilimitado.
O valor de ter um amigo, um amigo verdadeiro, um amigo real, um amigo pensante, um amigo amoroso, alguém com quem você pode contar, é sempre impossível de quantificar. Por isso, talvez seja necessário resgatar as redes sociais das plataformas de mídia social, reconstruir essas plataformas em redes que promovam conexões e comunidades autênticas.
Se você escolher a conexão em vez dos cliques, se você escolher a conexão em vez dos cliques, repetidamente, talvez possamos mudar as regras das mídias sociais. Talvez possamos criar algo mais verdadeiro, mais profundo, algo novo. Você pode criar algo que não seja apenas escrito por código, mas com compaixão, cuidado e humanidade comum.
— Orkut Büyükkökten
O VOICES 2025 foi um evento gratuito, ocorrido no dia 10 de dezembro, no Museu de Arte do Rio (MAR), que contou com a presença de diversos especialistas brasileiros e internacionais. Neste encontro, foram abordados diversos temas, como inteligência artificial (IA), comportamento digital, inovação e empreendedorismo. O TechTudo esteve presente com uma trilha de mesas onde criadores de conteúdos, advogados, professores, pesquisadores e colunistas debateram sobre tendências para dispositivos tech, golpes online e segurança digital, além de conteúdos sobre inteligência artificial.
*O Voices é uma iniciativa da Editora Globo e do Sistema Globo de Rádio, com patrocínio da Prefeitura do Rio e Secretaria Municipal de Educação, apoio da Zapt, patrocínio das trilhas por Claro Empresas e Insper e parceria da Play9.
Veja também: 15 ANOS DE TECHTUDO! Veja como o site mudou desde 2010!!!
15 ANOS DE TECHTUDO! Veja como o site mudou desde 2010!!!

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