Parque de refino da Refit com um tanque laranja com o logotipo da empresa em primeiro plano

Crédito, Divulgação/Refit

Legenda da foto, Alvo de operação nesta quinta-feira (27/11), 'maior sonegadora do país' usava fundos de investimento e empresas no exterior para ocultar patrimônio, diz Receita
    • Author, Thais CarrançaThais Carrança
    • Role, Da BBC News Brasil em São Paulo
  • 27 novembro 2025, 18:55 -03

    Atualizado Há 3 minutos

Grupo empresarial que há anos figura no topo de listas de maiores sonegadores de impostos do país, a Refit, dona da Refinaria de Manguinhos, no Rio de Janeiro, foi alvo nesta quinta-feira (27/11) de uma operação conjunta da Receita Federal e de órgãos do governo do Estado de São Paulo.

Segundo a Receita Federal, o grupo Refit é o maior "devedor contumaz" do País, com dívidas que superam R$ 26 bilhões junto aos Estados e à União.

Devedor contumaz é como são chamados contribuintes que deixam de pagar tributos de forma sistemática e intencional, utilizando a inadimplência como estratégia para obter vantagem competitiva sobre seus concorrentes.

A Operação Poço de Lobato tem mais de 190 alvos e inclui o cumprimento de 126 mandados de busca e apreensão contra pessoas físicas e jurídicas em cinco Estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Distrito Federal e Bahia.

O nome da operação faz referência ao primeiro poço de petróleo perfurado no Brasil, em 1939, no bairro Lobato, em Salvador (BA), marco inicial da exploração petrolífera no país — uma alusão ao setor de atuação da empresa investigada.

Segundo o Fisco, o grupo investigado manteria relações financeiras com empresas e pessoas ligadas à Operação Carbono Oculto, realizada em agosto de 2025, e que investigou o uso de postos de combustíveis e fundos de investimento para lavar dinheiro do crime organizado - e ganhou notoriedade, também, por ter chegado ao coração financeiro de São Paulo, a avenida Brigadeiro Faria Lima.

Já o Governo de São Paulo afirmou que "a megaoperação Poço de Lobato não é uma continuação da Carbono Oculto e não foi identificado qualquer indício que haja participação de facção criminosa dentro do esquema investigado".

"Eram dois grupos empresariais diferentes e concorrentes. Atuam no mesmo mercado de combustíveis e chegaram a realizar alguns negócios em comum, mas pontuais. Para nós, não se trata de um mesmo grupo", disse o promotor do Ministério Público de São Paulo, Alexandre Castilho.

A BBC News Brasil tentou contato com a Refit para obter um posicionamento oficial sobre a operação, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

Tarcísio de Freitas vestindo terno cinza e camisa e gravatas azuis, gesticulando enquanto fala

Crédito, Marcelo Camargo/Agência Brasil

Legenda da foto, Segundo o governo de São Paulo, as dívidas da Refit com os cofres públicos paulistas somam R$ 9,6 bilhões

Segundo o governo de São Paulo, as dívidas da Refit com os cofres públicos paulistas somam R$ 9,6 bilhões.

"São R$ 9,6 bilhões que deixaram de entrar nos cofres do Estado", disse o governador Tarcísio de Freitas durante coletiva de imprensa nesta quinta-feira, em que classificou a operação conjunta como "histórica"

"Para se ter uma ideia do que isso significa, aumentamos o custeio da saúde em R$ 10 bilhões por ano e isso fez com que duplicássemos a quantidade de cirurgias eletivas no Estado de São Paulo. Essas pessoas fraudam R$ 350 milhões por mês. É como se tirássemos um hospital de médio porte do cidadão por mês. Ou como se impedíssemos a construção de 20 escolas", comparou.

Entenda em 3 pontos o caso Refit, segundo as informações da Receita Federal e do governo paulista.

1. Fraude fiscal e na produção de combustível

Segundo a Receita, o grupo Refit está envolvido tanto em fraudes fiscais, para evitar o pagamento de impostos, como em irregularidades no processo de produção e venda de combustíveis.

Conforme o órgão, importadoras compravam do exterior nafta (matéria-prima proveniente do petróleo usada na produção de gasolina), hidrocarbonetos e diesel com recursos de formuladoras e distribuidoras vinculadas ao grupo.

