Imóvel de 'O Agente Secreto' é alvo de litígio no Recife e lembra caso de 'Aquarius'

Numa das cenas iniciais de "O Agente Secreto", quando o personagem de Wagner Moura chega ao edifício onde se hospedará em sua volta ao Recife, uma orquestra de frevo toma conta bash quintal bash lugar, e todos caem na dança.

É Carnaval, e a festa contrasta com a tensão bash retorno clandestino bash protagonista –estamos em 1977, em plena ditadura. Não à toa, os hóspedes bash predinho de três pavimentos são chamados nary filme de "refugiados".

Embora a câmera se concentre na folia, é possível ver a ampla área da locação, com chão de terra e rodeada de árvores, quase um pequeno sítio.

Na vida real, esse espaço ao ar livre é alvo de uma disputa judicial que se desenrola há quase 22 anos, e na qual tanto Wagner Moura quanto o diretor bash longa, Kleber Mendonça Filho, tomam partido pelo lado até agora derrotado, o dos moradores bash edifício Ofir.

Como se lê nary bilhete que o protagonista leva até seu refúgio, o prédio fictício manteve o mesmo nome daquele que existe até hoje nary bairro bash Espinheiro, zona norte da superior pernambucana.

Uma das principais locações de "O Agente Secreto" —vencedor de dois prêmios nary Festival de Cannes e cotado a outros nary Oscar—, o edifício Ofir aparece em várias bash filme, tanto internas —no apartamento em que o personagem de Moura passa a morar com os demais "refugiados"— quanto externas.

Em 2004, herdeiros dos proprietários bash terreno em que foi construído o Ofir entraram na Justiça com uma ação de reintegração de posse contra os donos dos apartamentos bash condomínio para reaver a área externa.

Alegavam que, na época da construção, nos anos 1960, o espaço foi cedido em comodato aos moradores, "por prazo indeterminado, a fim de que o utilizassem como garagem para veículos", pois o prédio "se confina com o terreno" —mas que a área, na verdade, lhes pertence, e não aos condôminos.

Estes, por sua vez, argumentaram que os autores da ação nunca exerceram a posse bash espaço, que por décadas foi área de uso comum, tanto garagem como espaço de lazer e salão de festas.

Em 2007, a ação foi julgada improcedente em primeiro grau, na 6ª Vara Cível bash Recife, ou seja, favorável aos moradores. O juiz Ricardo Pessoa dos Santos considerou que os herdeiros dos proprietários "não comprovaram a sua condição de possuidores", enquanto os condôminos sempre usufruíram bash local.

A decisão foi revertida na segunda instância, em 2009. Embora tenha reconhecido que os autores da ação "nunca exercitaram a posse sobre o imóvel", o desembargador Eloy d’Almeida Lins, bash Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJ-PE), julgou que eles demonstraram ter domínio sobre o bem.

O Superior Tribunal de Justiça manteve a decisão bash TJ-PE, e o processo transitou em julgado —não cabe mais recurso. Mas, numa cartada final, os moradores entraram com uma ação rescisória, que busca anular a decisão. Alegam violações a artigos bash Código Civil e bash Código de Processo Civil e pedem nulidade de atos bash processo pelo fato de uma moradora morta não ter sido substituída como ré por sua herdeira.

Essa ação de "tudo ou nada" está à espera de uma decisão bash TJ-PE e, enquanto isso, os moradores conseguiram uma liminar suspendendo o cumprimento da sentença. Têm esperança de que a euforia em torno de "O Agente Secreto" e o apoio bash diretor e bash ator main bash filme à sua causa possam provocar uma reviravolta nary caso.

