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Governo abre mercados, mas preços internacionais salvam Brasil do tarifaço

Intensificada agora, a conquista de mercados começou a crescer em 2023. Entre janeiro daquele ano e agosto de 2025, o agro ganhou 410 mercados em 69 países e três blocos. Entre 2018 e 2022, foram 248 em 33 países, um resultado explicado parcialmente pela pandemia, quando as relações internacionais diminuíram. Só entre abril e agosto deste ano foram abertos 77, o mesmo que em 2021.Abrir mercados no exterior não é tarefa fácil. Primeiro são necessárias negociações diplomáticas entre autoridades de governos e representantes de setores comerciais. Desses encontros saem exigências técnicas, como certificações de qualidade, normas de segurança alimentar, padrões ambientais e sanitários. Também são discutidas regras aduaneiras, como tarifas alfandegárias e licenças de exportação. Depois, os produtos são registrados em agências reguladoras, como a Anvisa brasileira. Quando os acordos bilaterais ou regionais são finalmente assinados, as empresas ainda precisam fechar contratos, preparar a logística e a redes de distribuição.

Mas nem todo mercado aberto este ano foi remédio ao tarifaço. "Leva menos de um ano para abrir se houver interesse mútuo. Se for acordo de livre comércio, leva até cinco. Acordo sanitário de produto específico é mais rápido", explicou ao UOL Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil.

Produtos que mais ganharam mercado

A estrela tem sido os bovinos. Foram cinco mercados abertos para a carne de boi em 2023, enquanto no ano seguinte outros diferentes produtos com essa origem ganharam espaço, como extrato de carne, colágeno e sêmen bovino.

Em 2025, a carne de boi se destacou. Foram doze mercados abertos. Mas não foram as únicas vendas relacionadas ao setor: bovinos vivos (6), soro fetal (5) e sêmen bovino (3) também ganharam mercados. O mesmo aconteceu com carnes de aves (7), de porco (3) e pescados (3).

Agro ganha mercado
Agro ganha mercado Imagem: Arte/UOL
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Países se abrem ao Brasil

O México foi o país que mais abriu mercados aos produtos brasileiros: 24, seguido por Angola, Japão e Canadá.

Os mexicanos abriram cinco este ano, mas foi um produto introduzido em 2023 que faz a diferença agora. Naquele ano, a carne bovina brasileira entrou no mercado do México pela primeira vez. No mês passado, o país ultrapassou os EUA e se tornou o segundo maior importador de carne brasileira, atrás da China. De janeiro a agosto, adquiriu 80 mil toneladas (US$ 438 milhões).

O caminho foi árduo. "O México ficou 20 anos fechado até a abertura", contou ao UOL o presidente da Abiec (associação exportadora de carne), Roberto Perosa. Apesar do avanço, as vendas totais para o México não passaram de US$ 7,8 bilhões em 2024, apesar do potencial das duas maiores economias latino-americanas, com 60% do PIB da região e mais de 320 milhões de consumidores.

O presidente Lula com sua homóloga mexicana, Claudia Sheinbaum
O presidente Lula com sua homóloga mexicana, Claudia Sheinbaum Imagem: Ricardo Stuckert / PR
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Com o tarifaço, o México virou o alvo da vez na região. Em agosto, o vice-presidente Geraldo Alckmin (ministro do Desenvolvimento) passou dois dias negociando por lá. Voltou com a promessa de que 14 frigoríficos brasileiros receberão o aval mexicano para exportar.

O Japão é outra prioridade. Em agosto, representantes do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) visitaram Tóquio para aumentar a pauta exportadora. Só em 2024, o Japão importou mais de US$ 3,3 bilhões em produtos do agro brasileiro. O país abriu quatro mercados este ano, nenhum deles afetado pelo tarifaço.

Já as negociações com o Canadá, terceiro do ranking, se intensificaram após o tarifaço. Na semana passada, uma comitiva visitou o país para negociar um acordo com o Mercosul. "O Brasil pode vender ao Canadá o excedente de café que iria para os EUA", disse ao UOL o presidente da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), Jorge Viana.

