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- Author, Thais CarrançaThais Carrança
- Role, Da BBC News Brasil em São Paulo
2 setembro 2025, 18:57 -03
Atualizado Há 1 minuto
Chegou ao fim o primeiro dia de julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no processo criminal por suposta tentativa de golpe de Estado.
O julgamento deverá ser retomado nesta quarta-feira (3/9), às 9h. Também estão previstas sessões na terça, quarta e sexta-feira da próxima semana (9, 10 e 12/9).
Bolsonaro não compareceu ao primeiro dia de sessões por "motivo de saúde", segundo informou seu advogado, Celso Vilardi, à BBC News Brasil.
O julgamento ocorre na Primeira Turma do STF, composta por Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Flávio Dino, Luiz Fux e Cristiano Zanin.
O ex-presidente e sete aliados — entre eles ex-ministros e militares de alta patente — são julgados por crimes que incluem organização criminosa armada, golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Eles fazem parte do chamado "núcleo crucial" da suposta organização criminosa que, segundo a acusação, teria tentado subverter o resultado das eleições de 2022, vencidas pelo atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Todos negam as acusações.
A sessão do Supremo nesta terça-feira (2/9) teve início pela manhã, com a leitura pelo ministro relator Alexandre de Moraes de seu relatório. Em seguida, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, fez um resumo da denúncia apresentada contra Bolsonaro e os outros sete réus na ação.
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Na parte da tarde, tiveram início as falas dos advogados de defesa, quando se manifestaram:
- Jair Alves Ferreira e Cezar Bittencourt, representando Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, que fez uma delação premiada que embasa parte da acusação;
- Paulo Renato Garcia Cintra Pinto, representando Alexandre Ramagem, ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin);
- Demóstenes Torres, representando Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha;
- e Eumar Novacki, representando Anderson Torres, ex-ministro da Justiça.
Na quarta-feira, devem se pronunciar os advogados de Bolsonaro, e dos generais Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e Walter Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil).
As etapas seguintes, que devem ficar para a próxima semana, serão os votos dos ministros e, em caso de condenação, a fixação de penas.
Confira dez frases que marcaram o primeiro dia de julgamento.
Moraes: STF não vai aceitar 'coação de Estado estrangeiro'
Em sua fala inicial, Alexandre de Moraes, relator do caso, afirmou que o STF não aceitará "coação de um Estado estrangeiro" ou tentativa de obstrução do processo, no que pareceu ser uma referência aos Estados Unidos.
"Lamentavelmente, no curso dessa ação penal, se constatou a existência de condutas dolosas e conscientes de uma verdadeira organização criminosa, que de forma jamais vista anteriormente em nosso país, passou a agir de maneira covarde e traiçoeira, com a finalidade de tentar coagir o poder judiciário e em especial esse STF, e submeter o funcionamento da Corte ao crivo de outro Estado estrangeiro", disse o ministro.
"Essa coação, essa tentativa de obstrução, elas não afetarão a imparcialidade e a independência dos juízes desse STF, que darão, como estamos dando hoje, presidente, a normal sequência no devido processo legal, que é acompanhado por toda a sociedade e toda a imprensa brasileiras."
Nos últimos meses, o governo de Donald Trump tem se manifestado em apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro. A Casa Branca também anunciou a imposição de tarifas de 50% sobre produtos importados pelos EUA do Brasil, a alíquota mais alta entre os países sobretaxados.
A medida foi comunicada ao governo por meio de uma carta assinada por Trump e endereçada ao presidente Lula. Na mensagem, o republicano afirma que o "julgamento não deveria estar ocorrendo" e que é uma "caça às bruxas" contra Bolsonaro.
Alexandre de Moares também entrou na mira do governo americano e foi alvo de sanções com base na Lei Magnitsky, uma das mais severas punições disponíveis para Washington contra estrangeiros considerados autores de graves violações de direitos humanos e práticas de corrupção.
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Moraes: 'Impunidade não é opção para pacificação'
O ministro Alexandre de Moraes defendeu ainda que a "pacificação" do país passa pelo respeito à Constituição.
"A história nos ensina que a impunidade, a omissão e a covardia não são opções para a pacificação, pois o caminho aparentemente mais fácil — e só aparentemente —, que é da impunidade, que é da omissão, deixa cicatrizes traumáticas na sociedade e corrói a democracia", disse Moraes.
"A pacificação do país depende do respeito à Constituição, da aplicação das leis e do fortalecimento das instituições. Não havendo possibilidade de se confundir a saudável e necessária pacificação com a covardia do apaziguamento, que significa impunidade e desrespeito à Constituição Federal."
Gonet: 'Golpe tentado não se consumou pela fidelidade do Exército'
Ao fazer um resumo da denúncia apresentada contra Bolsonaro e os outros sete réus, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, listou evidências sobre a suposta tentativa de golpe — manuscritos, mensagens, gravação de reunião ministerial e discursos públicos.
