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Força de trabalho gaúcha já conta com mais de 51 mil estrangeiros

O número de migrantes internacionais no mercado formal gaúcho tem aumentado exponencialmente e chegou, em julho, a um total de 51.038 trabalhadores. Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), o total de estrangeiros empregados no Rio Grande do Sul no período foi 20% maior do que o registrado em todo o ano de 2024, quando eram 42.637 profissionais. Escassez de mão de obra e envelhecimento da força de trabalho no Estado impactam esse cenário.

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Segundo Juliano Florczak Almeida, Sociólogo da Fundação Gaúcha do Trabalho e Ação Social (Fgtas), o crescimento da representatividade de de trabalhadores estrangeiros no RS ocorre principalmente pela falta de mão de obra local. Isso é resultado, de acordo com ele, da combinação entre o envelhecimento da população, que é uma dinâmica demográfica especial no Rio Grande do Sul, e uma taxa de desocupação que atingiu o nível mais baixo da história, o que leva a um número crescente de vagas operacionais que não são preenchidas.

“A vinda dessa população migrante é um vetor no sentido contrário ao envelhecimento da população, que acontece de uma maneira especial aqui no Rio Grande do Sul, porque esse envelhecimento está relacionado a um fator bem importante para nós da Fgtas, que é a escassez de mão de obra. A gente tem uma taxa de desocupação no nível mais baixo da história, né, o que tem promovido essa escassez, levando a um crescente número de vagas que acabam não sendo preenchidas, muitas delas operacionais”, destacou Almeida.

Ao todo, de janeiro a julho de 2025, foram admitidos 41.363 migrantes e desligados 32.962 migrantes no RS. O Estado apresentava o 3º maior saldo de movimentações de migrantes internacionais no mercado formal de trabalho, com 8.401 postos, ficando atrás apenas do Paraná (13.091) e de Santa Catarina (12.344). Com relação ao setor econômico, a indústria registrou o maior saldo no Estado no período (4.453), seguida pelos serviços (1.263), agropecuária (1.260), comércio (1.123) e construção (302).

Os dados apresentados na pesquisa mostram que, em julho de 2025, a grande maioria dos vínculos de migrantes pertenciam à indústria, com 51%. Na sequência podemos ver o segmento dos serviços com 21% , do comércio com 17%, a agropecuária com 6% e a construção com 5%.

A indústria, percebendo muito a falta de mão de obra, tem sim acolhido esse fluxo migratório, e principalmente o abate e processamento de produtos de carne, tanto que os frigoríficos do Rio Grande do Sul são bastante movidos por mão de obra venezuelana e haitiana. Só para dar um exemplo, de janeiro a julho de 2025, enquanto a indústria teve quase 4.500 postos a mais para migrantes, o abate e processamento de produtos de carne sozinho correspondeu a 1,7 mil desses postos, ou seja, um terço do saldo”, destacou.

Sobre o perfil dos trabalhadores, o sociólogo destaca que a migração tem sido “um movimento muito masculino”. Sobre o perfil dos trabalhadores que estavam na pesquisa, 5.164 eram homens e 3.237 mulheres. Eles eram jovens, com a maioria vindo entre 18 a 49 anos e são oriundos, principalmente, da Venezuela, Haiti e Argentina.

“O fluxo migratório para o Rio Grande do Sul é amplamente caracterizado pela presença de venezuelanos, que correspondem a mais de 50% dos vínculos formais de trabalho. No entanto, mais recentemente, a Argentina também se tornou um fluxo significativo, e a mão de obra venezuelana e haitiana é muito importante no setor de abate e preparação de produtos de carne. A migração é estimulada pela situação bastante diversa em seus países de origem. Especificamente para os argentinos, a saída mais significativa foi estimulada pelas medidas de austeridade que o governo implementou”, enfatizou.

Maior concentração de migrantes está nos polos industriais do Interior

A pesquisa desenvolvida pela Fgtas mostra também que a migração no Rio Grande do Sul se concentra atualmente nas cidades do Interior, ao contrário do que ocorria em outros anos. Dessa forma, polos industriais como Caxias, Passo Fundo e Erechim se destacam.

