Maurício Lima, sócio-diretor da Ilos
Sem renovação na boleia
Outra revelação da pesquisa que preocupa o setor é a faixa etária da população de caminhoneiros no país. O grupo vem envelhecendo rapidamente, na média, e o número de jovens que adentram a profissão é muito baixo. Dos atuais 4,4 milhões de motoristas, quase 60% têm 51 anos ou mais, sendo 11% do total com mais de 70, e apenas 4% com idade até 30 anos.
Segundo as fontes consultadas pelo UOL, são várias as razões que levam os mais jovens a se desinteressarem pela profissão. Com longas jornadas, viagens em estradas ruins, perigo frequente de roubos e acidentes, má remuneração e uma vida longe da família, a profissão é considerada muito estressante. Os motoristas reclamam de falta de valorização da categoria, além da solidão no dia a dia ao volante, o que muitas vezes se reflete na saúde mental desses profissionais.
O ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB), disse que a proposta de eliminar a obrigatoriedade de aulas em autoescolas para motoristas não profissionais é parte da estratégia para recuperar o contingente de transportistas, já que as carteiras A ou B são um pré-requisito para a profissionalização. A mudança na regra "aumentaria a oferta de possíveis candidatos para as carteiras C, D e E, que são as habilitações profissionalizantes. Trata-se de um programa econômico," afirmou ele ao UOL, pois a exigência de aulas "impõe reserva de mercado, burocracia, maior tempo para obter a primeira habilitação e custos mais altos, criando um funil que diminui a oferta de pessoas habilitadas".
Para melhorar a situação dos caminhoneiros, o Ministério dos Transportes também afirma que vem criando pontos de parada e descanso gratuitos para os profissionais, uma reivindicação histórica dos motoristas. "Já foram entregues oito e temos 50 planejados, para que eles possam descansar, se alimentar e tomar banho dignamente." O número é pífio, considerando que a malha viária nacional tem 1,4 milhão de quilômetros. Se todos os 58 estivessem prontos, hoje, o país teria um refúgio a cada 24 mil quilômetros apenas.
Outra possibilidade é simplesmente reduzir o uso de caminhões, o que também melhoraria a eficiência do transporte. Segundo Renan Filho, o país está empenhando investimentos recordes para ampliar o escoamento da produção por vias férreas, com o objetivo de passar dos atuais 18% para 35% até 2040. No entanto, a tarefa é árdua, e os resultados parecem incertos, ao se levar em consideração a ampliação das ferrovias no Brasil nos últimos tempos: entre 2015 e 2025, apenas três ferrovias foram inauguradas, elevando o total a 31. No mesmo período, segundo a Ilos, a China saltou de 121 linhas férreas para 159.
"A falta de caminhoneiros é um problema mundial", afirma Pedro Moreira, presidente da Abralog (Associação Brasileira de Logística), entidade que reúne transportadoras e embarcadores, isto é, empresas como Mercado Livre, Casas Bahia e Magalu.
O custo para ter e manter um caminhão é muito alto, com salários pouco atrativos e muitos dias fora de casa. Isso pesa para a nova geração, que quer trabalhar em home office. Houve um aumento de apenas 20% nos salários nos últimos 10 anos [contra uma inflação acumulada de aproximadamente 100%].
Pedro Moreira, presidente da Abralog
A Abralog avalia que um conjunto de medidas deveria ser tomado imediatamente para melhorar a atratividade da profissão, entre elas, o estabelecimento de jornadas mais equilibradas, além de incentivos extras, como bônus por quilometragem rodada, tempo parado e performance noturna. Planos de saúde melhores, auxílio alimentação por noite, apoio para a educação dos filhos dos motoristas, bem como capacitar os profissionais são outras medidas apontadas pela entidade. "O governo deveria criar estímulos para a vinda de profissionais de outros países, como Paraguai, Bolívia e Argentina, ao estilo do que fazem os Países Baixos."
Estamos contratando
Maior transportadora do Brasil, listada na Bolsa desde 2020 e dona de uma frota de 26 mil caminhões, a JSL fundou uma universidade corporativa, a JSLT, para não ficar sem caminhoneiros. "Oferecemos muito treinamento. Também investimos em diversidade de gênero, para incluir mulheres nos nossos caminhões, bem como capacitamos refugiados e jovens. Temos tecnologia em nossos caminhões que já diminuiu em 80% o número de acidentes nos últimos cinco anos, com o uso de câmeras que focam na íris do motorista para medir a fadiga", conta o CEO da JSL, Ramon Alcaraz.

