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Divergências entre STF e TCU põem em risco indenizações bilionárias aos cofres públicos

Uma divergência entre o STF (Supremo Tribunal Federal) e o TCU (Tribunal de Contas da União) sobre os prazos de prescrição de processos tem levado à anulação ou colocado sob risco indenizações bilionárias aos cofres públicos.

A controvérsia surgiu após o TCU demorar décadas para julgar empresas e gestores alvos de ações para indenizar a União por desvio de recursos. O STF viu na demora uma afronta à Constituição e passou a impor limites ao Tribunal de Contas.

Os principais casos são ligados à Operação Lava Jato. O desentendimento entre os tribunais já levou à anulação de dois processos do TCU cujas multas, somadas, poderiam passar de R$ 1,2 bilhão.

O Supremo também se prepara para julgar outros dois casos relacionados a contratos da Petrobras que podem resultar na derrubada de uma condenação a ressarcimento de R$ 1,4 bilhão. Há ainda outro processo pendente de julgamento na corte de contas de cifra bilionária.

Desde 2016, o Supremo vem dando recados ao TCU de que os processos que pedem ressarcimento por irregularidades no uso de recursos públicos podem prescrever e têm prazo de cinco anos para serem encerrados.

As empresas condenadas no TCU ao pagamento de indenizações passaram a recorrer ao Supremo alegando que seus processos já haviam superado esse tempo. Em 2020, os ministros do tribunal começaram a dar decisões que iam na contramão dos julgamentos da corte de contas.

Neste ano, a divergência se acentuou, com uma avalanche de processos no Supremo movidos por empresas contra o TCU. O STF acumula mais de 800 decisões monocráticas sobre o assunto —dessas, 158 foram levadas às turmas para serem referendadas.

Ministros do TCU ouvidos pela Folha argumentam que o problema surgiu quando o Supremo mudou de entendimento e passou a estabelecer prazo para os processos, aplicando a regra de forma retroativa.

Por outro lado, integrantes do STF afirmam que a solução encontrada foi razoável e garante o devido processo legal, evitando que as ações não tenham fim.

Até 2016, o Supremo entendia, com base no artigo 37 da Constituição, que os processos que buscavam ressarcimento aos cofres públicos eram imprescritíveis.

Na prática, uma irregularidade em contrato poderia ser julgada décadas depois pelo Tribunal de Contas, e as indenizações deveriam ser pagas após a condenação das empresas.

Esse entendimento mudou em um processo conduzido pelo ministro Teori Zavascki. O Supremo determinou que processos dessa natureza não podiam ser eternos. Um ano depois, o tribunal definiu que o prazo a ser aplicado seria de cinco anos. Em 2022, a corte aplicou esse entendimento, de forma definitiva, para as ações no TCU.

O Tribunal de Contas, para se adequar, criou uma resolução estabelecendo o prazo de cinco anos para os processos. O documento, porém, incluiu brechas para que a contagem fosse interrompida em diversas circunstâncias.

Um dos processos chegou a ser interrompido 11 vezes no TCU, por motivos diversos. O ministro do STF Gilmar Mendes viu na medida uma forma de burlar os prazos processuais e articulou com os integrantes do Supremo uma solução para o caso.

"Não se pode aceitar que, em decorrência de inúmeras interrupções do lapso prescricional, um determinado processo tramite ‘indefinidamente’, representando verdadeira ‘Espada de Dâmocles’ sobre as cabeças dos cidadãos e empresas submetidos a processos de tomadas de contas", escreveu Gilmar em uma de suas decisões.

A mudança das regras no STF e a demora do TCU para analisar os processos causaram um cenário de anulação em massa de condenações para ressarcimento das contas públicas. Esse embaraço tem afetado processos de diversas naturezas —como os decorrentes da Operação Lava Jato.

Entre os casos que causam preocupação no TCU está um aberto em 2014 para analisar possíveis prejuízos para o país com a venda de 50% dos ativos da Petrobras na África para o banco de investimentos BTG Pactual. A operação foi fechada por US$ 1,5 bilhão.

O caso ainda não foi julgado, e as partes já recorreram alegando prescrição, o que foi negado pelo TCU, que citou diversas interrupções do prazo desde 2014.

Outra ação que corre o risco de cair envolve uma multa de R$ 1,4 bilhão aplicada pelo TCU contra o empresário Sérgio Cunha Mendes, processado sob acusação de fraude nas obras da refinaria Presidente Getúlio Vargas, da Petrobras.

Segundo a defesa de Mendes, o relatório do TCU usado para sua condenação não é conclusivo nem mostra sua participação nas suspeitas.

A Folha identificou ainda outras duas liminares concedidas no Supremo para suspender ações no Tribunal de Contas cujas multas, se confirmadas, poderiam superar R$ 1,2 bilhão.

Uma delas se refere a Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do BNDES.

Acusado no TCU de irregularidades na participação acionária do BNDESPar na Bertin S/A, ele negou ao Supremo as irregularidades e disse que a corte de contas, de forma "ilegal e abusiva", condenou-o em processo já prescrito.

Caso semelhante ocorreu com a empresa Skanska Brasil LTDA. Ela foi alvo do TCU em processo para investigação de irregularidades no contrato para as obras da Unidade de Destilação Atmosférica e a Vácuo do Completo Petroquímico do Rio de Janeiro. A empresa argumentou que o caso estava prescrito.

Em nota, o TCU afirmou que os ministros Vital do Rêgo (presidente), Antonio Anastasia e Bruno Dantas se preparam para solicitar audiências com os ministros do STF para pacificar o assunto. Ainda não há data definida para isso.

O tribunal também disse elaborar um estudo sobre os processos que, segundo a regra do STF, estariam prescritos. O levantamento foi sugerido por Dantas.

Para Maria Rost, especialista em direito público e regulação econômica e sócia do Fenelon Barretto Rost Advogados, as recentes decisões do STF marcam um divisor de águas, e o TCU precisará dar celeridade aos atos, enquanto os gestores públicos devem examinar as responsabilidades que podem ter sido atingidas pela prescrição.

"Não se trata apenas de um ajuste técnico-processual, mas de um impacto estrutural no sistema de responsabilização no setor público. A segurança jurídica, tão relevante para gestores e operadores, exige clareza sobre quando começa e quando —de fato— se interrompe o prazo", disse a advogada.

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