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Édipo corre risco de ser cancelado até pelos psicanalistas. Faz sentido?

O que temos que deixar para traz é esta crença em o Édipo, ou seja, aquilo que Ordep Serra (em "O Reinado de Édipo", editora UnB - Universa) chamou de o mito do mito de Édipo.

Bem longe do relativismo desconstrutivista, devemos insistir no caráter contingente de "nosso Édipo". Poucos se lembram que existiu um Édipo de Ésquilo e outro de Eurípedes, ambos perdidos. Especula-se que nestes édipos Jocasta seria a personagem central, controlando perfidamente os cordões da armadilha que levaria à lúbrica experiência de poder e dominação, sobre seu filho incauto e ingênuo.

Édipo foi recodificado pelos cristãos em duas vertentes. Na primeira, ele é encenado por Judas Iscariotes, em uma novela de parricídio protagonizada pelo grande criminoso. Na segunda, ele é transfigurado no Papa Gregório e neste caso não há parricídio, mas incesto sugerido que termina com nosso herói feito mártir ou santo.

Soterramos que Édipo foi reescrito e humanizado por Voltaire, colocado em oposição estrutural ao "Parsifal" por Wagner, citado em "Hamlet", parafraseado em "Crime e Castigo". Isso sem falar nos édipos sem nome, ou seja, nas versões do mito que não se referem em nenhum aspecto da narrativa, senão em sua repetição homóloga e estrutural à tragédia grega, ou ainda ao fato de que Édipo Rei é uma das peças de uma trilogia de Sófocles, continuada em Édipo em Colono e em Antígona.

Um ótimo exemplo de como podemos brincar de criar nosso próprio Édipo, sem que isso represente apenas confirmação de nossos próprios preconceitos, é a peça de Antonio Quinet, "Óidipous Filho de Laios - A História de Édipo Rei pelo Avesso", na qual encontramos nosso protagonista vestindo terno e debatendo-se em ataques de cólera contra Creonte, Tirésias, Jocasta e os escravos, que trajam vestimentas indígenas do Xingu.

Uma catarse para nossa época: de um lado a profusão narcísica da potência em fazer o próprio destino; de outro o choque traumático do Real, sem nome, sem máscara, sem imagem. Eis a mistura tão conhecida entre a rapidez narrativa do executivo e a extensão épica da criança; a combinação entre o soberano arrogante e a queda brusca na humilhação; a desmesura do gozo e a desorientação do desejo. Não apenas um herói fraturado, ou seja, um herói cuja excepcionalidade está em portar aquilo que não pode ser reconhecido por sua época, mas a expressão da dificuldade para localizar heróis que sobrevivam aos seus atos. Os de sempre, adultos ou infantis os há por toda parte, mas o excesso neste caso, como em outros, aponta apenas para a falta.

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