E afirmou que o golpe só foi evitado devido à resistência do Exército em tomar parte na trama.
"Houve, nesse sentido, a apresentação do plano de golpe pelo Comandante Maior das Forças Armadas, o próprio Presidente da República e pelo ministro de Estado da Defesa. Da mesma forma, o propósito de criar clima de convulsão social foi posto em prática pelos insurrectos, no intuito de atrair especialmente o exército para a atitude antidemocrata."
"O golpe tentado não se consumou pela fidelidade do Exército, não obstante o desvirtuamento de alguns dos seus integrantes e da Aeronáutica, a força normativa da Constituição democrática em vigor."
Em sua exposição, o procurador-geral da República reforçou ainda que o fato de o golpe ter sido tentado inicialmente enquanto Bolsonaro ainda estava na Presidência não descaracteriza a tentativa de subverter o Estado democrático de direito.
"Os golpes podem vir de fora da estrutura existente de poder, como podem ser engendrados pela perversão dela própria", disse Gonet.
"O argumento de que não haveria possibilidade lógica de golpe de Estado no curso do próprio mandado de mandato de Jair Bolsonaro é inconsistente. O sujeito ativo do delito pode ser qualquer pessoa, inclusive o próprio chefe do Executivo", argumentou o titular da PGR.
Gonet: 'Não há como negar fatos praticados publicamente'
Paulo Gonet argumentou ainda estar provado por testemunhos, registros e documentos que o ex-presidente Jair Bolsonaro teria liderado a tentativa de golpe de Estado.
"Não há como negar fatos praticados publicamente, planos apreendidos, diálogos documentados e bens públicos deteriorados", observou Gonet.
"Se as defesas tentaram minimizar a contribuição individual de cada acusado e buscar interpretações distintas dos fatos, estes mesmos fatos, contudo, não tiveram como ser negados", reforçou.
O procurador apontou, por exemplo, para a minuta de decreto golpista que foi apreendida na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, um dos réus na ação penal.
Ele também citou os depoimentos dos ex-comandantes do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, e da Aeronáutica, Carlos de Almeida Baptista Júnior, que confirmaram terem sido apresentados a decretos de teor golpista em reunião com Bolsonaro.
"A denúncia não se baseou em conjecturas ou suposições frágeis. Os próprios integrantes da organização criminosa fizeram questão de documentar quase todas as fases da empreitada", disse.
Cezar Bitencourt, advogado de Mauro Cid: 'Ministro Luiz Fux, sempre simpático, sempre atraente'
Crédito, Reprodução
O advogado Cezar Bitencourt, um dos defensores do tenente-coronel Mauro Cid, arrancou risadas ao começar sua fala chamando o ministro Luiz Fux de "atraente".
"Ministro Luiz Fux, sempre saudoso, sempre presente, sempre amoroso, sempre simpático, sempre atraente como são os cariocas. É uma honra muito grande, uma satisfação imensa", disse Bitencourt.
Fux é visto, por parte dos réus e da defesa, como o ministro que tem mais chances de pedir vista, interrompendo o julgamento, ou de divergir de Moraes, votando pela absolvição ou por penas menores.
Próximo a ser cumprimentado, o ministro Flávio Dino, que se senta ao lado de Fux, interrompeu a fala do advogado em tom de brincadeira. "Quero dizer que não aceito nada menos que isso", disse o magistrado, arrancando mais risos.
Bitencourt respondeu mantendo o tom de brincadeira. "Me comprometi, mas vossa excelência está acima disso, vem lá do norte com galhardia, elegância, tratamento, sabedoria com o talento tudo o que a gente precisa ter aqui", afirmou o advogado.
Paulo Cintra, advogado de Ramagem: 'Ramagem compilava pensamentos de Bolsonaro'
O advogado Paulo Renato Cintra, representando Alexandre Ramagem, negou que o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) tenha determinado o monitoramento ilegal de ministros do STF e de desafetos políticos do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Cintra também negou que Ramagem tenha municiado o ex-presidente Jair Bolsonaro com informações falsas para embasar lives nas redes sociais e atacar o sistema de votação eletrônica, em julho de 2022, no período de pré-campanha.
Segundo Cintra, os arquivos enviados ao então presidente foram produzidos a partir de informações públicas e discursos do próprio presidente, além de "anotações e opiniões pessoais".
"Ramagem não atuou para orientar o presid,ente da República, não era um ensaísta de Jair Bolsonaro. Ramagem compilava pensamentos do presidente da República", disse.
