Travada em meio a cálculos políticos do governo, a indicação do presidente Lula para a chefia da PGR (Procuradoria-Geral da República) tem demora inédita em mais de 30 anos.
A indefinição completa um mês nesta quinta-feira (26) e compromete a independência do órgão e o planejamento de ações.
Após Augusto Aras deixar o cargo, o comando do Ministério Público foi assumido de forma interina pela subprocuradora-geral Elizeta Maria de Paiva Ramos, vice-presidente do Conselho Superior do Ministério Público Federal.
Por não ter sido nomeada, Elizeta pode ser substituída a qualquer momento pelo presidente, criando um ambiente de incerteza para decisões da instituição, que tem a competência de ajuizar ações cíveis e penais contra outras autoridades com foro especial —o que inclui a possibilidade de denunciar o presidente ao STF (Supremo Tribunal Federal).
Tal papel torna o cargo cobiçado também pela classe política. Após a indicação de Lula, caberá ao Senado Federal sabatinar e aprovar ou rejeitar o apontado para a função.
Aras buscava sua recondução e chegou a se encontrar com Lula no Planalto em agosto, mas seu nome enfrentou resistências devido à antiga proximidade com o governo Jair Bolsonaro.
Os dois nomes mais fortes na disputa até o momento são os de Paulo Gonet Branco e Antonio Carlos Bigonha. O primeiro é apoiado pelos ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, do STF, e é o atual vice-procurador-geral eleitoral.
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Apesar da demora de Lula, não há na Constituição prazo para que o presidente escolha o PGR. Até o momento, a definição mais tardia no pós-redemocratização foi em 1989, quando o então presidente José Sarney levou 34 dias para indicar Aristides Junqueira Alvarenga para substituir Sepúlveda Pertence.
Naquele momento, porém, a escolha era a primeira após a promulgação da Constituição Federal, que redefiniu a atuação do Ministério Público, tornando-o um órgão independente e autônomo.
Desde então, os períodos mais longos para substituir o procurador-geral aconteceram devido à etapa de aprovação no Senado: em 2013, após a indicação de Rodrigo Janot por Dilma Rousseff, e em 2009, após a indicação de Roberto Gurgel por Lula, um dia após a abertura da vaga.
Os outros dois PGRs indicados pelo petista em seu primeiro mandato, Cláudio Fonteles, em 2003, e Antonio Fernando de Souza, em 2005, foram anunciados antes da abertura da vaga.
Diferentemente do que ocorre no Ministério Público dos estados, em que a nomeação do procurador-geral de Justiça deve ser feita em um prazo de 15 dias a partir da lista tríplice eleita pelos integrantes da carreira, no caso do Ministério Público da União não há prazo para a substituição nem obrigatoriedade em seguir a lista elaborada pela ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República).
A tradição de nomear o mais votado pelos procuradores foi inaugurada pelo próprio Lula em seu primeiro mandato e mantida por sua sucessora, Dilma. O ex-presidente Michel Temer também escolheu um nome a partir da lista dos mais votados, mas Bolsonaro rompeu a tradição ao indicar Aras —que não havia participado de eleição interna dos procuradores.
Em nota, o Ministério Público Federal disse à reportagem que não há interferência no funcionamento da instituição pelo fato de Lula ainda não ter indicado um PGR, pois todas as atribuições foram assumidas pela interina e que não há decisões pendentes.
Especialistas ouvidos pela Folha avaliam que a demora é prejudicial à imagem da instituição.
"É muito grave essa demora, porque é um recado de desestímulo, de insegurança aos inúmeros procuradores e procuradoras que ficam sem uma diretriz clara de política pública a seguir por aquela instituição", diz o advogado Renato Stanziola Vieira, presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais).
Para Marina Coelho Araújo, advogada e conselheira do Iasp (Instituto dos Advogados de São Paulo), a indefinição deixa a instituição "acéfala e sem rumo", logo após o que classifica como o período de maior crise de credibilidade do Ministério Público devido aos erros cometidos pela Lava Jato.
