Mulheres choram na entrada de favela no Complexo da Penha

Crédito, Reuters

Legenda da foto, Complexo da Penha foi um dos territórios onde a polícia do RJ realizou megaoperação

Há 2 minutos

A operação, que tinha como objetivo conter a expansão do Comando Vermelho, é considerada a mais letal já realizada no Brasil. Segundo dados oficiais, 121 pessoas morreram, entre elas quatro policiais.

Movimentos de direitos humanos classificam a ação como uma chacina e questionam sua eficácia como política de segurança. O grande número de vítimas também foi criticado pelo Alto Comissariado dos Direitos Humanos das Nações Unidas, que se disse "horrorizado" com a operação nas favelas.

Em entrevista concedida em Belém, no Pará, onde será realizada a COP30, Lula declarou que "houve uma matança".

"A decisão do juiz era uma ordem de prisão, não tinha uma ordem de matança, e houve uma matança. Eu acho que é importante a gente ver em que condições ela se deu", afirmou.

"Nós, inclusive, estamos tentando ver se é possível os legistas da Polícia Federal participarem do processo de investigação da morte, e como é que foi feito."

Na última semana, o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) pediram explicações do governador do Rio de Janeiro sobre a operação policial, considerando, entre outros pontos, sua alta letalidade.

Um grupo de especialistas da ONU também cobrou uma investigação independente e imediata, dizendo que a ação da polícia pode constituir "homicídios ilegais".

Policiais apontando armadas

Crédito, EPA/SHUTTERSTOCK

Legenda da foto, Cerca de 2.500 policiais participaram da operação no Rio de Janeiro contra o Comando Vermelho

No domingo (2/11), a Polícia divulgou uma lista com os nomes dos mortos durante a operação e afirmou que "mais de 95% dos identificados tinham ligação comprovada com o Comando Vermelho e 54% eram de fora do Estado".

Segundo o governo, 59 das pessoas mortas tinham mandados de prisão pendentes, pelo menos 97 apresentavam históricos criminais relevantes.

17 dos mortos identificados não apresentavam histórico criminal, mas, segundo a polícia, "12 apresentaram indícios de participação no tráfico em suas redes sociais".

Maioria da população apoia operação no Rio

A operação envolveu 2,5 mil agentes das forças de segurança do Rio de Janeiro para cumprir 180 mandados de busca e apreensão e 100 mandados de prisão.

113 pessoas foram presas, mas os nomes não foram divulgados pela polícia.

Parte da cúpula do Comando Vermelho, contudo, não foi atingida: Edgard Alves de Andrade, o Doca, apontado como maior líder da facção em liberdade, segue sendo procurado. Assim como Pedro Paulo Guedes, o Pedro Bala, Juan Pedro Ramos, o BMW, e Carlos da Costa Neves, o Gardenal.

Na quarta-feira (29/10), um dia após a ação, o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), afirmou que a operação "foi um sucesso" e um "duro golpe na criminalidade".

Ele também afirmou que, "de vítimas, só tivemos os policiais".

A maioria da população parece concordar com o governador Cláudio Castro, como revelam pesquisas recentes.

A pesquisa AtlasIntel realizada entre a quarta (29/10) e quinta-feira (30/10) mostrou que a operação tem apoio da maioria dos brasileiros (55%).

No Rio de Janeiro, a proporção foi maior: 62% disseram aprovar a operação, com o percentual aumentando ainda mais entre os moradores de favelas (80%).

Já de acordo com o Datafolha em pesquisa divulgada neste domingo, a operação policial foi vista como um sucesso por 57% dos moradores do Grande Rio de Janeiro.

Várias pessoas do governo do Rio de Janeiro reunidas para coletiva de imprensa

Crédito, Getty Images

Legenda da foto, Cláudio Castro criticou governo federal por não fornecer ajuda, mas depois voltou atrás

Para o presidente Lula, contudo, a operação foi desastrosa.

