
Esqueça a ideia de uma inteligência artificial com quem você apenas conversa. Na semana passada, o Google lançou o Gemini 3, que, em uma tacada só, escancara os três caminhos que a big tech está pavimentando para o seu futuro —e para o de todos que interagem com seus serviços.
Primeiro (e com impacto direto sobre usuários): a empresa decreta o fim da era dos chatbots passivos e inaugura a fase dos "trabalhadores digitais". É o rompimento da experiência inaugurada pelo ChatGPT há três anos: sai de cena a IA que só adivinha a próxima palavra e entra aquela treinada para ser um agente capaz de raciocinar, planejar e executar tarefas complexas sem supervisão.
Segundo (e voltado a produtores de conteúdo): a companhia de Mountain View toma uma das decisões mais arriscadas de sua história e mesclar de vez o negócio de busca com o da IA. Ao levar a habilidade de "Deep Research" para as pesquisas online, o Google substitui as páginas com links por relatórios prontos. Ao praticamente ignorar de onde veio a informação, a empresa coloca em xeque a economia da web aberta baseada em cliques e anúncios.
Terceiro (e direcionado às rivais na corrida de IA): numa reviravolta silenciosa e nos bastidores, o Google construiu todos os poderes do Gemini 3 sobre os ombros da TPU v6 (Trillium), um chip desenvolvido internamente. Ao dispensar a força bruta das GPUs, o recado está dado é claro: dá para peitar a Nvidia —mas, obviamente, não é para todo mundo.
As questões que surgem agora são outras: quais são os ladrilhos em que o Google mexeu para construir cada um desses caminhos? E mais: quais as consequências de andar por eles?
O que rolou?
O Gemini 3 é a evolução do modelo de IA que passou a ser onipresente em tudo quanto é produto do Google, do Gmail ao Docs, passando pela Busca.
Como cada versão dessa IA apresentou uma nova habilidade —o Gemini 1 ampliou a interpretação de informação, o 2 adotou os agentes e o "raciocínio da IA", o 2,5 desbancou outros modelos e chegou ao topo da categoria— o próprio Google foi construindo em pleno voo uma ferramenta com capacidade suficiente para mudar os itinerários da corrida da IA. E é isso que o Gemini 3 faz, porque:
- O modelo supera os rivais quando o assunto é gerar texto: marca 1.501 pontos no LMArena, um dos principais testes para desempenho de IAs, à frente do Grok 4.1 (1.483), do Gemini 2.5 Pro (1.452) e do GPT 4.5 (1.442). Mas...
- ... O principal trunfo do Gemini 3 é o "Deep Think", que funciona como camada de processamento deliberativo: antes de responder, o modelo "pensa", verifica fatos e simula cenários em tarefas lógicas e matemáticas. Tudo com o objetivo de evitar falar bobagem, o que a gente tem chamado de alucinações, e para entregar uma resposta complexa e que atenda diversos pontos da pergunta. Somado a isso...
- ... O Gemini 3 avança nos parâmetros de multimodalidade --um jeito enjoado de dizer que ele processa melhor demandas que venham em texto, vídeo ou áudio. A nova habilidade não afeta só a capacidade compreensão, mas também eleva a competência para dar respostas nesses formatos. Tudo isso aumenta a precisão factual e em matemática. Fora isso...
- ... O Gemini 3 traz ao mundo o Google Antigravity, uma nova plataforma para desenvolvedores criarem, testarem e melhorarem agentes de IA. Os programadores podem escolher escrever os códigos ou apenas ditar as regras e deixar o Gemini fazer o resto. Quer dizer que...
- ... É o playground do "vibe Coding", já que a IA não só escreve código, mas roda, testa, corrige bugs e o executa, mesmo que as ações sejam de longa duração (de minutos a horas). Tudo de forma autônoma. Mas calma. Não é dessa vez que os robôs farão tudo sozinhos. As criações ficam em ambiente "sandbox", ou seja, ainda cabe ao humano por trás das máquinas decidir colocar esses agentes no mundo. Isso só é possível, porque...
- ... O Google treinou o Gemini 3 e deixou todo seu poder de inferência (respostas e execução de tarefas) a cargo do TPU v6, a sexta geração de TPUs, os chips desenvolvidos internamente pela empresa. E, por último...