O presidente da ANPR, Ubiratan Cazetta, afirma que, ainda que a instituição siga funcionando, a indefinição gera desconforto e o adiamento de ações que precisam ser tomadas pela instituição também administrativamente.
"É sem dúvida ruim do ponto de vista simbólico que você tenha uma indefinição dessa natureza na ocupação de um cargo que tem previsão constitucional e com um papel importante nos processos do Supremo", diz, destacando que apesar disso Elizeta tem tranquilizado os integrantes da categoria.
Atual procuradora-geral interina, ela ingressou na Procuradoria em 1989 e, em 2009, foi promovida a subprocuradora-geral da República.
Em 2018, assinou uma nota de apoio à nomeação do então juiz Sergio Moro para o Ministério da Justiça do ex-presidente Bolsonaro, um dos episódios pelos quais é vista com desconfiança por uma ala do governo Lula.
Entre os cientistas políticos, há uma leitura divergente de que a interina pode usar o período à frente do cargo para tentar ser indicada.
Para Fábio Kerche, professor da UniRio e autor do livro "Virtude e Limites — Autonomia e Atribuições do Ministério Público no Brasil", Elizeta pode tentar demonstrar alinhamento.
Para o cientista político Luciano Da Ros, professor da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), ao protelar a indicação, Lula acaba criando o poder da interinidade, mantendo à frente da instituição alguém passível de demissão.
Apesar disso, a leitura geral é que o adiamento na escolha está relacionado à importância da decisão e de outras escolhas que deverão ser feitas pelo presidente, à experiência de Lula com a Lava Jato e também ao estado de saúde do chefe do Executivo, que passou por cirurgias no fim de setembro, logo após o fim do mandato de Aras.
Além da indicação para a PGR, Lula também precisa indicar quem assumirá a cadeira da ministra Rosa Weber no STF e tem sofrido pressão para indicar uma mulher negra à corte.
Tal pressão também pode favorecer eventual efetivação de Elizeta.
Mas, para a professora de direito constitucional da UFPR (Universidade Federal do Paraná) Vera Karam de Chueiri, ao deixar a situação indefinida, o presidente acaba "aumentando a temperatura da política no sentido de uma politização que não é dada a esse tipo de escolha".
"O presidente está pensando no que seria melhor para o seu governo, mas o melhor seria nomear, definitivamente, [seja] ele ou ela", diz.
Em março, Lula disse que não faria sua escolha com base na lista tríplice dos procuradores por causa da "irresponsabilidade da força-tarefa do Paraná", em referência ao grupo que o denunciou na Operação Lava Jato.
Tempo para indicação de PGRs desde a Constituição de 1988
Aristides Junqueira Alvarenga
- Indicado por José Sarney (MDB)
- Data da indicação: 20.jun.89
- Tempo: 34 dias após a saída do PGR anterior
Geraldo Brindeiro
- Indicado por Fernando Henrique Cardoso (PSDB)
- Data da indicação: 13.jun.95
- Tempo: 15 dias antes da saída do PGR anterior
Cláudio Fonteles
- Indicado por Lula (PT)
- Data da indicação: 5.jun.03
- Tempo: 23 dias antes da saída do PGR anterior
Antonio Fernando Souza
- Indicado por Lula (PT)
- Data da indicação: 14.jun.05
- Tempo: 15 dias antes da saída do PGR anterior
Roberto Gurgel
- Indicado por Lula (PT)
- Data da indicação: 29.jun.09
- Tempo: um dia após saída do PGR anterior
Rodrigo Janot
- Indicado por Dilma Rousseff (PT)
- Data da indicação: 17.ago.13
- Tempo: dois dias após saída do PGR anterior
Raquel Dodge
- Indicada por Michel Temer (MDB)
- Data da indicação: 28.jun.17
- Tempo: 81 dias antes da saída do PGR anterior
Augusto Aras
- Indicado por Jair Bolsonaro (PL)
- Data da indicação: 5.set.19
- Tempo: 12 dias antes da saída do PGR anterior
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