Cármen Lúcia: 'Processo eleitoral brasileiro é amplamente auditável'
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A ministra Cármen Lúcia, do STF, rebateu falas do advogado Paulo Renato Cintra, defensor de Ramagem, que citou as expressões "voto impresso" e "voto auditável" como sinônimas ao defender que o ex-diretor da Abin não participou da difusão de desinformação para atacar o sistema eleitoral.
"Vossa Senhoria usou, com muita frequência, como se fosse a mesma coisa, não é. O que foi dito o tempo todo é essa confusão para criar uma confusão na cabeça da brasileira e do brasileiro para colocar em xeque", afirmou a ministra.
"Que fique claro, o processo eleitoral brasileiro é auditável, íntegro e perfeitamente seguro", disse Cármen Lúcia, que também preside o Tribunal Superior Eleitoral.
Demóstenes Torres, advogado de Almir Garnier: 'Se Bolsonaro precisar de cigarro, conte comigo'
O advogado Demóstenes Torres, que defende o almirante Almir Garnier, protagonizou uma cena inusitada ao dizer que levaria cigarros a Bolsonaro e que gosta tanto do ex-presidente, quanto do ministro Alexandre de Moraes.
"É possível gostar do ministro Alexandre de Moraes e, ao mesmo tempo, gostar do ex-presidente Bolsonaro? Sim, sou eu essa pessoa. E explico por quê. Um dia eu já estava fora da política e estava no aeroporto de Brasília. Meus ex-colegas passavam por mim e tal. De repente, passou o Bolsonaro com a mochilinha parecendo um soldadinho de chumbo. E foi, falei para minha mulher 'olha, até o Bolsonaro está me evitando'. Ele parou lá naquele lugar que passa o raio-x e tal, olhou, me viu, voltou também correndo e me deu um abraço e falou 'senador, para mim não aconteceu nada'. Então, se o Bolsonaro precisar de eu levar cigarro para ele em qualquer lugar, conte comigo. Ele é uma pessoa que eu gosto", afirmou o advogado.
Demóstenes Torres também afirmou que o ministro Flávio Dino pode ser presidente da República.
"Ministro Flávio Dino, o ministro dos Três Poderes, como nós já tivemos vários aqui, alguns, melhor dizendo: ministro Prado Kelly, ministro Aliomar Baleeiro, ministro Nelson Jobim, de quem vossa excelência foi juiz auxiliar. Vossa excelência, talvez, ocupando os três postos mais importantes. No Executivo, só lhe faltou a Presidência da República, mas é muito jovem ainda, quem sabe esse dia ainda não chega", afirmou o advogado.
Crédito, Luiz Silveira/STF
Eumar Novacki, advogado de Anderson Torres: 'PF e MP não estavam interessados na verdade'
Em sua sustentação, o advogado Eumar Roberto Novacki, defensor de Anderson Torres, aponta duas supostas falhas na acusação da PGR a respeito do ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal quando houve a invasão da sede dos Três Poderes, em Brasília. No dia 8 de janeiro, Torres estava nos EUA.
Segundo Novacki, um email da companhia aérea Gol provaria que a passagem foi emitida em novembro de 2022, portanto, num período em que não haveria nenhuma menção aos ataques do 8 de janeiro.
O advogado também leu uma declaração do governador do DF, Ibaneis Rocha, que disse ter conhecimento da viagem de Torres aos EUA - o MP argumenta que Torres viajou sem o conhecimento do governador.
"Foi uma tentativa de levar os julgadores a erro. O Ministério Público tinha consciência que toda a sua tese acusatória se baseava numa ausência deliberada, uma espécie de fuga para os Estados Unidos", disse Novacki.
"Nós conseguimos comprovar que na verdade era uma viagem de férias programada com muita antecedência com a família, cujas passagens foram emitidas numa data na qual nem sequer havia cogitação em relação aos atos do 8 de janeiro", acrescentou.
"Infelizmente, a PF e o MP não estavam interessados na verdade", disse Novacki.
Lula: 'Eu não fiquei chorando, eu fui à luta'
Crédito, Paulo Pinto/Agência Brasil
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) comentou o primeiro dia de julgamento no STF, ao participar do velório do jornalista Mino Carta, em São Paulo.
Lula defendeu a presunção de inocência e fez um paralelo com o julgamento enfrentado por ele próprio anos atrás.
"Se é inocente, prove que é inocente. Prove que não tem nada a ver com isso e está de bom tamanho. O que eu espero é isso, que seja feita a justiça respeitando o direito da presunção de inocência de quem está sendo julgado. É só isso o que desejo para mim e para qualquer inimigo meu: apenas o direito à presunção de inocência para que o Brasil fique sabendo da verdade", disse Lula.
"Ele pode se defender como eu não pude me defender e eu não reclamei, eu não fiquei chorando, eu fui à luta. Se é inocente, prove que é inocente, prove que não tem nada a ver com isso, está de bom tamanho", afirmou.
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