"O dado concreto é que a operação, do ponto de vista da quantidade de mortes, as pessoas podem considerar um sucesso, mas, do ponto de vista da ação do Estado, eu acho que ela foi desastrosa", disse nesta terça-feira (04/11).

O presidente já tinha se manifestado sobre o assunto nas redes sociais.

Em uma publicação no X, na quarta-feira, ele cobrou ações policiais sem risco para policiais e famílias e exaltou uma operação do governo, em agosto, contra o Primeiro Comando da Capital (PCC).

"Não podemos aceitar que o crime organizado continue destruindo famílias, oprimindo moradores e espalhando drogas e violência pelas cidades. Precisamos de um trabalho coordenado que atinja a espinha dorsal do tráfico sem colocar policiais, crianças e famílias inocentes em risco", disse Lula.

"Foi exatamente o que fizemos em agosto na maior operação contra o crime organizado da história do país, que chegou ao coração financeiro de uma grande quadrilha envolvida em venda de drogas, adulteração de combustível e lavagem de dinheiro."

Disputa política

Dias antes da megaoperação policial contra o Comando Vermelho no Rio de Janeiro, Lula havia dito, durante uma coletiva de imprensa que os traficantes "eram vítimas dos usuários".

"Meu posicionamento é muito claro contra os traficantes e o crime organizado. Mais importante do que as palavras são as ações que o meu governo vem realizando", escreveu na rede social.

Embora sem relação específica com a operação, que sequer tinha acontecido ainda, a frase foi resgatada por adversários políticos dos petistas.

Para o professor de Ética e Filosofia Política da Universidade de São Paulo (USP) e ex-ministro da educação do governo de Dilma Rousseff (PT), Renato Janine Ribeiro, a esquerda tem dificuldade de apresentar um programa de segurança pública que respeite os direitos humanos, mas também faça repressão eficaz ao crime.

"O problema de parte da esquerda é querer "ter razão", mesmo sem ter apoio da maioria. É preciso entender a mensagem que se quer passar, não se confortar com a ideia de "nós temos razão e o outro está errado", disse em entrevista à BBC.

"Se não formos capazes de emplacar, no nível dos estados e da política, discursos que respeitem não só os direitos humanos, mas também o conhecimento científico, vamos continuar perdendo o debate."

Um exemplo disso é a operação no Rio.

Em sua primeira entrevista na terça-feira, ainda enquanto a ação policial acontecia, Castro criticou o governo federal, dizendo que o Rio de Janeiro estava "sozinho" no combate ao crime organizado.

"As nossas polícias estão sozinhas... Infelizmente, mais uma vez, não temos auxílio nem de blindados nem de agentes das forças federais, de segurança ou de defesa. É o Rio de Janeiro completamente sozinho", havia dito Castro.

No mesmo dia, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, afirmou que o governo federal nunca havia negado apoio ao Rio.

"Não recebi nenhum pedido do governador do Rio de Janeiro para esta operação, nem ontem, nem hoje, absolutamente nada...Nenhum pedido do governador Cláudio Castro até agora foi negado", destacou.

Mais tarde, o governador fluminense disse que foi mal interpretado sobre sua fala sobre o Rio estar sozinho e ponderou que estava apenas respondendo à pergunta de um jornalista sobre se o governo federal estava participando da operação.

Um dia depois da operação, o governador e o ministro se reuniram na capital fluminense, anunciando uma cooperação.

Essa disputa política em torno da operação parece ter favorecido Castro. Pesquisas mostram que a popularidade dele aumentou após a ação policial.

Para Ricardo Brisolla Balestreri, que atua há mais de 30 anos na área de segurança pública, operações como a do Rio de Janeiro não resultam em contenção de crime, apesar de gerarem um "espetáculo midiático".

"É de uma irresponsabilidade enorme colocar 2.500 policiais que não têm expertise em enfrentamento com grupos altamente armados... isso tudo para fazer espetáculo. Isso tudo para ser midiático. Isso tudo para dar uma impressão à população de que o governo está fazendo alguma coisa contra a criminalidade", afirmou.