As formuladoras são empresas autorizadas pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) para a produção de gasolina e de óleo diesel por meio da mistura de produtos. Já as distribuidoras são responsáveis por fornecer o combustível aos postos de gasolina.

Apenas entre 2020 e 2025, foram importados mais de R$ 32 bilhões em combustíveis pelos investigados, de acordo com a Receita.

Formuladoras, distribuidoras e postos de combustíveis vinculados ao grupo sonegavam reiteradamente tributos em suas operações de venda, prejudicando a arrecadação dos Estados e a concorrência do setor.

Maços de dinheiro com nota de 100 e 200 reais presos com elásticos sobre mesa de madeira

Crédito, Divulgação/Governo de São Paulo

Legenda da foto, Dinheiro apreendido durante a operação Poço de Lobato, segundo governo de São Paulo

A Refit também foi alvo em setembro da Operação Cadeia de Carbono, quando foram retidos quatro navios contendo cerca de 180 milhões de litros de combustível.

Ainda em setembro, a ANP determinou a interdição da Refinaria de Manguinhos, após constatar diversas irregularidades, entre elas a suspeita de importação com falsa declaração do conteúdo, ausência de evidências do processo de refino e indícios de uso de aditivos químicos não autorizados pela regulamentação.

Ao fim de outubro, no entanto, a agência desinterditou parcialmente as instalações da refinaria, após a empresa comprovar que atendeu a 10 dos 11 condicionantes apontados na fiscalização.

2. Ocultação de patrimônio e uso de fundos e offshores

Ainda de acordo com a Receita Federal, o grupo movimentou mais de R$ 70 bilhões em apenas um ano, utilizando empresas próprias, fundos de investimento e offshores (empresas e contas bancárias abertas em territórios onde há menor tributação) — incluindo uma exportadora fora do Brasil — para ocultar e blindar lucros.

O esquema envolvia uma empresa financeira "mãe" controlando diversas "filhas", criando operações complexas que dificultavam a identificação dos verdadeiros beneficiários.

O dinheiro ilícito era reinvestido em negócios, propriedades e outros ativos por meio de fundos de investimento, dando aparência de legalidade e dificultando o rastreamento.

A Receita Federal afirma que já identificou 17 fundos ligados ao grupo, que somam patrimônio líquido de R$ 8 bilhões. Em sua maioria, são fundos fechados com um único cotista, geralmente outro fundo, criando camadas de ocultação, diz o Fisco.

Uma das principais operações internacionais identificadas envolveu a aquisição de uma exportadora em Houston, no Texas (EUA), da qual foram importados combustíveis no valor de mais de R$ 12,5 bilhões entre 2020 e 2025.

"Já foram identificadas mais de 15 offshores nos EUA, que remetem recursos para aquisição de participações e imóveis no Brasil, totalizando cerca de R$ 1 bilhão", informou a Receita.

Totem com logotipo da Receita Federal ao lado de uma árvore

Crédito, Marcelo Camargo/Agência Brasil

Legenda da foto, A Receita Federal afirma que já identificou 17 fundos ligados ao grupo, que somam patrimônio líquido de R$ 8 bilhões

3. Lei parada no Congresso

Um projeto de lei que cria a figura do devedor contumaz e impediria esquemas bilionários de sonegação de imposto como o investigado na Refit está parado na Câmara dos Deputados desde 30 de outubro, quando a Casa aprovou a urgência na tramitação.

O texto, apresentado pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já foi aprovado no Senado.

No projeto, o devedor contumaz é definido, em âmbito federal, como o contribuinte com dívida injustificada, superior a R$ 15 milhões e correspondente a mais de 100% do seu patrimônio conhecido.

Em âmbito estadual e municipal, o texto considera como devedor contumaz quem tem dívidas com os fiscos de forma reiterada e injustificada.

Nesta quinta-feira, Tarcísio de Freitas reiterou a importância da aprovação do projeto de lei pelo Congresso.

"Quando você tem operações como esta, e que escancaram esse tipo de esquema, aqueles projetos que muitas vezes encontram barreiras no Congresso ganham força", disse o governador.