Preços internacionais ajudam

O UOL apurou o desempenho das exportações de seis produtos agrícolas sobretaxados em 50% pelos EUA. Além da abertura de novos mercados, a variação dos preços internacionais das commodities agrícolas, para mais ou menos, ajudaram o Brasil a garantir um superávit na balança comercial, apesar do tarifaço. Todas as comparações são entre agosto de 2024 e 2025:

Carne

Novos mercados compensaram a queda nas exportações aos EUA. A quantidade vendida ao mundo aumentou 23%, para 268 mil toneladas. Em dólares, cresceu 56%, para R$ 1,5 bilhão em razão do preço, que subiu de US$ 4,4 para US$ 5,6 o quilo. O resultado compensou a queda nas exportações para os EUA: 42% em quantidade e 53,8% em valores (US$ 37 milhões).

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A expectativa é de que as vendas aumentem. É que justamente em agosto o Brasil conquistou dois mercados gigantes para miúdos e carne bovina com ossos: Indonésia, o quarto país mais populoso do mundo (284 milhões de habitantes), e Filipinas, o 14º (112 milhões). "A gente já exportava carne in natura para lá", diz Perosa, da Abiec.

Lula recebeu o presidente da Indonésia, Prabowo Subianto, em julho
Lula recebeu o presidente da Indonésia, Prabowo Subianto, em julho Imagem: Reprodução/YouTube/CanalGov

A venda de carne in natura para as Filipinas ajudou a compensar a restrição americana. A exportação quase dobrou de março para agosto: de 5,6 mil para 10,3 mil toneladas. Na semana passada, o Vietnã recebeu o primeiro embarque de carne bovina brasileira. As 27 toneladas marcaram o início das exportações após a abertura desse mercado, em março.

As negociações com Indonésia e Filipinas não começaram agora. Elas tiveram início entre 2022 e 2023. Não foram uma reação imediata ao tarifaço, mas se tornaram conquistas importantes neste momento de restrição.
Roberto Perosa, da Abiec

Café

Como o preço do café esteve 30% mais caro, o Brasil ganhou mais vendendo menos. A exportação para o mundo caíram 30%, para 149 mil toneladas, mas os vendedores brasileiros receberam 2% a mais (US$ 970,8 mi). A tendência foi a mesma com os EUA: o país importou 17,5% menos, mas pagou 14% mais: US$ 121 milhões.

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Além de depender dos EUA, o maior importador do café brasileiro, o setor tem dificuldades para abrir mercados. Já presente em 150 países, o produto ganhou apenas um novo comprador desde 2023, o de café verde para Zâmbia, em 2024.

O foco é derrubar o tarifaço dos EUA, que compra 16,5% do café brasileiro; 8 milhões de sacas por ano. "O Cecafé intensificou contatos com o setor privado dos EUA para transmitir dados reais ao governo americano a respeito da interdependência dos países no setor", diz o presidente do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil, Marcos Matos. "Estar presente em Washington nos permitirá colocar o café em uma lista de exceção em momento oportuno."

Pescados

Os preços 46% mais baixos favoreceram as vendas. No mundo, a quantidade subiu 66% (997 toneladas), embora os exportadores tenham recebido US$ 3,7 milhões, 10% menos que em agosto do ano passado. Graças à queda nos preços, os EUA reduziram em apenas 11% as suas importações. Ainda assim, os brasileiros receberam US$ 2,4 milhões do americanos, 31% menos que um ano antes.

Açúcar

As vendas caíram nos EUA e no mundo. Na média mundial, a quantidade recuou 4,6%, enquanto, em dólares, a queda foi de 16%, para US$ 1,5 bilhão, porque o quilo do açúcar caiu de US$ 0,46 para US$ 0,40. A queda geral nas vendas deve-se muito aos EUA:: importaram 92% menos (8,5 mil toneladas) e gastaram US$ 6,3 milhões, queda de 89%.

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O setor não abriu nenhum mercado desde 2023. Procurados, o governo e a União da Indústria de Cana-de-Açúcar não se manifestaram.

Cacau

Preço mais alto garantiu o faturamento do setor na média mundial. As vendas caíram 11% no mundo, embora o setor tenha faturado 3% a mais (US$ 42,5 milhões), diferença que se deve ao preço do quilo, US$ 2,5 mais caro este ano. Nos EUA, a queda foi grande: o Brasil enviou 54,7% menos cacau e embolsou 46% menos: US$ 6,3 milhões.