- ... O Gemini 3 pode ser acessado de duas formas: pelo aplicativo de mesmo nome em todo mundo -- o que não é pouca coisa, já que 650 milhões de usuários já usam esse app por mês (13 milhões dos quais são programadores), pouco abaixo dos 700 milhões do ChatGPT, da OpenAI-- ou via Modo IA da busca do Google, se você estiver nos Estados Unidos.
Por que é importante?
A combinação das novas habilidades do Gemini 3 fazem dele um marco na trajetória do Google. Antes de falar delas, é bom notar que há uma mudança até na narrativa da empresa, que passa a falar em atingir a AGI (Inteligência Artificial Geral, na sigla em inglês), aquela que supera humanos em todas as atividades —guardados os devidos exageros, esse era até agora um papo mais comum na boca de executivos de OpenAI e Meta.
Na prática, o Gemini 3 simboliza a industrialização do raciocínio feito pela IA. A fluência da IA com linguagem é importante, mas falar e criar imagens tão bem quanto nós, humanos, deixa de ser o foco, que passa a ser a conclusão de tarefas. Essa mudança de perspectiva está presente nas possibilidades do Antigravity, mas também em como o Google concebeu o Gemini 3: o treinamento foi feito via "Reinforcement Learning from Agentic Feedback". Ou seja, em vez de aprender a prever estaticamente a próxima palavra a ser dita, o Gemini 3 foi doutrinado para cumprir tarefas de forma autônoma e ágil —e tudo isso tendo outro robô como avaliador do que seria "bom o suficiente".
Já o casamento entre software e hardware é o Google fazendo com a IA o que a Apple fez com o smartphone: integração vertical total. Ao otimizar o Gemini 3 com seus chips Trillium, o Google risca na terra uma distância competitiva para seus rivais que pagam a "taxa Nvidia". As empresas chinesas já começaram a fazer isso, e a OpenAI arquitetou uma ciranda trilionária de investimentos para manter a Nvidia perto e atrair empresas, como a Broadcom, para reduzir a dependência das GPUs. Essas iniciativas, porém, levam tempo.
Ao levar o Gemini 3 para a busca, o Google une "Deep Think" e multimodalidade para dar origem ao "Deep Research". Ou seja, o resultado de uma pesquisa online não será só uma resposta pronta, mas virá com configuração visual próxima à dos próprios sites de onde o Google tirou a informação. Com isso, o Google deixa de ser uma ponte para outros serviços e assume de vez o papel de curador de informação na internet. A web sai da condição de biblioteca visitável para a de banco de dados invisível que alimenta a IA. Para publishers e criadores, é o "zero-click" como condição de existência.
Nas buscas gerais, o padrão ainda é o Overview de IA, que já derrubou em 40% o tráfego para diversos sites de notícias. A vida de quem depende de conteúdo na internet pode ficar ainda mais difícil quando —e se— o Gemini 3 deixar de funciona só no Modo IA dos EUA.
Não é bem assim, mas tá quase lá
Apesar de demonstrar força com o Gemini 3, a estratégia do Google possui alguns obstáculos à frente.
O uso de IA para digerir conteúdo produzido por terceiros para entregar respostas prontas aos usuários tem levado empresas a acusar o Google por conduta anticoncorrencial no mundo e aqui no Brasil. Se for levada adiante, a morte dos links azuis não é boa nem para os planos do Google e pode soar a auto-sabotagem: não direcionar tráfego aos criadores de conteúdo é sufocar quem fornece a matéria-prima do Gemini.
Com o Trillion, o Google desafia a Nvidia, sim, mas apenas dentro de seus muros. A fabricante de chips mantém sua hegemonia global inabalada a curto prazo ao continuar sendo a fornecedora padrão para todo o resto do mundo (Meta, Microsoft, xAI e startups).
O Google construiu uma máquina de resolução tarefas, provou que pode rodá-la em casa e insinua mudanças profundas. Resta saber se a web —e a economia que a sustenta— sobreviverá a ela.
DEU TILT
Toda semana, Diogo Cortiz e Helton Simões Gomes conversam sobre as tecnologias que movimentam os humanos por trás das máquinas. O programa é publicado às terças-feiras no YouTube do UOL e nas plataformas de áudio. Assista ao episódio da semana completo.

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2 semanas atrás
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