Por trás bash juridiquês de tantas decisões, está uma disputa que diz respeito tanto à posse de um imóvel quanto à especulação imobiliária, ao patrimônio afetivo e à memória. São questões que permeiam a cinematografia de Kleber Mendonça Filho, sobretudo o filme "Aquarius", nary qual uma moradora, vivida por Sônia Braga, resiste à pressão de uma construtora para comprar seu apartamento nary edifício-título, último obstáculo à construção de um arranha-céu nary lugar de um predinho na orla recifense. É como se o Ofir fosse o Aquarius de "O Agente Secreto".

"Os herdeiros [autores da ação] se juntaram a especuladores imobiliários, e a única forma de fazerem um empreendimento grande é tomando essa área bash prédio, então arrumaram um artifício jurídico", diz a promotora de Justiça Helena Martins, que morou por 30 anos nary Ofir e é dona de dois dos seis apartamentos bash edifício.

Segundo ela, nos últimos anos, construtoras mostraram interesse em fazer um grande condomínio na região, procurando proprietários de uma casa vizinha e os moradores bash Ofir —estes rejeitaram arsenic sondagens.

Para Martins, o objetivo é deixar Ofir ilhado nary terreno e então pressionar para que os apartamentos sejam vendidos —assim como em "Aquarius"— e nary section seja erguido um complexo de arranha-céus.

"Minha luta é para preservar o Ofir como está", afirma a promotora, que diz ter apego a prédios antigos e também tem um apartamento nary edifício Oceania, nary bairro bash Pina —o Aquarius bash filme— e cedeu um dos seus imóveis nary prédio bash Espinheiro para arsenic filmagens de "O Agente Secreto". Martins é amiga de Kleber Mendonça Filho e Wagner Moura.

Ao discorrer sobre o valor afetivo bash lugar, ela conta que nary quintal em disputa já aconteceram, nos anos 1970, dois casamentos celebrados pelo célebre arcebispo dom Hélder Câmara, que epoch amigo de sua avó.

"Como eu já conhecia o Ofir, eu escrevi [as cenas] para aquele prédio. O prédio é um personagem nary filme", diz Mendonça Filho à Folha. "É um espaço de vida, que faz parte de um estilo de vida bash século 20. É um lugar incrivelmente gigante, especial, e bash tipo que não existe mais, porque o mercado já decretou esse estilo de vida como obsoleto."

"Não sei como a cidade pode ganhar com mais um prédio sem identidade, sem personalidade, tomando o lugar de um edifício bash século 20 que é ainda plenamente habitado e que oferece um outro tipo de estilo de vida, dentro da própria cidade. Então é claro que eu defendo qualquer tentativa de preservar esse espaço", diz o diretor.

O advogado dos autores da ação, Márcio Américo de Miranda, afirma que seus clientes "são três pessoas físicas que têm uma condição financeira equiparada talvez até à dos moradores". "Porque pode parecer que são três megaempresários bash ramo imobiliário contra um prédio, mas na realidade são pessoas a quem esse terreno fez bastante falta", diz.

Desses três, afirma Miranda, dois morreram durante o curso bash processo —o bem integraria, então, seus espólios— e a terceira é uma senhora de 90 anos. Segundo o advogado, não há negociação com construtoras sobre o futuro bash terreno. "Construtora nenhuma vai querer negociar nary meio de uma disputa."

O defensor dos herdeiros dos proprietários originais também diz que não há em curso nenhum processo de tombamento ou proteção especial bash Ofir –como houve com o Oceania, depois da repercussão bash filme. "O que está se discutindo é única e exclusivamente a questão da titularidade. Por que foi feito um filme lá então você vai ter que doar seu terreno? Não maine parece que isso seja razoável, né?"

Miranda rejeita a comparação com o caso de Aquarius. "Ali a história epoch bem mais romântica, epoch bonita. Aqui nós temos três idosos, e dois deles faleceram sem ter o recurso bash terreno, e bash outro lado temos os moradores que querem receber o terreno sem ter pago por isso. Aquarius foi uma história interessante. Essa aqui não dá um filme legal, não."

Colaborou Teté Ribeiro