O cacau não encontrou novos compradores em 2023 e em 2024. Foram abertos cinco mercados em 2024, todos para amêndoas de cacau. Governo e Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau não se manifestaram.

Frutas frescas, frutas secas e nozes

Com os preços internacionais 18% mais baixos, as exportações subiram. O Brasil exportou 7,6% a mais para o mundo (68 toneladas) e 46% a mais para os EUA (2,2 toneladas), mas recebeu 11% menos na média global (US$ 73,6 milhões) e 50% menos dos americanos (US$ 3 milhões).

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Variação de preço em produto agrícola é comum, principalmente com mudanças climáticas. Conquistar mais mercados e manter os que já conquistou será o diferencial que vai dar 'garantias' ao Brasil de superávit nos próximos meses.
Patricia Andrade de Oliveira e Silva, da ESPM

Abrindo fronteiras

A estratégia para abrir mercados foi articular uma força tarefa. Sob a liderança de Alckmin, técnicos do MDIC, do Mapa, do Planejamento, da Apex e do Itamaraty intensificaram as missões internacionais. Desde 2023, diz o Mapa, a pasta participou de 110 viagens, muitas para criar adidâncias agrícolas, as representações do agro em outros países.

Existem hoje 40 delas em 38 nações. "Os adidos abrem caminhos e ampliam a previsibilidade para quem produz no Brasil", afirmou em agosto Luís Rua, secretário de Comércio e Relações Internacionais do Mapa. "Não se trata apenas de onde podemos vender hoje, mas de onde poderemos vender amanhã também."

Desde o tarifaço, foram 16 encontros empresariais "em todos os continentes". "Isso nunca havia acontecido. Foram mais quatro com Alckmin. Mais de 7.000 empresários foram por conta própria", diz Viana, da Apex.

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Vietnã recebe primeiro carregamento de carne bovina do Brasil
Vietnã recebe primeiro carregamento de carne bovina do Brasil Imagem: Mapa/Divulgação

A agência montou um programa para conectar empresas estrangeiras a produtores brasileiros. "Serão mais de 1.000 compradores de dezenas de países", diz Viana sobre o projeto de R$ 240 milhões para financiar esses encontros. "Queremos levar e trazer compradores do mundo inteiro para aqueles que exportam mais aos EUA."

Em outra frente, a Apex tenta derrubar o tarifaço. Depois de montar um escritório em Miami, vai colocar um ponto de negociação em Washington. "Ninguém abre mão dos EUA", diz Viana.

Presente em diversas missões, a Abiec reconhece o trabalho. "Houve intensificação de missões internacionais, com presença de ministros, vice-presidente e corpo diplomático, com o setor privado atuando de forma conjunta", diz Perosa. "Há agilidade em oferecer informações técnicas e atender auditorias sanitárias."

Mas abrir mercado não basta. "Se o Brasil não conseguir manter esses mercados, será preciso repensar a estratégia: importa mais a qualidade da conexão do que a quantidade", diz Patricia Andrade de Oliveira e Silva, professora de economia da ESPM.

O Futuro

Arquivo - Lula e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen
Arquivo - Lula e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen Imagem: Ricardo Stuckert
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O governo tem duas grandes apostas, e a Índia é uma delas. O governo vem preparando "o maior encontro empresarial que o Brasil já fez" para engrossar o comércio com o país asiático, que, embora faça parte do Brics, é só o 13º destino das exportações brasileiras. "É o país com o maior potencial porque tem a maior população do mundo. Hoje o fluxo parece o de dez anos atrás porque houve queda no governo passado", diz Viana.

A outra aposta é o acordo do Mercosul com a União Europeia. A negociação entre os blocos, iniciada em 1999, foi concluída em 2024. Será o maior acordo comercial do mundo: US$ 22 trilhões de PIB, maior que o da China (US$ 18 trilhões) e quase igual ao dos EUA (US$ 29 trilhões). "O presidente Lula conversou com líderes europeus, com o secretário do Conselho da UE [Thérèse Blanchet], com a presidente da Comissão Europeia [Ursula von der Leyen]", diz Viana. "O tarifaço também colaborou para que os blocos fechassem o acordo."

Trabalho tende a dar resultado em longo prazo.

Como protocolos sanitários e certificados não se conseguem de um dia pro outro, a reação brasileira que começa agora vai dar resultado principalmente no ano que vem.
Welber Barral

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