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Emprego em alta, inflação em baixa: o que explica essa aparente contradição

A recém-anunciada desaceleração do PIB do terceiro trimestre deste ano demonstra como a chamada "política monetária", executada por meio da calibragem dos juros, tem o poder de esfriar a economia e conter a escalada dos preços. Mas há nuances nessa discussão.

Número de pessoas no mercado de trabalho caiu

Na avaliação de Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas), o mercado de trabalho está bastante aquecido, mas não em nível "incendiário" — a ponto de gerar a disparada da inflação.

Segundo ele, isso se deve à combinação de três elementos. O primeiro é o envelhecimento populacional com avanço do nível de escolaridade. O segundo corresponde ao aumento dos recursos pagos pelos programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, nos últimos anos.

Juntos, afirma Barbosa, esses dois fatores teriam gerado uma queda no índice de participação no mercado de trabalho. Em outras palavras, haveria menos pessoas na chamada população economicamente ativa, rebaixando o real índice de desemprego. "O mercado de trabalho está bom à beça. Ele só não é esses 5,4% que deveriam estar jogando algo na fogueira", define.

O pesquisador adiciona ainda um terceiro elemento: a reforma trabalhista de 2017, cujos efeitos de dinamização da economia estariam se manifestando neste momento.

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Segundo Barbosa, a chamada "taxa natural de desemprego" — aquela que não gera pressão sobre inflação — vem sendo influenciada por esses três motivos, o que inclusive dificulta a comparação com outros períodos recentes. É o caso do segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, entre 2015 e 2016, em que o nível de desocupação encontrava-se consideravelmente abaixo da taxa natural, contribuindo para a explosão dos preços em todo o país.

Para o pesquisador, este não é o caso da atual fotografia do mercado de trabalho. "É como se tivessem trocado o termômetro e estivéssemos procurando a febre no termômetro antigo", ilustra.

Inflação de serviços continua em trajetória de alta, alerta professor

O economista e professor da FGV Nelson Marconi até admite que o número de pessoas em atividade no mercado de trabalho poderia ser maior, o que poderia implicar um aumento na taxa real de desemprego.

Porém, Marconi é cético quanto aos efeitos do aumento dos valores pagos pelo Bolsa Família, por exemplo, no crescimento dos índices de desocupação. "Isso pode ter mudado alguma coisa no mercado de trabalho, mas mesmo assim a inflação dos serviços está alta", avalia.

Por essa razão, o professor prefere centrar sua análise na composição da inflação: enquanto a trajetória dos preços dos produtos é de baixa, a dos serviços opera na direção contrária e está em ascensão.

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Segundo o professor, a inflação dos produtos é influenciada pela taxa de câmbio. Com os juros muito altos, a entrada de dólares no país tem valorizado o real e ajudado a segurar os preços. Mas a mesma tendência não tem se verificado no campo dos serviços, determinada principalmente pelo comportamento do mercado de trabalho.

Marconi faz um recorte: enquanto os custos com alimentação em domicílio despencaram de 8,2% para 4,5% na comparação de outubro deste ano com dezembro de 2024, os gastos para comer fora de casa subiram quase 30% nos mesmo período.

O atual momento guarda semelhanças com o segundo mandato de Dilma Rousseff, diz o professor, em que também houve disparada da inflação de serviços. Mas ele aponta duas diferenças importantes. Na época da ex-presidente, o governo segurou artificialmente alguns preços (como o da energia) para conter a inflação geral. Além disso, a taxa básica de juros não era tão alta como hoje, o que também contribuiu para impulsionar os preços.

"A questão é que estão segurando a inflação via câmbio", resume o professor, reforçando o papel das altas taxas de juros. Ele, no entanto, ressalta os efeitos colaterais dessa política, para além do incremento da dívida pública.

"A indústria se prejudica por conta dessa taxa de juros alta. Você vê que o volume de importados está aumentando, o próprio PIB mostra isso. Tem uma consequência forte que é a piora do saldo de transações correntes", finaliza Marconi.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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