Segundo o executivo, a empresa oferece plano de carreira e paga um salário mensal de aproximadamente R$ 6 mil para um profissional iniciante, mais do que o dobro do salário médio no setor, que é de R$ 2.560, segundo o site Portal Salário. O valor, afirma Alcaraz, pode triplicar se a produtividade do caminhoneiro for maior, com paradas, cargas e descargas mais ágeis e eficientes. "E o melhor: estamos sempre contratando."
Outra grande transportadora no Brasil, a BBM Logística, de São José dos Pinhais (PR), já tentou contratar, no início da década passada, motoristas colombianos e venezuelanos, seguindo uma estratégia comum em países desenvolvidos. A adesão, segundo o diretor de operações Luis Felipe Bastos, não ocorreu da forma esperada. Hoje, como a concorrente, também foca em atrair mulheres para a sua força de trabalho.
"As motoristas mulheres representam apenas 3% dos caminhoneiros na BBM", comenta Bastos. "Mas a concorrência está forte para contratá-las, e, além disso, é bem difícil encontrar profissionais habilitadas", explica.
Para Bastos, a profissão de caminhoneiro deixou de "ser passada de pai para filho", como era antigamente. "Hoje os filhos, que estudaram mais do que os pais, buscam outras carreiras, para trabalharem próximos de casa, como o Uber, mesmo que ganhem menos", afirma. Ele diz que "nos últimos 10 anos, o setor percebeu a necessidade de valorizar mais os caminhoneiros". E, por isso, sua empresa oferece benefícios até mesmo para os motoristas agregados, que são os profissionais autônomos que trabalham para transportadoras subcontratadas pela BBM. Entre as vantagens oferecidas, estão telemedicina, apoio psicológico, treinamentos, indicação de postos para pernoite e seguro de vida. "Damos até uniforme, se quiserem usar."
Especialista no mercado de caminhoneiros, Thelis Botelho criou um aplicativo voltado para motoristas, o Carbonflix, que oferece serviços à categoria por um preço "social". Para desenvolver o app, Botelho diz que "mapeou as dores do segmento de transporte" e se empenhou em criar uma comunidade. Pelo Carbonflix, os profissionais têm acesso a planos de saúde com telemedicina, seguro de vida e descontos pelo país para fazer a manutenção dos veículos, com uma mensalidade de R$ 169. Em menos de um ano de operação, já tem 22 mil usuários em sua base.
"Para resolver a falta de mão de obra, tem de haver uma união geral entre governo, empresas e caminhoneiros", assevera o empresário. "Se não houver entendimento, todos pagarão um preço muito alto, especialmente a população, pois o aumento dos custos será repassado ao consumidor", diz. O Brasil atualmente gasta em torno de 15,6% do PIB com logística.
Rebites, assédio e infância perdida

De Senhor do Bonfim (BA), Jadson Pinheiro de Souza, 62 anos, é o típico caminhoneiro brasileiro. Na estrada há 41 anos, ele é casado, tem dois filhos, concluiu o ensino médio e diz receber entre R$ 4 mil a R$ 7 mil por mês, a depender da quantidade de fretes e da quilometragem rodada. Costuma trabalhar 26 dias por mês e folgar apenas quatro. Em parte por conta da sua rotina, desenvolveu diabetes, hipertensão e problemas cardíacos. Segundo pesquisa publicada este ano pela Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (os caminhoneiros que são donos de seus próprios veículos), esse é o retrato do motorista médio no país: escolaridade secundária (37%), relacionamento fixo (49%), pelo menos um filho (77%), mais provavelmente dois (37%).
"Conheço quase todas as capitais do Brasil. Só não fui pra Manaus, Macapá e Rio Branco, e a que eu prefiro é o Rio de Janeiro", relata Souza, que possui habilitação para atuar em todas as categorias de caminhão e já dirigiu caminhões de combustível, carretas de 30 metros, bitrens (caminhão com dois reboques) e rodotrens (uma versão mais longa). Atualmente transporta óleo de soja, que embarca em Luís Eduardo Magalhães, no oeste baiano, a 900 km de sua residência. Para otimizar seu descanso, a empresa para a qual trabalha organiza periodicamente entregas próximas da sua casa em Senhor do Bonfim.
Jadinho, como gosta de ser chamado, confessa que rodou por décadas no país usando rebite, estimulante à base de anfetamina que deixa os caminhoneiros "ligados" para dirigir por mais horas de jornada e sem fome.
"Tomei 'arrebite' por uns 26 anos, mas parei há uns 10 ou mais", afirma. "Acho que as doenças que tenho são por causa do uso de rebite. Eu chegava em casa irritado e fumava cinco carteiras de cigarro por dia. É muito perigoso, especialmente quando os motoristas misturam com álcool ou drogas."
Apesar do sacrifício de ficar longe da família, o motorista baiano conta que se comunica diariamente por WhatsApp com a esposa, Cilene, com quem diz ter excelente relacionamento. "É muito bom encontrar os amigos, conversar, fazer uma comida ou um churrasco. Mas a estrada vicia. Quando estou em casa, já quero ir embora."

Disputada no mercado, Viviane Ferreira, 49 anos, diz que a profissão caiu no seu colo. Um irmão recebeu um furgão Fiorino como pagamento e repassou a ela, no início dos anos 2000. Desempregada na época e já com os filhos maiores, um primo a indicou a uma transportadora, e ela passou a entregar produtos de beleza, leite em pó e tintas. Um dia, faltou um motorista, ela foi convocada para dirigir uma van e depois um pequeno caminhão. Hoje conduz um modelo Truck Constellation, da Volkswagen, com carroceria "sider" (com aberturas laterais no baú).
Viviane transporta óleo de cozinha, itens de limpeza e produtos para automóveis, fazendo a rota de Ribeirão Preto (SP), sua cidade de origem, aos estados do Paraná, Rio de Janeiro, "no máximo Minas Gerais". Ela diz que volta para casa todos os finais de semana e está tirando a habilitação com a letra E, que lhe permitiria dirigir carretas e aumentar sua renda, atualmente de até R$ 4.300 por mês.
A motorista conta que dorme, como os outros caminhoneiros, em postos com maior segurança. Mesmo assim já sofreu assédio, mas "Deus me protege e nunca fui assaltada". "O problema é que muitos caminhoneiros acreditam que uma mulher caminhoneira ou é puta ou é sapatão", relata ela, que é divorciada e tem quatro filhos.

Cansado da vida nas estradas, o paranaense Adelmo Alves dos Santos, 45, deixou há cinco anos de ser caminhoneiro, profissão que exercia desde 2004, e se tornou motorista de aplicativo. Atualmente, diz que chega a tirar R$ 7.500 por mês como Uber, quando dobra as jornadas em até 15 horas. Santos afirma que, ao ver sua filha se casar, em 2020, percebeu que não tinha estado ao lado "dos meninos" enquanto cresciam, e que seria melhor trabalhar mais próximo à família. "Perdi a infância dos meus filhos."
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