“Temos observado que a migração tem um pouco se interiorizado. Se olharmos os dados mais antigos, uns anos para trás, a gente ia observar Porto Alegre numa posição mais alta no ranking das cidades que mais empregam migrantes. Aos poucos isso vem mudando e as pessoas têm procurado aí polos como Caxias do Sul, Passo Fundo, Erechim, que são cidades do Interior que têm indústrias que têm esse perfil de sobra de postos de trabalho. Quer dizer, essa população tem conseguido posto de trabalho mais nessas regiões mais industrializadas”, destacou Almeida.

Ele aponta ainda o aumento da contratação de migrantes formais no setor da colheita da uva. Isso, segundo ele, ocorreu após o episódio do resgate de trabalhadores em situação de trabalho análaogos à escravidão, onde havia uma alta representatividade de migrantes. 

“O migrante é sobrerrepresentado nesses resgatados, porque eles não têm uma uma rede de apoio e muitas vezes não conhecem também a legislação trabalhista. Depois daquele episódio da coleta da uva, tivemos um processo de aumento da contratação formal nesse setor. E particularmente de imigrantes. Teve todo um processo de um esforço institucional de uma série de órgãos do Estado brasileiro para promover essa formalização que teve resultado”, afirmou.

Outras entidades têm percebido essa tendência de aumento no número de migrantes no trabalho formal e criado mecanismos para melhor recebê-los. Esse é o caso do projeto Indústria Acolhedora, encabeçado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), em parceria com a Organização Internacional para as Migrações (OIM),  a Organização das Nações Unidas (ONU) e o  Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial do Rio Grande do Sul (Senai -RS). A iniciativa é direcionada ao acolhimento e à integração de migrantes na indústria gaúcha.

O programa foi lançado oficialmente em julho de 2025, e busca mapear e qualificar migrantes, adaptando os cursos às necessidades específicas das indústrias regionais, visando a melhoria da competitividade da indústria e a qualidade de vida dos migrantes através de oportunidades de trabalho estáveis.

“É um trabalho social que a gente também promove. É uma formação que resolve o problema na indústria como um todo. Todos só têm a ganhar, a sociedade tem a ganhar e esse imigrante também. Até porque quando ele for qualificado, ele vai poder ter oportunidades com melhores salários. Esses melhores salários vão fazer com que ele dê mais qualidade de vida pra família dele”, destacou Marcio Basotti, gerente geral de Operações da Divisão de Educação Profissional e Tecnológica no Senai-RS.

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O projeto teve como piloto a cidade de Erechim. Atualmente, o Senai está trabalhando e buscando empresas parceiras em diversas outras regiões, incluindo a do Vale do Taquari e a Serra Gaúcha, mais especificamente em Caxias do Sul. 

Basotti ressaltou que a intenção é expandir o programa para todos aqueles municípios que têm interesse, pois o Senai não coloca o número de municípios como um limitante. “Nós nos adaptaremos e levaremos este programa onde houver necessidade, onde a oportunidade estiver e permitir a execução do programa”, diz Basotti.

Assim, o gerente geral explicou que o acolhimento dos migrantes é promovido por um projeto conjunto das entidades do Sistema Fiergs, no qual o Senai é responsável pela execução da educação profissional, enquanto outras entidades oferecem atividades de apoio essenciais, como educação básica, apoio psicossocial e apoio familiar. Ele também enfatizou que os cursos do Senai não consistem em um único programa, mas são ajustados conforme a demanda específica da região. 

“Na parte do Senai, o curso que a gente vai fazer vai depender muito dessa necessidade da região. Não é um único curso, porque cada região tem sua demanda. Por exemplo, na região do Vale do Taquari, Lajeado e arredores, estamos falando de uma região com uma indústria alimentícia forte. Na região da Serra, nós estamos falando de uma região onde a indústria metalmecânica é forte. E assim a gente vai ajustando o curso à necessidade específica”, explicou.

