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Evento na USP lembra sentença, proferida durante a ditadura, que condenou Estado por morte de Herzog

A faculdade de direito da USP promoverá, nesta segunda-feira (10), um debate sobre a sentença que condenou o Estado brasileiro, ainda durante a ditadura militar (1964-1985), pelo assassinato do jornalista Vladimir Herzog.

O debate, realizado no salão nobre da faculdade, no centro de São Paulo, integra o calendário de eventos em memória dos 50 anos da morte de Herzog, completados em outubro deste ano. Diretor da TV Cultura, o jornalista foi morto na sede do DOI-Codi do Exército na capital paulista em 25 de outubro de 1975.

Vlado, como era conhecido, foi à sede do órgão da repressão naquele dia para falar sobre sua militância no PCB (Partido Comunista Brasileiro), refratário à luta armada contra a ditadura. Morreu horas depois, após ter sido submetido a sessões de tortura. O regime divulgou que ele havia se suicidado.

A versão logo foi contestada, mobilizando protestos, greves estudantis e questionamentos públicos à época, incluindo um ato inter-religioso na Catedral da Sé que desafiou abertamente a ditadura.

Viúva de Vlado, a publicitária Clarice Herzog entrou com uma ação na Justiça Federal de São Paulo, em abril de 1976, pedindo que o Estado fosse responsabilizado pela prisão, tortura e morte do marido. Em outubro de 1978, o juiz Márcio José de Moraes condenou a União pelo crime.

A decisão é considerada histórica por ter sido proferida em plena vigência do AI-5 (Ato Institucional nº 5), ato que intensificou a repressão e a tortura.

O juiz contrariou amigos que o aconselharam a esperar para divulgar a decisão, já que o AI-5 deixaria de vigorar até o fim daquele ano.

"Dei a sentença com o AI-5 em vigor. Essa visão eu me orgulho de ter tido. Seria uma reação, um grito de independência do Poder Judiciário. Já tinha formado a minha convicção, iria condenar a União. O gesto só teria valor, como uma espécie de grito político, de revolta contra a ditadura, se fosse dado sob o clima da ditadura, sob o AI-5", disse Márcio Moraes em entrevista à Folha em 2005.

Ele era juiz federal há dois meses quando assumiu o processo. O juiz titular, prestes a se aposentar, foi impedido de dar a sentença porque, segundo Moraes, a ditadura enxergava que um magistrado em fim de carreira se sentiria mais à vontade para condenar o Estado do que um iniciante que "tinha muito mais a perder".

O novo juiz disse que recebeu de seu antecessor o seguinte bilhete: "Ao me proibirem de ler a sentença, mal sabem eles que sua mão é muito mais capaz e pesada".

Moraes relatou ter enviado a mulher e suas duas filhas para Jacareí, no interior de São Paulo, onde viviam seus pais, para garantir a segurança delas. Também contou ter tirado férias para se dedicar à decisão de 67 páginas que reconheceu o Estado como o responsável pelo assassinato de Herzog.

A ditadura alegou que Vlado se enforcou em sua cela com um cinto –embora os uniformes usados pelos presos no DOI-Codi não tivessem cintos. A foto divulgada pelo governo, montada pelo regime, mostrava o jornalista de joelhos dobrados, com o corpo pendurado por uma distância menor que a altura dele. Na preparação para o sepultamento, encontraram marcas de tortura no corpo dele.

"O laudo era imprestável, assinado apenas por um perito. O perito-chefe assinou sem fazer a autópsia. O laudo, a principal prova da União, não tinha validade. As testemunhas disseram o que acontecia naquelas dependências. Alguns ouviram os gritos de Herzog. Isso foi prova suficiente para me convencer de que Herzog morreu por causa da tortura", contou o juiz na entrevista.

Após a sentença, Moraes recebeu uma carta de Zora Herzog, mãe de Vlado, agradecendo a ele pela coragem. "Meu filho não voltará, mas seu bom nome não ficará manchado. Se seu desaparecimento não foi em vão para a história do p aís, para mim sua perda é definitiva, minha dor não tem consolo", disse ela.

A carta de Zora foi lida pela atriz Fernanda Montenegro e exibida em um vídeo durante ato que celebrou a memória de Herzog, no dia 25 de outubro deste ano, na Catedral da Sé.

Moraes é um dos convidados anunciados no evento desta segunda-feira. O debate terá início às 10h com uma roda de conversa entre Leonardo Sica, presidente da OAB-SP; Celso Campilongo, diretor da Faculdade de Direito da USP; Ivo Herzog, filho de Vlado e presidente do conselho do instituto que leva o nome do pai; e Maria Vitória Benevides, presidente da Comissão Arns. O debate será mediado pela jornalista da Folha Patrícia Campos Mello.

Também são previstas as participações do ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, que atuou na defesa de presos políticos, e de Samuel MacDowell Figueiredo, um dos advogados que atuou no processo de Clarice contra a União.

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