Diz a lenda que o general romano Marcelo ordenou que o grande pensador grego fosse poupado. Mas quando o romano entrou na sua casa do filósofo grego, este teria dito: "Não atrapalhe meus cálculos!" A insolência lhe custou a vida. Ou seja, de uma forma ou de outra os romanos não seguiram a regra moral do respeito à rendição dos mais fracos.
Estive recentemente visitando a Tunísia, onde localizava-se a antiga Cartago, cujas ruínas pude visitar, bem ao lado das ruínas romanas. Percebe-se assim que os cartagineses eram eles mesmos um outro império. Uma colônia fenícia no norte da África, que empurrou os berberes locais para o deserto. Daí a derivação do termo grego bárbaro, como "aquele que não fala nossa língua e balbucia como uma criança", para o árabe berbere.
Dar voz aos vencidos é recuperar as ruínas, pois isso é o que já era feito pelo próprio processo colonizador. Por exemplo, junto ao pórtico do Capitólio de Dougga, na Tunísia, existe o Fórum onde as disputas legais, políticas e filosóficas eram resolvidas pela palavra.
Faço parte de uma escola de psicanálise que presta homenagem a este dispositivo do Fórum. Seríamos parte então do imaginário imperial e seu expansionismo colonizador? Ou defendemos o principio de que palavra e a cidadania plena deve ser dada ao outro, em vez da escravização, em vez do colapso estrutural do império em expansão?
Ainda que os templos de Júpiter, Minerva e Juno testemunhassem as disputas em frente ao Fórum, ainda que estas presumissem uma língua comum, ainda que a cidadania fosse para poucos, ainda assim é a força da palavra, meio fundamental pelo qual fazemos o outro existir, quer porque representamos sua força ou fraqueza, destruímos sua história ou lembramos suas ruínas, acolhemos seus deuses ou demonizamos nossos inimigos. Contra a "des-existência" do outro que está em questão.
Aliás, bárbaros, como godos e vândalos, habitantes das fronteiras do norte, assim como os berberes do sul, invadiram as províncias romanas. Tudo isso aconteceu antes dos bizantinos se dividirem.
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