O projeto conta com uma meta inicial de ajudar 2,4 mil pessoas. Apesar disso, ele enfatiza que o primeiro ano do programa tende a ser mais voltado para estudos e entendimento, e a meta está sendo buscada através do fomento a outras regiões. Basotti acrescenta que a expectativa é de que o projeto comece a atingir o auge de matrículas e empresas parceiras no início do ano de 2026.

Idioma e cultura são dificuldades apontadas por empregadores e colaboradores

Inúmeras empresas do Rio Grande do Sul têm encontrado na contratação de migrantes uma saída para a falta de mão de obra disponível no mercado. Um exemplo disso é a Comil, uma das principais montadoras de ônibus do Sul do Brasil. A empresa emprega, atualmente, mais de 600 migrantes.

Os primeiros estrangeiros foram contratados pela empresa em meados de 2022, após o fim da pandemia de Covid-19, através da Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais (Adra), uma agência parceira da Organização Internacional para as Migrações (OIM). 

Segundo Fernanda Parmeggiani, coordenadora de RH da Comil, muitos setores da atividade econômica de Erechim cresceram e, com isso, notou-se uma baixa disponibilidade de profissionais no mercado de trabalho. “Percebemos nos migrantes uma oportunidade de mantermos nossos projetos de desenvolvimento e expansão, além de claro, propiciar às famílias a possibilidade de refazerem suas vidas pessoais e profissionais, um ganha-ganha”, destacou. 

Fernanda destaca que contar com uma base de migrantes tão grande tem inúmeras vantagens. “A indústria do ônibus requer muitos profissionais em seu processo produtivo. Logo nos primeiros meses percebemos um aumento expressivo nas taxas de retenção de pessoas, devido aos profissionais migrantes possuírem o objetivo de construírem suas carreiras na indústria e se estabelecerem com suas famílias. Esta retenção de pessoa, também permitiu retenção de conhecimento e habilidades, maior alinhamento, menor custo e maior engajamento. Também é importante considerar a diversidade cultural que amplia conhecimento, gera oportunidades de aprendizados e trocas”, afirmou. 

Apesar disso, existem, inevitavelmente, algumas dificuldades como a linguagem e a cultura. Isso, porém, é facilmente contornado com ações implementadas no dia a dia da empresa, como a sensibilização de gestores e a disponibilização de cursos aos migrantes. 

Um desses 600 migrantes que trabalham na Comil é o venezuelano Johan Gregorio Rojas Rondon (foto), de 34 anos. Rondon trabalha como instrutor de treinamentos e afirma que veio ao Brasil por indicação de um amigo. “Um amigo me falou de oportunidades de trabalho aqui no Brasil, de melhor qualidade de vida. Então, decidi encarar esse novo desafio em busca dessas melhorias para a minha vida”, contou.

O venezuelano Johan Gregorio Rojas Rondon, de 34 anos, trabalha como instrutor de treinamentos na Comil | REPRODUÇÃO/COMIL/JC

O venezuelano Johan Gregorio Rojas Rondon, de 34 anos, trabalha como instrutor de treinamentos na Comil REPRODUÇÃO/COMIL/JC

O instrutor de treinamentos compartilha que sua trajetória, até conseguir o emprego na Comil, não foi simples. Segundo ele, a barreira linguística foi um dos principais desafios. “Não entendia bem o idioma, então a busca foi bem desafiadora. Comecei trabalhando como freelancer em uma pizzaria em Porto Alegre”, relembrou.

Rondon chegou até a Comil através da Adra e explica que, desde sua contratação, está "muito satisfeito" na empresa. Segundo ele, ter um emprego estável é uma grande vantagem em relação a suas primeiras experiências como freelancer. “A receptividade tem sido muito boa, é um ambiente que me faz sentir em casa. Para mim, no pessoal, a principal vantagem foi a conquista do meu apartamento próprio”, revela. 

Apesar da boa receptividade, Rondon destaca que sente muita saudade de casa. “A principal dificuldade de trabalhar longe é a saudade da minha família. Mas não tem problema, quando tenho um propósito luto para conseguir alcançá-lo”, pondera.

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